No texto anterior foi estudada a primeira das teorias criada para fundamentar a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais, dentre as quais se encontram os honorários advocatícios sucumbenciais. Lá, observou-se que a teoria da pena foi superada diante da evolução legislativa que se seguiu e que passou a impor a toda e qualquer parte derrotada em juízo a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais, independentemente de qualquer avaliação acerca da presença, em cada caso, do referido elemento subjetivo. Logo, a legislação alterada retirou qualquer base lógica e jurídica na qual se apoiava a teoria da pena.
Em contraposição à teoria da pena surge a teoria do ressarcimento, que trata os honorários como se fossem uma indenização ou ressarcimento à parte vencedora. Essa teoria teve em Adolf Dietrich Weber seu principal expoente e defensor, em sua obra Ueber die Prozesskosten, deren Vergütung und Compensation (Sobre os custos do processo, sua remuneração e compensação).[1]
Com efeito, conforme preconizado pela teoria em comento, pena se distingue de indenização. Embora uma e outra possam ser inseridas na ideia superior e comum dos efeitos jurídicos do injusto, a indenização é uma reparação da lesão e, por isso, deve curar a ferida; por sua vez, a pena abre uma nova ferida e, deste modo, garante a manutenção da ordem jurídica.[2]
Chiovenda afirma que, em essência, a teoria Weberiana proclama a necessidade de se entender a condenação de acordo com o princípio geral de compensação, isto é, na concordância da culpa em geral. Também aqui, na teoria do ressarcimento, se exige o elemento subjetivo.[3] O que se altera é a natureza atribuída à parcela da condenação a título de honorários advocatícios: de pena para indenização e, por conseguinte, também o destinatário dos honorários, que deixa de ser o Estado e passa, como simples e necessária consequência, a ser a parte vitoriosa.
Segundo Weber, com exceção das hipóteses de sucumbência mútua e desconhecimento escusável de factum alienum, o vencido invariavelmente agiria com culpa, ainda que em grau mínimo, por ter sustentado pretensão que ao final foi rejeitada pelo julgador, o que confere baldrame jurídico ao ressarcimento.[4]
O problema é que sucumbir não é, por si só, evidência de culpa e nesse argumento reside o fundamento da maior crítica feita à teoria.[5] Com efeito, o exercício do direito de defesa ou de ação não é um comportamento, por si só, ilegal. Ademais, como já decidiu a Corte de Cassação italiana
La condanna alle spese processuali non trova il suo fondamento in un credito risarcitorio, perché l’esercizio del diritto di difesa non è un comportamento illecito, ma trova la sua ragione nella volontà del legislatore di evitare che le spese processuali sostenute dalla parte vittoriosa gravino su di essa (Cass., 21.1.2013, n. 1371, in motivazione, sub § 4).[6]
Ao criticar a teoria do ressarcimento, Chiovenda assevera que sua adoção acaba por confundir os conceitos de sucumbência e de culpa presumida e a condenação invariável do vencido acaba por desestimular os que possuem o direito a defendê-lo em juízo[7] e, ainda, que desconsidera (i) a diversidade de razoáveis opiniões existentes sobre uma mesma questão jurídica; (ii) a existência de julgamentos discrepantes; e, (iii) a irrefreável disposição do ser humano de defender seus interesses quando amparado em um bem fundamentado ponto de vista sobre uma questão de direito.[8] Com isso, nem sempre o derrotado terá agido com culpa.
Ao fim e ao cabo, bem observa Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes que a teoria Weberiana teve o mérito de demonstrar que a imputação da responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios não possui natureza de pena, mas sim de indenização. Isso deve ser elogiado, pois a natureza indenizatória da condenação é clara, em face do objetivo de recomposição do patrimônio da parte que não deu causa ao processo.[9]
A teoria ainda teve o mérito de, historicamente, ter representado uma transição entre a teoria da pena e a teoria da sucumbência. Outrossim, teve o mérito de realmente superar a teoria da pena, pois não se pode negar que a condenação em honorários de sucumbência tem natureza ressarcitória, pois não deixa de ser uma restituição, à parte vencedora do litígio, por um desembolso indevido e, portanto, uma recomposição de danos por esta indevidamente sofridos.[10]
No próximo texto trataremos da teoria da sucumbência ou do vencimento (victus victori), que se fundana máxima latina segundo a qual victus victori expensas condemnatur (ressarcimento ao vencedor), com natureza ressarcitória, na medida em que também parte da premissa de que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva.
Referências
[1] WEBER, Adolf Dietrich. Ueber die proceßkosten, deren vergütung und compensation. Schwerin; Wismar, 1788. Edição eletrônica disponível em: <http://digitale.bibliothek.uni-halle.de/vd18/content/titleinfo/9514563> Acesso em 10/01/2019.
[2] LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão. Tomo I. [tradução: José Hygino Duarte Pereira]. Rio de Janeiro: Briguiet, 1899, p. 400.
[3] CHIOVENDA, Giuseppe. La condanna nelle spese giudiziali. 2. ed. Roma: Società Editrice Del Foro Italiano, 1935, p. 160.
[4] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 29.
[5] CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 161.
[6] Em tradução livre: A condenação sobre os custos do processo não encontra sua base em um pedido de indenização, porque o exercício do direito de defesa não é um comportamento ilegal, mas encontra sua razão na vontade do legislador de impedir que os custos incorridos pela parte vitoriosa tenham esse motivo.
[7] CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 3. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 34.
[8] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 30.
[9] idem.
[10] CHIOVENDA, Giuseppe. op. cit., p. 161.
Participe da conversa