O Garantismo Penal ainda é atual

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O Garantismo Penal é um movimento que questiona abusos cometidos por parte do Estado no exercício do direito de punir. Tem como um de seus expoentes Luigi Ferrajolli, que defendeu que o homem, antes de receber uma punição em virtude de um delito, deveria ter algumas garantias asseguradas em face do Estado para que o processo fosse justo. Essas garantias referem-se à pena, ao processo e ao delito.
O princípio da legalidade é a viga mestra do Garantismo. Não há que se falar em crime se não houver lei, não há pena sem crime, e por aí caminham os dez axiomas.
Os dez axiomas do Garantismo Penal são dez premissas que devem ser observadas pelo Estado quando este vai exercer o direito de punir. Elas foram elencadas inicialmente na obra “Direito e Razão”, escrita por Ferrajolli. Os axiomas incorporam direitos e garantias fundamentais inscritas na Constituição Federal, que se traduzem em vários princípios de Direito Penal, como o princípio da legalidade, e de Direito Processual Penal, como o princípio do ônus da prova, que se encontram na base da teoria do direito penal e processual penal.
Os dez axiomas são os seguintes:
1) Nulla poena sine crimine (Não há pena sem crime): princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito.
2) Nullum crimen sine lege (Não há crime sem lei): princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito.
3) Nulla lex (poenalis) sine necessitate (Não há lei penal sem necessidade): princípio da necessidade ou da economia do Direito Penal.
4) Nulla necessitas sine injusria (Não há necessidade sem ofensa a bem jurídico): princípio da lesividade ou ofensividade do evento.
5) Nulla injuria sine actione (Não há ofensa ao bem jurídico sem ação): princípio da materialidade ou da exterioridade da ação.
6) Nulla actio sine culpa (Não há ação sem culpa): princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal.
7) Nulla culpa sine judicio (Não há culpa sem processo): princípio da jurisdicionalidade no sentido lato ou estrito.
8) Nulla judicium sine accustone (Não há processo sem acusação): princípio acusatório ou da separação entre o juiz e a acusação.
9) Nulla accusatio sine probatione (Não há acusação sem prova): princípio do ônus da prova ou da verificação.
10) Nulla probatio sine defensione: princípio do contraditório ou da defesa ou da falseabilidade.
Existem ideias equivocadas acerca do Garantismo. Esse movimento não prega o abolicionismo, ou seja, a abolição do Direito Penal, mas defende que o direito de punir do Estado se submeta a garantias constitucionais, as quais prezam pelo devido processo legal, evitando-se situações de perseguição.
A prisão sem fundamentação também é algo que é combatido por parte do Garantismo, pois esse movimento filosófico prega a necessidade de fundamentação das decisões judiciais para refrear o arbítrio do Estado, evitando prisões por delitos de opinião ou em razão de posições políticas. Para Ferrajolli, a prisão preventiva não pode ser considerada válida.
Acusação sem provas ou “exibicionismo do preso como troféu” são pontos que a doutrina do Garantismo critica na prática penal e que pretende resguardar, dando destaque à necessidade de as garantias constitucionais serem observadas dentro do processo penal.
A doutrina do garantismo faz um interessante contraponto entre o devido processo legal formal e o efetivo devido processo legal. Não basta que se cumpram apenas os requisitos formais no curso do processo, mas, caso não possa ser exercido de fato o direito de defesa, caso as decisões não sejam fundamentadas, ou ocorra uma acusação sem provas que a sustentem, o processo, ainda que observe requisitos legais, será nulo.
Atualmente, o garantismo ganhou novos contornos. A aplicação da teoria a casos concretos sofreu algumas críticas, sintetizadas por Douglas Fisher na obra “Garantismo Penal Integral”. Douglas Fisher e outros membros do Ministério Público Federal pregam, por meio do Garantismo Integral, a necessidade de que sejam observadas não apenas garantias para os acusados, mas também a necessidade de proteção integral e efetiva dos interesses da vítima no processo penal. O garantismo penal integral critica o que chamam de garantismo hiperbólico monocular, que corresponde a uma proteção exacerbada dos interesses do réu, em detrimento dos interesses da vítima, gerando um desequilíbrio dentro do processo, no qual o réu teria maior relevância do que a vítima, ferindo-se, dessa forma, o princípio da vedação da proteção deficiente no Direito Penal.
Há que se olhar com certa parcimônia para os argumentos do Garantismo Penal Integral, posto que este inspirou a iniciativa do MPF na elaboração das “Dez medidas contra a corrupção”, proposta de projeto de lei que relativiza uma série de garantias fundamentais, como a possibilidade de relativização das provas ilícitas, em certos crimes.
Por fim, é preciso ter cautela para que não desfigurem o processo penal, transformando-o em um instrumento de vingança privada ou lugar para “justicialismo”. Por outro lado, o processo penal tem de garantir não só a observância de respeito aos direitos do acusado, mas também proteger efetivamente o bem jurídico penal tutelado, evitando-se a impunidade e a descrença nas leis.
Atualmente, a crise na segurança pública no Brasil, anos de impunidade e muitos casos de corrupção nas manchetes de jornais terminam por criar uma falsa ideia de que o Direito Penal pode resolver todas essas questões. Todavia, o Direito Penal de Emergência não pode suprir tais deficiências e a não observância de garantias constitucionais no processo penal somente pode levar a um estado de exceção, e não a uma solução de tais problemas.
Esse tema foi cobrado recentemente na prova para o Ministério Público de Santa Catarina, no ano de 2016.
Em sua obra “O Novo em Direito e Política”, José Alcebíades de Oliveira Júnior cita interessante trecho da doutrina de Luigi Ferrajoli: “a sujeição do juiz à lei já não é de fato, como no velho paradigma juspositivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas sim sujeição à lei somente enquanto válida, ou seja, coerente com a Constituição”. A interpretação da frase em destaque nos remete ao conteúdo do modelo garantista. Verdadeiro ou Falso ( )
A assertiva é verdadeira, pois o garantismo prega uma atuação do juiz em conformidade com a lei, de acordo com uma interpretação que respeite a Constituição, ou seja, deve ir além da interpretação literal.
Isabelle Kishida 
Atualmente é Delegada de Polícia Federal. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (2002) e mestrado em direito – London School of Economics (2008) com especialização em Direito dos Negócios Internacionais. 



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