Para resolver o imbróglio da simplificação dos clássicos da literatura, a alta Direção de Migalhas foi buscar as opiniões de um de nossos maiores mestres, o fundador e primeiro presidente da ABL. Veja a exclusiva entrevista que Machado de Assis nos concedeu.
Migalhas – Você sabia que até hoje é muito lido ?
Machado de Assis – “O louvor dos mortos é um modo de orar por eles.”
Migalhas – Andam dizendo por aqui que seus textos estão ultrapassados.
M.A. – “A morte não envelhece.”
Migalhas – De fato, mas afirmam que algumas palavras ficaram no passado.
M.A. – “O passado é um pecúlio para os que já não esperam nada do presente ou do futuro; há ali sensações vivas que preenchem as lacunas de todo o tempo.”
Migalhas – Deixa ver se entendemos. Você quis dizer que…
M.A. – … “O passado é ainda a melhor parte do presente.”
Migalhas – Ok. Mas veja que há uma mulher querendo explicar sua obra para os jovens. Quer, digamos, deixar o texto mais claro. O que você acha disso ?
M.A. – “Nem tudo é claro na vida ou nos livros.”
Migalhas – Concordamos. Mas ela vai mexer na linguagem, trocando algumas palavras por sinônimos. Você concorda ?
M.A. – “Em matéria de língua, quem quer tudo muito explicado, arrisca-se a não explicar nada.”
Migalhas – A questão é que a molecada de hoje não está lendo como antes. Há tantas coisas novas e interessantes a lhes tirar o gosto pela leitura.
M.A. – “É natural da criança preferir os brincos aos labores do estudo.”
Migalhas – O resultado é que, de acordo com a indigitada mulher, para os jovens seus livros são de difícil leitura.
M.A. – “O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.”
Migalhas – Mas há adjetivos e substantivos vetustos (ops. “vetustos”, pela lógica da mulher, seria proibido).
M.A. – “O adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário.”
Migalhas – Então você é contra que outra pessoa explique seus textos ?
M.A. – “Quando a gente lê por olhos estranhos, entende mal as cousas.”
Migalhas – Enfim, não devemos explicar nada em sua obra ?
M.A. – “Tudo neste mundo nasce com a sua explicação em si mesmo; a questão é catá-la.”
Migalhas – A bem da verdade, essa não é uma iniciativa nova. Já se chegou a cogitar isso.
M.A. – “Há ideias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam.”
Migalhas – Mas como agora houve dinheiro arrecadado, parece que o livro vai sair.
M.A. – “Meia dúzia de folhas de papel dobradas, encadernadas, e numeradas é um livro.”
Migalhas – Pelo visto, Machado de Assis, você está cansado desta ladainha ?
M.A. – “Causa tédio ver como se caluniam os caracteres, como se deturpam as opiniões, como se invertem as ideias, a favor de interesses transitórios e materiais, e da exclusão de toda a opinião que não comunga com a dominante.”
Migalhas – O que acha que devemos fazer com o livro desta senhora ?
M.A. – “Os homens, como os livros, têm os seus destinos.”
Migalhas – Compreendemos. Finalizando, que resposta você daria para os que chamam sua obra de velha ?
M.A. – “Deus é velho, e é a melhor leitura que há.”
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Nota da Redação – Todas as “respostas” foram catadas na obra “Migalhas de Machado de Assis”, com suas respectivas fontes.
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