Por Cláudio Stábile Ribeiro
A Constituição Federal (CF) assegura que o advogado é indispensável à administração da justiça. A justiça somente pode ser alcançada quando presentes o contraditório e o amplo direito de defesa. O contraditório e o direito de defesa somente se concretizam com a presença do advogado, protegido pelas prerrogativas profissionais e atuando com a observância das regras éticas da profissão. Da mesma forma que sem as prerrogativas profissionais não existe justiça, não é possível alcançar a justiça sem a ética.
Ética e prerrogativas. As duas faces da mesma moeda. A profissão do advogado se engrandece e se fortalece quando exercida com a observância das prerrogativas e com o cumprimento dos deveres éticos. As prerrogativas asseguram o respeito das autoridades e das instituições ao livre exercício da advocacia e ao direito de defesa do cidadão. A ética assegura a dignidade e o respeito da sociedade ao exercício profissional. Exercida com ética e prerrogativas, a advocacia se torna a mais bela das profissões.
Após 20 anos de regime autoritário, a sociedade brasileira, através de seus representantes no Congresso Nacional, ao aprovar a legislação que rege a advocacia, outorgou aos advogados uma série de direitos, denominados prerrogativas profissionais, para que fique assegurado em todo o país o mais amplo direito de defesa, que somente existe de fato quando o cidadão está representado por um profissional que atua com independência, protegido pela inviolabilidade e sem receio de desagradar as autoridades.
A mesma legislação, ao lado de assegurar o livre exercício profissional, exige do advogado o cumprimento de deveres éticos e morais em sua atuação. Se o advogado é indispensável à realização da justiça, por força do preceito constitucional (art. 133, CF), cabe ao profissional atuar balizado pelas normas éticas, no pressuposto de que não existe e não pode existir a realização da justiça sem a observância da ética pela magistratura, pelos membros do parquet e pela advocacia.
Gizela Gondin Ramos (2003, p. 533) preleciona que “cada gesto, cada ação do advogado, em cada caso particular no qual atue, é um elemento a mais que se unirá a outros para fins de formar o conceito geral da sociedade sobre a advocacia. Assim percebe- se claramente a responsabilidade de cada um de nós, no dia a dia de nossa atuação profissional”.
Os advogados sempre se preocuparam com a preservação da ética profissional. No ano de 1921, o eminente jurista Francisco Mora, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, lançou o primeiro Código de Ética da Advocacia. Esse primeiro código inspirou os códigos dos institutos de outros Estados. Em 1931, quando se criou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Federal da OAB passou a elaborar o projeto do Código de Ética Profissional, inspirado no Código Paulista de 1921 e no projeto elaborado em 1926 pelo Instituto dos Advogados Brasileiros.
Em 25/7/1934, o Conselho Federal aprovou o primeiro Código de Ética Profissional da OAB, com vigência marcada para 15/11/1934. Pela primeira vez a Ordem apresentava formalmente as diretivas da moral profissional. Esse trabalho de elevado valor teve vigência por mais de 60 anos, ou seja, até 13/2/1995. Com o advento do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei Federal 8.906/94), fez-se necessária a reformulação das normas éticas. O Estatuto de 1994, além de delegar para o Código de Ética a disciplina dos deveres do advogado, retirando-a do texto do Estatuto, como até então ocorria, para ele também deslocou o regramento dos procedimentos disciplinares. E, além disso, tornou obrigatório o cumprimento do Código (art. 33, caput), além de estabelecer punição específica (censura) para tal infringência, quando não constituísse ela, igualmente, violação a uma regra estatutária.
Completados mais de 20 anos de vigência do Código de Ética de 1995, que se revelou uma obra notável e que contribuiu para o fortalecimento da advocacia, os novos tempos, a velocidade das transformações sociais, o advento da internet e das novas tecnologias, o processo eletrônico, a “advocacia de massa”, as modificações nas relações entre clientes e profissionais, e nas relações entre os próprios profissionais, apontaram a necessidade da elaboração de um novo Código de Ética em sintonia com a contemporaneidade.
O Conselho Federal da OAB aprovou o novo Código de Ética e Disciplina da OAB, que entrará em vigor no primeiro semestre do ano de 2016. Como salientou o presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, “o novo Código de Ética destina-se a conciliar os princípios da conduta dos advogados com os desafios da atualidade, estabelecendo parâmetros éticos e os procedimentos a serem seguidos e conciliando as exigências morais da profissão com os avanços políticos, sociais e tecnológicos da sociedade contemporânea”.
O novo Código, no seu preâmbulo, reitera, entre outros, os seguintes mandamentos do advogado: lutar sem receio pelo primado da justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à lei, fazendo com que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à justiça como um de seus mentos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos de seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio; comportar-se com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos.
O Código dispõe que o advogado, indispensável à administração da justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Impõe, como deveres inafastáveis do advogado, preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia. Atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé, bem como velar por sua reputação pessoal e profissional.
O Código dedica um capítulo à advocacia pública, assegurando ao advogado público a independência técnica, o respeito e o dever de urbanidade para aqueles que exercem cargos de chefia e direção jurídica em relação aos colegas de profissão.
O Código é pioneiro ao tratar da advocacia pro bono, exigindo do advogado o zelo e a dedicação habituais, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie em seu patrocínio. E não admite que a advocacia pro bono seja utilizada para fins político-partidários ou eleitorais, nem beneficiar instituições que visem a tais objetivos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela.
O Código estabelece que a publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo implicar mercantilização da profissão. Pela primeira vez é regulada a publicidade pela internet ou por outros meios eletrônicos, vedando o oferecimento de serviços e a captação de clientela. Tratando dos honorários profissionais, o Código assinala que, preferencialmente, devem ser fixados em contrato escrito, evitando assim dúvidas e litígios. O contrato deve estabelecer, com clareza e precisão, o seu objeto, os honorários ajustados, a forma de pagamento, a extensão do patrocínio, esclarecendo se abrangerá todos os atos do processo ou limitar-se-á a determinado grau de jurisdição. O advogado deve observar o valor mínimo da tabela de honorários instituído pelo respectivo Conselho Seccional onde forem realizados os serviços, evitando o aviltamento da remuneração profissional.
O Código, de forma inédita, dispõe sobre as Corregedorias da OAB, a Corregedoria-Geral do Conselho Federal e as Corregedorias dos Conselhos Seccionais. Vale lembrar importante atuação das Corregedorias da OAB na efetividade das normas disciplinares e na celeridade dos processos ético-disciplinares em todo o país. As Metas I, II e III da Corregedoria-Geral da OAB, implantadas com o essencial apoio de todas as Corregedorias Seccionais e dos membros dos Tribunais de Ética de todo o país, impulsionaram os processos éticos e auxiliaram no cumprimento de uma das missões fundamentais da Ordem, outorgada pela legislação em vigor, que é a disciplina dos advogados. Procuramos pontuar algumas matérias tratadas no novo Código de Ética e Disciplina da OAB.
Não podemos esquecer que a gênese da advocacia está ligada ao sentimento ético e humanitário. Rui Barbosa ensinou que “o primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra, defendeu os seus semelhantes contra a injustiça, a violência e a fraude”. Advogado, etimologicamente, deriva do latim advocatus: chamar para junto, chamar em auxílio, chamar em defesa. Advogado é etimologicamente aquele que é chamado em defesa de outrem.
O ministro Costa Lima, que atuou muitos anos no extinto Tribunal Federal de Recursos, em um dos seus julgados, assentou: “A missão do advogado fundamenta-se na dignidade da pessoa humana. Ele não se limita a mero profissional liberal. É um sacerdote a serviço da lei, da manutenção da ordem jurídica, da liberdade, da paz, da segurança privada e da segurança pública” (Apelação em Mandado de Segurança 89.675, Rel. Min. Costa Lima, DJU de 5/8/1982, p. 7.297).
Se há uma crise de valores na sociedade contemporânea, se há um fenômeno mundial de descaso pelos valores éticos, se há uma tendência para considerar tudo optativo e descartável, se há um incentivo aos bens materiais, ao consumo desenfreado e à ostentação, é um bom momento para o estudo do novo Código de Ética e Disciplina, que ensejará também uma grande reflexão sobre a essencialidade da conduta ética em nossa vida profissional e pessoal.
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Bibliografia
RAMOS, Gizela Gondin. Estatuto da Advocacia – Comentários e Jurisprudência Selecionada. 4. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003.
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*O artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, Ano XXXVI, de Abril de 2016, nº 129.
Fonte: Migalhas
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