Quanto mais desigual uma sociedade, mais as pessoas se acham melhores que seus pares

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desigualdadeEm países em desenvolvimento, as pessoas se acham muito melhores do que de fato são, e essa tendência de se sobrestimar é ainda pior nas elites, segundo o professor Stephen Loughnan, da Universidade de Melbourne (Austrália) e doutor em psicologia. Isso é um mecanismo de sobrevivência em sociedades muito competitivas, onde apenas a elite consegue sobreviver.
Abaixo, os principais pontos da entrevista exclusiva ao Pensando Direito:
Sua pesquisa indica que a desigualdade econômica levam as pessoas a se sobrestimarem. O que isso quer dizer?
Nosso trabalho analisa as crenças distorcidas que as pessoas têm sobre si mesmas. Especificamente, as distorções positivas. Nós todos gostamos de pensar que somos pessoas boas, e a maioria das pessoas acha que são melhores que as outras, que são mais inteligentes, mais engraçadas, mais esforçadas, e mesmo mais modestas. Os psicólogos chamam isso de viés de autovalorização (self-enhancement bias). É uma espécie de narcisismo e tem sido estudado há décadas. Nossa contribuição é na explicação dos diferentes níveis de autovalorização entre pessoas de diferentes países. Por que as pessoas na Venezuela têm uma tendência de autovalorização maior do que as pessoas no Japão? Ou os americanos mais do que os alemães?
Descobrimos que esse viés está correlacionado ao nível de desigualdade de renda na sociedade. Em sociedades marcadas por grande desigualdade na distribuição da renda, as pessoas são particularmente propensas a se acharem melhores que as outras.
Nossa pesquisa até o momento focou na correlação entre as duas coisas e não nas causas, que é o próximo passo. Mas nossa hipótese é que a concorrência entre as pessoas desempenha um papel muito importante. Em uma sociedade desigual, onde as pessoas no topo detêm toda a riqueza ​​e as demais lutam pela sobrevivência, todos querem estar no topo porque é a única forma de sobreviverem. A competição aumenta a autovalorização. Para competirem, as pessoas precisam crer que são realmente melhores, o que serve como motivação e para reduzir a ansiedade. Algo como ‘eu sei que sou melhor’. Por estarem mais motivadas e menos ansiosas, elas de fato se dão bem em sociedades desiguais, e acabam sendo recompensadas por seu viés de autovalorização.
Quais são as consequências sociais de sociedades com grandes desigualdades econômicas?
No maravilhoso livro The Spirit Level, Wilkinson e Pickett mostram que os habitantes de sociedades desiguais são menos saudáveis física e mentalmente, mais desconfiados, mais violentos, e mais propensos a usarem drogas. Nosso trabalho ajuda a explicar alguns destes fatos. Por exemplo, por que são mais violentos e desconfiados.
Essas pessoas pensam que são melhores que as outras e por isso merecem o que as outras têm, o que as tornam mais violentas. Ao mesmo tempo, acham que as outras querem o que elas têm, o que as tornam mais desconfiadas.
As pessoas no topo dessas sociedades são ainda mais propensas a sofrerem dessas tendências e acham que de fato merecem estar acima das demais. Essa distorção na autovaloração acaba perpetuando o sistema que prejudica a todos.
Você vê uma saída para esse círculo vicioso em países em desenvolvimento onde essas distorções estão arraigadas na história e na cultura?
A desigualdade econômica tem dois pilares: a distribuição da renda e a mobilidade social. As economias emergentes têm históricos negativos em ambos, e normalmente ligado às questões de raça e gênero. Se as políticas econômicas resolverem um pilar (por exemplo, redistribuição de renda), mas não o outro (a mobilidade social continuar baixa), não se quebra o ciclo vicioso.
Se países como Brasil, Índia, Rússia e China querem se desenvolver economicamente e corrigir a desigualdade social, precisam abordar tanto a distribuição de renda quanto a mobilidade social. E isso significa que as elites terão de abrir mão de recursos e prestígio, o que é algo difícil de aceitarem.
As elites são super-representadas nos órgãos legislativos, responsáveis ​​por formularem políticas públicas necessárias para resolverem a desigualdade social. Mas se essa mesma elite se acha melhor do que de fato é, como a sociedade pode se tornar mais igual?
As pessoas tendem a pensar que são melhores que outros em características positivas. Isso pode gerar dois sentimentos antagônicos:
Ou posturas paternalistas e de desprezo em relação às outras classes – inferiores – o que gera indiferença em relação ao sofrimento alheio e uma falta de vontade de investir na melhoria da condição de quem está abaixo; ou um sentimento de responsabilidade: percebem que têm a capacidade e recursos para melhorar a vida de quem está abaixo.
Embora ambas realcem a distinção entre as elites e as demais pessoas, no primeiro caso se sobressaltam a indiferença e o desprezo; enquanto no segundo, a compaixão e a generosidade. Então eu acho que depende de como as elites encaram seu papel como governantes e facilitadores.
A Europa Oriental apresenta um exemplo interessante. Após a queda do muro, alguns países se tornaram economias desenvolvidas e vibrantes, com democracias abertas, enquanto outros perpetuaram os mesmos partidos no poder (às vezes os mesmos indivíduos). É claramente possível abrir sistemas políticos antes fechados. Mas enquanto a maioria das pessoas continuar excluída da educação por motivos políticos ou financeiros, ou a qualidade da educação continuar baixa, o sistema favorecerá quem pode estudar fora e as principais funções no serviço público irão para esses filhos da elite.
 
Fonte: direito.folha.uol.com.br
 

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