BUSCA PESSOAL NO PROCESSO PENAL
(Interpretação jurisprudencial)
Flávio Milhomem[1]
A busca e apreensão, regulamentada nos arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal, é medida cautelar instrumental prevista no título “Da Prova” do referido diploma legal.
A doutrina chama a atenção para a dupla natureza de tal instituto, já que a busca, propriamente dita, é meio de obtenção da prova, que visa a encontrar pessoas ou coisas; enquanto a apreensão é medida cautelar probatória destinada à preservação (garantia) da prova.
A busca será domiciliar ou pessoal, quando fundamentada em razões que a autorizem a prender criminosos; apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; apreender pessoas vítimas de crimes; ou colher qualquer elemento de convicção.
No que nos interessa especificamente, no presente artigo, a busca pessoal, esta pode ser feita quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida (ou sem o porte), ou ainda, coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; instrumentos de falsificação, munições; bem como para descobrir objetos necessários à prova de infração ou colher qualquer outro elemento de convicção.
O fato é que a busca pessoal também vai legitimar a busca em automóveis, não havendo qualquer necessidade de ordem judicial (CPP, art. 244); e, neste sentido, em decisão proferida em outubro de 2016, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 117767, em que a defesa de P.R.S. questionava a licitude de uma prova obtida por policiais civis no curso da investigação que apurou a atuação de um cartel no mercado de gás de cozinha no Distrito Federal, em abril de 2010. P.S. foi denunciado por crime contra a economia popular.
A prova tida como ilícita pela defesa foi uma agenda apreendida no veículo do investigado horas depois de realizada busca e apreensão, autorizada judicialmente, em sua casa. Como suas ligações telefônicas estavam sendo monitoradas, as autoridades policiais tiveram notícia de que a agenda contendo anotações, tabelas, notas fiscais e outros documentos que poderiam elucidar o crime, e inclusive levar à sua prisão, não tinha sido levada, pois estava em seu carro. Os policiais retornaram então ao local e apreenderam a agenda no interior do veículo.
No recurso ao Supremo, sua defesa reforçou o argumento – rejeitado em primeiro grau, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – de que seria necessária uma segunda autorização judicial, já que o primeiro mandado de busca e apreensão já havia sido cumprido. Para a defesa, a busca no veículo não seria equivalente à busca pessoal, na medida em que o veículo estava trancado e sem motorista, circunstância que exigiria nova autorização judicial para a busca ser realizada.
Para o ministro relator do Recurso em Habeas Corpus, ministro Teori Zavascki, as medidas cautelares não prescindem de agilidade, mas também não podem se distanciar, a toda evidência, das necessárias autorizações legais e judiciais. No particular, as circunstâncias concretas da busca empreendida no automóvel do recorrente permitem concluir pela validade da medida, já que no dia em que realizadas as diligências de busca domiciliar, eram obtidas informações, via interceptação telefônica e não contestadas, de que provas relevantes à elucidação dos fatos eram ocultadas no interior do veículo do recorrente, estacionado, no exato momento da apreensão, em logradouro público”, afirmou o relator.
O ministro Teori Zavascki explicou que a busca pessoal consiste na inspeção do corpo e das vestes de alguém para apreensão de elementos de convicção ocultados, incluindo-se objetos, bolsas, malas, pastas e veículos (automóveis, motocicletas, embarcações, avião etc.) compreendidos na esfera de custódia da pessoa; ocorrendo, como única exceção, a necessidade de mandado judicial quando o veículo é destinado à habitação do indivíduo, no caso de trailers, cabines de caminhão, barcos, entre outros, quando se inserem no conceito jurídico de domicílio.
Encontrando-se a busca em constante tensão com as garantias fundamentais, previstas na Constituição Federal, da inviolabilidade do domicílio, da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da vida privada, da incolumidade física e moral do indivíduo; sua utilização deve sempre importar na ponderação a partir da identificação de sua necessidade, adequação e proporcionalidade, de modo que seja sempre uma medida excepcional e condicionada às circunstâncias do caso concreto.
[1] O autor é Mestre em Ciências Jurídico Criminais, Professor de Direito Penal e Processo Penal e Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT
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Flávio Milhomem – Mestre em Ciências Jurídico-Penais, Doutorando em Direito e Políticas Públicas, Docente nas disciplinas de Direito Penal e Processo Penal desde 1997, Docente titular do curso de Direito (bacharelado) e da pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Brasília/DF, professor de cursos preparatórios para concursos, Promotor de Justiça Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios desde 1.997.
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