Regressiva OAB 100 dias (Dica 86) – Direito Constitucional: Professor André Alencar

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dicaPoder Constituinte Derivado e as Limitações Materiais Implícitas

Quando estudamos teoria da Constituição um dos temas de destaque é sem dúvida o Poder Constituinte, este é “o Poder”! O Poder Constituinte é um poder essencialmente político em sua atuação originária e essencialmente jurídico em sua atuação derivada. Várias questões nos deixam intrigados quando estudamos esse Poder, pelos deixam a mim! Uma das questões de maior interesse diz respeito aos limites ao poder de reforma do texto constitucional. É claro que a Constituição não pode ser alterada pelo mesmo processo que se fazem as leis ou ela não seria “Constituição”, seria uma lei comum. Quais são os limites? Estão todos expressos?
O Poder Constituinte que faz as alterações ou Emendas Constitucionais é chamado Poder Constituinte Derivado Reformador. Tal poder sofre ou pode sofrer vários tipos de limitações fixadas expressamente pelo Poder Constituinte Originário – entre as mais famosas limitações estão os limites procedimentais ou formais, os limites circunstanciais e os limites materiais. Porém, a doutrina menciona outros tipos de limitações não expressamente previstas no texto. Tais limitações são conhecidas como limitações implícitas e destas que vamos cuidar hoje.
As limitações implícitas limitam o poder constituinte derivado, mas não estão expressamente previstas na Constituição, ou seja, são matérias que se entende limitativas à atividade do Poder Reformador mesmo que não estejam assim descritas no texto da Constituição.
Uadi Lammêgo Bulos[i] (2007, p.303) aduz que as cláusulas pétreas são insuperáveis porque:
alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover uma fraude à constituição (a verfassungsbeseitigung, dos alemães).
As limitações implícitas decorrem da lógica e de uma interpretação finalística dos limites impostos pelo Poder Constituinte Originário ao Derivado. A doutrina procura esclarecer que alguns limites são inerentes ao sistema, são decorrentes da própria racionalidade do conjunto. Vejamos as principais limitações implícitas mencionadas na doutrina e tentaremos entender o porquê de sua existência.

A)    Titularidade do poder constituinte originário

Segundo a Constituição, todo o poder emana do povo. O povo é o titular do Poder Constituinte e, logicamente, não seria admissível que uma Emenda constitucional transferisse a outra instituição, como Presidente da República, por exemplo, o poder que pertence ao povo.
Na verdade, basta partir da ideia básica que não é dado ao Poder Derivado alterar o que não é seu. Veja bem, não é razoável admitir que a criatura (Poder Derivado) venha a alterar o seu próprio criador (Poder Originário).
Portanto, não seria aceitável que uma emenda constitucional viesse a alterar a redação do artigo 1º parágrafo único para dispor, por exemplo, que “todo o poder emana dos representantes do povo”…

B)     Agente do poder constituinte derivado de emenda ou revisão

Tanto o art. 60 da CF que trata das Emendas Constitucionais quanto o art. 3º do ADCT que trata do processo especial de Revisão estabelecem, como vontade originária, que as emendas ou revisões sejam feitas pelo Congresso Nacional. Portanto se o Poder Originário deu ao Congresso Nacional a condição de agente do poder derivado de reforma, não se admite que o Poder Derivado modifique qualquer desses artigos para transferir tal competência, por exemplo, ao Supremo Tribunal Federal.
Portanto, seria inaceitável que uma emenda constitucional viesse a alterar a redação, por exemplo, do artigo 60 § 2º para estabelecer que “as emendas serão aprovadas pelo Conselho da República pelo quórum de 3/5 de seus membros”…

C)     Procedimento de modificação da Constituição

Com pequena diferença em relação ao tema anterior, aqui também temos um limite implícito e bastante cobrado em provas.
Os artigos 3º do ADCT e 60 da CF são cláusulas “autorreferentes”, ou seja, são cláusulas criadas pelo Poder Originário justamente para regular a atividade do Poder Derivado Reformador, são cláusulas que se referem ao Poder Reformador, portanto, indisponíveis para este. Tais artigos não podem ser modificados por meio de emenda constitucional. Há uma imutabilidade quanto a substância ou essência desses dispositivos.
Se fosse dado ao Poder Derivado alterar as cláusulas que fixam limites a ele próprio, tal poder não seria mais limitado, poderia se desprender das amarras fixadas e assim se tornaria um poder ilimitado, como o Originário.
O Poder Constituinte derivado é limitado, isto é, não pode modificar ou estabelecer os seus próprios limites (limite implícito) e deve respeitar os limites expressos fixados.
Gilmar Mendes e Outros[ii] (2007, p. 208) estabelecem que:
As cláusulas pétreas, portanto, além de asseguraram a imutabilidade[1] de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essência inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pétrea já é enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela.
Seria exemplo de tentativa inconstitucional se uma proposta de emenda visasse a redução do quórum de 3/5 previsto pela CF para a produção de uma Emenda Constitucional.
Também se entende que a mudança para dificultar o processo de aprovação da emenda seria inconstitucional já que traria maior rigidez do que a dada pelo Poder Constituinte originário, o que poderia trazer instabilidade. Lembre-se que maior rigidez não necessariamente é uma vantagem, a excessiva rigidez pode dar causa à revolução, ou seja, troca da constituição por outra.
Por regra, deve-se ter em mente que o Poder Derivado não pode modificar as regras, as “amarras” estabelecidas para ele próprio. Ou seja, as limitações expressas constituem também limitações implícitas. Estaria correto dizer que os artigos 60 e 3º do ADCT seriam verdadeiramente imodificáveis por meio da atividade do poder constituinte derivado.
É justamente nesse ponto que os examinadores adoram fazer “peguinhas”, sempre se traz uma estorinha do tipo: “sabendo que o processo de reforma da constituição demanda um quórum muito elevado, um grupo de parlamentares apresenta uma proposta de emenda que procura diminuir o quórum para maioria absoluta, assim as demais emendas seriam aprovadas com o novo quórum…” Logo em seguida vem a pergunta: “É certo que não há limites expressos ou implícitos a emenda citada”. Você vai marcar FALSO! Há limites implícitos. É mais que lógico que se o Poder Derivado pudesse alterar seus limites não haveria razão para estabelecerem-se limites a ele.

D)    República e presidencialismo

Sem dúvida, a República não mais consta como limitação expressa. Não mais, embora sempre estivesse presente no rol de cláusulas pétreas brasileiras desde 1891[2]. No entanto, a maior parte da doutrina entende que o princípio republicano – e pelo mesmo motivo o presidencialismo – estaria a salvo das emendas constitucionais já que houve a expressa manifestação popular no sentido de manter-se a forma republicana de governo (e o sistema presidencialista) no plebiscito de 1993.
Guilherme Peña[iii] (2006, p. 36) entende que:
No que contorna à imodificabilidade da forma e sistema de governo, o acolhimento dos princípios republicanos e presidencialista, no plebiscito de 21 de abril de 1993, impede a adoção dos princípios monárquico e parlamentarista por intermédio de reforma constitucional, porquanto teria havido a transferência, pelo constituinte originário, em favor do povo, da decisão soberana sobre o assunto, não sendo permitido ao constituinte derivado reformador dispor sobre matéria reservada ao eleitorado.”
Particularmente entendo que seria possível outra consulta direta ao povo para que pudesse tratar do tema, principalmente após o interstício de prazo razoável. Guilherme Peña cita ainda que a tese da imodificabilidade tende a ser acolhida pelo STF já que a Revisão estaria vinculada a modificar o que o plebiscito modificasse, se o plebiscito alterasse a forma de governo para monárquico, então a Revisão deveria adequar a Constituição para tal forma. Como o plebiscito não alterou, restou um silêncio sobre a possível alteração, mas que para nós constitui-se em limitação implícita.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é tendente a considerar a forma republicana como cláusula pétrea[3]:
a revisão constitucional, prevista no art. 3º do ADCT é sujeita aos limites, consignados no art. 60, § 4º da CRFB, bem assim aos resultados do plebiscito de 21 de abril de 1993. Em consequência, por força dos resultados do plebiscito, a que se refere o art. 2º do mesmo ADCT, os princípios republicano e presidencialista tornaram-se definitivos na caracterização da forma e sistema de governo do Estado federal brasileiro.

E)     Teoria da dupla revisão[4]

Nosso último limite, talvez o mais interessante deles. A tese da dupla revisão procura entender que os limites expressos não são limites implícitos (contrariando a maioria da doutrina), ao invés de entendê-los como limites implícitos procura enxergá-los como matérias dotadas de maior rigidez. Sendo assim, os adeptos da “dupla revisão” admitiram que qualquer tema da constituição pode ser alterado ou revogado, inclusive os direitos fundamentais, desde que por duas emendas constitucionais. Por exemplo, uma emenda revoga a cláusula pétrea expressa “direitos e garantias individuais” (artigo 60 § 4º, IV). Depois dessa primeira emenda e agora tendo em vista que a proteção expressa não mais subsiste, poderia vir outra emenda alterando, por exemplo, o rol de penas proibidas (artigo 5º XLVII) para fixar que a pena morte também seria cabível nas hipóteses de crimes hediondos.
A pergunta é: Seria possível alterar a constituição para retirar um limite expresso e, posteriormente alterar novamente para atingir tema que estava antes protegido expressamente?
Entende Manoel Gonçalves Ferreira Filho[iv] (2005, p. 173 e ss)[5] que seria possível uma emenda constitucional revogar uma das proteções estabelecidas nas cláusulas pétreas. Isto é, uma emenda revogaria algum dos incisos do artigo 60, § 4º (cláusula pétrea) e depois outra emenda estaria apta a abolir uma matéria que antes era protegida e agora não é mais.
Seriam necessárias duas emendas constitucionais, uma para alterar a limitação expressa (cláusula pétrea) e outra para alterar os preceitos que estavam protegidos pela cláusula pétrea.
Essa teoria da dupla revisão não é admitida, porque esbarrara justamente na limitação implícita de se alterar o artigo 60 – princípio da inalterabilidade das cláusulas autorreferentes.
 
Como eu disse no início, temas intrigantes, não?
Bons estudos e até a próxima!
 
[1] Aqui, deve-se entender imutabilidade no que se refere à essência da matéria, conforme já foi explanado em tópicos precedentes.
[2] Manoel Gonçalves (2005, p. 138) lembra que “a proibição foi suprimida para que se pudesse prever, nas Disposições Transitórias, um plebiscito entre sistema parlamentar de governo e sistema presidencial. O parlamentarismo constara do projeto, mas fora derrubado por emenda que mantivera o presidencialismo, para grande decepção de seus combativos partidários. Ora na Constituinte havia um pequeno grupo monarquista, o qual, também muito combativo, havia apresentado uma proposta, a ser inserida nas Disposições Transitórias, prevendo um plebiscito entre monarquia e república. Isto levou a uma união de forças entre parlamentaristas e monarquistas, que redundou no art. 2º do ADCT, ou seja, no plebiscito, em que se propunha, por um lado, a escolha entre república e monarquia constitucional e, por outro, entre parlamentarismo e presidencialismo.”
[3] STF, ADIn nº 981, Rel. Min. Néri da Silveira, J 17.12.1993, RDA 198/237.
[4] Também pode ser conhecida como teoria do duplo grau de reforma ou técnica do duplo processo.
[5] Apoiado em Duguit, Burdeau, Vedel e Jorge Miranda (2005, p. 173 e ss.). Fundamentam-se na ideia de que seria errado recorrerse à revolução para alterar alguma matéria ao invés de utilizar o próprio direito para fazê-lo. Também no paradoxo democrático de que uma representação popular não pode limitar a representação popular posterior porque ambas gozariam da mesma legitimidade. Gilmar Mendes e Outros (2007, p. 206/207) entendem que o Originário pode sim estabelecer tais limitações e desconstroem algumas das críticas de Manoel Gonçalves.
[i] BULOS, Uadi L. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
[ii] MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. São Paulo, 2007.
[iii] MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional: Teoria da Constituição. 3ª edição, revista, ampliada e atualizada. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2006.
[iv] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. Ed. Saraiva. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo, 2005.

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André Alencar – Bacharel em direito, especialista em direito público, professor de Direito Constitucional em preparatórios para concursos desde 2000, ex-servidor do STF, advogado atuante pela OAB-DF, Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (assessor de plenário), autor de livros e artigos jurídicos.
 
 
 

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