Por Fabrício Motta e Luciano Ferraz
Olhar para o passado já é por si só tormentoso; viver novamente angústias e sofrimentos, lembrar bons momentos… é como assistir a um filme já conhecido: mesma paisagem, mesmo enredo, mesmos atores. Mas retornar ao filme possibilita também assisti-lo sob outro enfoque — apertar o pause. Em se tratando do ano de 2016, entretanto, talvez a maioria das pessoas prefira apertar o fast foward.
Um ano árido. Crise política, econômica e financeira. Choques institucionais, demarcação de espaços e troca de farpas entre os poderes da República somaram-se aos predicados da afoiteza e, porque não dizer, da vaidade. Vamos ver em quais cinemas este filme vai chegar. Restringindo o debate ao campo do Direito Administrativo e da Administração Pública, convém apresentar neste espaço a retrospectiva do ano de 2016.
Nas inovações legislativas, a polêmica inicial adveio da Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética (popularmente conhecida como “pílula do câncer”) por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. Na liminar concedida pelo STF para suspender a eficácia da lei (ADI 5.501), o ministro Marco Aurélio identificou ofensa ao postulado da separação de Poderes, uma vez que não caberia ao Legislativo viabilizar a distribuição de qualquer medicamento, mas sim, à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O ministro salientou que a aprovação do produto pela Agência reguladora é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais.
A Lei 13.286/2016 consagrou o entendimento jurisprudencial já dominante no sentido de que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”.
A Lei 13.300/2016, com alguns anos de letargia, finalmente regulamentou o mandado de injunção, estabelecendo regras próprias para por fim à utilização analógica da lei do mandado de segurança ao remédio constitucional contra a omissão normativa.
Na esteira dos escândalos da operação “lava jato” na Petrobras, restou editada a Lei 13.303/2016, dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A lei suscita e ainda suscitará controvérsias, notadamente às regras de direito intertemporal e às regras de governança corporativa e licitações e contratos.
A MP 727/2016, posteriormente convertida na Lei 13.334/2016, criou o Programa de Parcerias de Investimentos — PPI, com o objetivo confessado de criar políticas e regras estáveis para as obras e programas de infraestrutura no país. A despeito dos bons propósitos da inovação legislativa, os efeitos concretos de sua aplicação — relativos aos reforços da capacidade institucional do Estado no planejamento, execução e controle de parcerias – ainda não podem ser avaliados.
A Constituição Federal não passou incólume às revisões normativas: a EC 94, de 15 de dezembro de 2016, estabeleceu mudanças no regime dos precatórios, criando um novo regime especial para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, em 25 de março de 2015, estivessem em mora com o pagamento de seus precatórios, impondo o dever de quitação até 31 de dezembro de 2020 dos débitos vencidos e dos que vencerão dentro desse período; e a polêmica reforma fiscal do Governo Temer foi efetivada pela EC 95/2016, impondo novas e fortes restrições para as despesas primárias dos entes públicos pelo prazo de vinte anos; o descumprimento dos limites, impõe restrições, ficando vedada a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de agentes públicos, a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios e a realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias referidas.
No âmbito da jurisprudência, para além das muitas polêmicas com reflexo direto na independência e harmonia dos poderes, o Supremo Tribunal Federal apreciou questões importantes, com destaque para as que desfiaram o expediente da repercussão geral, a saber:
- O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo (RE 729.744).
- Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores (RE 848.826).
- Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (ARE 878911).
- É vedada a cumulação tríplice de vencimentos e/ou proventos, ainda que a investidura nos cargos públicos tenha ocorrido anteriormente à EC 20/1998 (ARE 848.993).
- Não é condição para o cabimento (embora seja para a procedência) da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe (ARE 824.781).
- Editais de concurso público não podem estabelecer restrições a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais (RE 898.450).
- É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (RE 669.069).
Dentre as últimas teses julgadas (algumas ainda não publicadas), merece destaque a decisão que discutiu a legitimidade do desconto dos dias parados por greve do servidor público[1] e a exclusão dos ocupantes de cargos comissionados da incidência da aposentadoria compulsória.[2] De igual modo, a orientação acerca da expropriação (confisco) constante do artigo 243 da Constituição relativa a glebas utilizadas para o cultivo de plantas psicotrópicas, admitindo-se que o proprietário, comprovando a ausência de culpa, afaste a medida radical.[3]
Pendentes de julgamento encontram-se a avaliação da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos decorrente de suposto ato de improbidade administrativa (RE 852.475 RG/SP, rel. ministro Teori Zavascki, julgamento em 20-5-2016, acórdão publicado no DJE de 27 de maio de 2016) e da prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, quando fundada em decisão de Tribunal de Contas (RE 636.886 RG, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 02-06-2016, acórdão publicado no DJE em 14-06-2016).
Questões importantes estarão em pauta no novo ano de 2017, e 2016 precisa acabar. Viver é aprendizado. E o saudoso Ferreira Gullar, com genialidade e melancolia, disse-o:
Aprendizado
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta
[2] (Tese proposta pelo relator do RE 786540: “1 – Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no artigo 40, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição Federal, a qual atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento efetivo, inexistindo também qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo em comissão. 2 – Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há óbice constitucional a que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado para cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a Administração”)
[3] (RE 635336 a seguinte tese aprovada: “A expropriação prevista no artigo 243, da Constituição Federal, pode ser afastada desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in elegendo”)
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