A justiça interrompida: O quanto as mulheres têm suas falas silenciadas no Judiciário

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Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Onlinefalas silenciadas
A regra básica de um debate é não interromper o adversário. Mas se você é uma mulher, esta regra é comumente desrespeitada em diversas esferas da sociedade. O que é mais uma face do machismo e tem até nome — os chamados manterrupting ou mansplaining — também chega até a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia e às mulheres que trabalham no Judiciário do Brasil e do mundo.

Em uma sessão na última quarta-feira, dia 10 de maio, a ministra voltou a trazer a questão de gênero à tona — e marcar as diferenças entre homens e mulheres. “Não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”, disse após “dar uma bronca” no ministro Luiz Fux, por ter interrompido uma fala da ministra Rosa Weber.
Mulheres são interrompidas, em média, três vezes mais do que os homens. O dado é de uma pesquisa feita por Tonja Jacobi e Dylan Schweers, da Escola de Direito Northwestern Pritzker School of Law, de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, que descobriu o efeito do gênero, do posicionamento político e da idade nos debates dentro da Suprema Corte americana. O estudo foi divulgado em março deste ano.
A interrupção sistemática de mulheres feita por homens, ou apartes na fala das ministras para explicar aquilo que não precisa ser explicado ou o que já seria falado por elas, não é de hoje e, segundo a pesquisa, acontece mesmo quando as mulheres alcançam a mais poderosa posição de sua carreira.
E elas não são interrompidas só por seus colegas de tribunal, não. Por advogados também. Apesar de, segundo a regra, eles serem proibidos de cortar a fala de um juiz, que tem o poder de repreendê-lo imediatamente caso isso aconteça.
Não à toa, Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, citou a pesquisa em questão em sua fala na última quarta-feira (10):

“Foi feita agora uma pesquisa, já dei ciência à ministra Rosa, em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros… E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas” – Cármen Lúcia em sessão no STF.

Para chegar a este resultado, foram analisadas discussões da Suprema Corte norte-americana de 1990, 2002 e 2015, com a intenção de descobrir qual foi a evolução histórica desse comportamento. Casos de quatro ministras que chegaram à Suprema Corte norte-americana até o momento foram analisados pelos pesquisadores. São elas: a ex-ministra Sandra Day O’Connor, a ministra Ruth Ginsburg, e ministra Sonia Sotomayor e a ministra Elena Kagan.
Os pesquisadores dizem que:

“Usando uma variedade de técnicas, nós constatamos que, apesar de as ministras falarem menos e usarem menos palavras do que os ministros, elas são interrompidas durante a fase de sustentação oral de forma significativamente maior. Homens interrompem mais do que mulheres e eles interrompem particularmente mulheres mais do que interrompem os homens”

Foi descoberto que interrupções frequentes têm menos a ver com questões de posicionamento político ou de idade. Mas sim, com gênero. A pesquisa determina que o gênero é “aproximadamente 30 vezes mais influente do que a idade” quando se trata de interrupções. De acordo com o estudo, conforme mais mulheres na Corte, maior o hábito de interrupção.
O estudo traz dados específicos de cada período analisado. Em 2015, por exemplo, 65,9% de todas as interrupções prejudicaram as três ministras citadas acima. Em 2002, 45,3% prejudicaram as duas ministras da época. Em 1990, 35,7% das interrupções foram dirigidas a Sandra O’Connor, a única ministra à época.
Em 2015, o estudo aponta que as ministras interromperam os colegas apenas 15% das vezes, enquanto os homens as interromperam 85% das vezes.
Sonia Sotomayor foi interrompida 15 vezes por Anthony Kennedy, 14 vezes por Samuel Alito e 12 vezes por John Robert. Elena Kagan foi interrompida por John Roberts, Samuel Alito e Anthony Kennedy 10 vezes ou mais cada um. Ruth Ginsburg foi interrompida por Kennedy 11 vezes.
Apenas dois ministros foram interrompidos pelos colegas mais de 10 vezes, apesar de haver o dobro de homens do que mulheres na corte. No ano em questão, a Suprema Corte era composta por seis homens e três mulheres. As mulheres interromperam os homens apenas sete vezes, em 2015.
O estudo de Jacobi e Schweers ainda mostra que, quanto à ideologia, os liberais são mais interrompidos pelos conservadores do que ao contrário. Nesse ponto, a idade dos membros tem um papel significativo: juízes mais velhos e conservadores têm muito mais chance de interromper juízas mais jovens e liberais.
Diante deste cenário, com o tempo, o estudo mostra ainda que as ministras encontraram um jeito de diminuir as chances de uma interrupção. Elas mudaram seu jeito se posicionar, evitando expressões que poderiam colocá-las, de certa forma, em um lugar de vulnerabilidade como “gostaria de perguntar”, ao introduzir uma fala.
De acordo com o estudo, as ministras Elena Kagan e Sonia Sotomayor são as mais interrompidas, não só porque são mulheres e mais jovens, mas também porque se expressam de uma maneira mais cortês. Elas costumam usar, no início de suas colocações, frases que precedem uma fala educada e respeitosa como “posso lhe perguntar?” ou “se me permitem observar…”.
Já a ministra Ruth Ginsburg, segundo dados coletados na pesquisa, é a menos interrompida das três atuais ministras. A explicação é que, por ser a mais experiente do grupo, diversas vezes ela faz intervenções mais agressivas, não dando espaço para que interrupções aconteçam.
Para os autores do estudo, todo o cenário descoberto na pesquisa sugere que, em vez de se acostumarem a compartilhar o trabalho com mulheres, homens podem ter se tornado mais hostis à presença delas em ambientes que, tradicionalmente, são feitos e ocupados por eles. Além de silenciar as mulheres, o estudo diz que esse comportamento contribui para o fortalecimento de alianças conservadoras, já que decisões novas e sob a influência das mulheres não aparecem como deveriam.
“Isso é consistente com a literatura da ciência social, que ensina que as elites tradicionais, tais como a dos legisladores, se sentem ameaçadas pela entrada de membros não tradicionais em seu domínio e agem mais agressivamente contra as supostas intrusas, em uma tentativa de proteger seus privilégios”, diz o estudo.
Ou seja: não há espaço para ser cortês no Judiciário.

 
Fonte: huffpostbrasil.com 

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