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Oito em cada dez leis julgadas no mérito pelo Supremo Tribunal Federal ao longo de 2017 foram consideradas inconstitucionais no todo ou em parte. A forma de editar uma lei, mais do que o seu conteúdo, está entre os principais erros cometidos. Violação ao princípio da separação de poderes, invasão de competência e vício de iniciativa levaram 28 ações de inconstitucionalidade a serem consideradas procedentes pela corte. Já o tema da lei propriamente dito levou à declaração de inconstitucionalidade em 25 ações.
Levantamento feito pelo Anuário da Justiça mostra ainda que 69 leis foram questionadas em 69 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) julgadas em 2017 pela Suprema Corte. Há ADIs que questionam mais de uma norma e há normas que são discutidas em mais de uma ação. Entre as normas discutidas, contam-se as constituições de 12 estados, 46 leis, dois acórdãos (da Justiça do Paraná e do Acre), quatro decretos e duas emendas constitucionais. Em fevereiro de 2018, de acordo com dados do STF, havia 2.040 ADIs em tramitação na corte.
O grande campeão de inconstitucionalidade foi um tema: o dispositivo de 12 constituições estaduais que previa que para o governador do estado ser processado criminalmente o Judiciário precisaria da autorização da Assembleia Legislativa. Em todos os casos o dispositivo foi considerado inconstitucional. Ou seja, o Judiciário não precisa pedir licença ao Legislativo para processar o governador, ao contrário do que previa a Constituição desses estados.
Outro tema campeão foi a regulamentação do uso do amianto por leis estaduais. Foram sete ações contra a União e quatro estados; o Supremo confirmou que, apesar de lei federal autorizar a utilização do material, leis estaduais podem, sim, proibir a comercialização do amianto em seu território.
O estado do Rio de Janeiro liderou o ranking de inconstitucionalidade em 2017, com oito leis e um decreto retirados do ordenamento jurídico por decisão do Supremo. A União aparece em segundo lugar, com cinco leis incompatíveis com a Constituição Federal. Foram questionadas durante o ano leis de 21 estados e de um município, além de leis federais (veja o quadro ao lado). Nas ADIs contra leis fluminenses consideradas procedentes, o STF definiu que:
1) Lei estadual não pode impor a prestação de serviço de segurança em estacionamento oferecido por pessoa física ou por empresas (Lei 1.748/1990) – ADI 451, proposta em 6/3/1991;
2) Lei estadual não pode fixar regras para informações em embalagens em rótulo de alimentos comercializados no estado (Lei 1.939/1991) – ADI 750, proposta em 23/6/1992;
3) Viola o princípio da livre iniciativa lei que obriga supermercado a prestar serviço de empacotamento (Lei 2.130/1993) – ADI 907, proposta em 20/7/1993;
4) Lei não pode estabelecer novos limites territoriais de municípios do estado sem ser precedida por consulta plebiscitária às populações dos municípios envolvidos (Lei 3.196/1999) – ADI 2.921;
5) Ato normativo não pode destinar o produto de arrecadação de custas judicias e emolumentos a entidades de assistência do Judiciário e do Ministério Público (Leis 290/1979, 489/1979, 590/1982, 3.761/2002 e Decreto-lei 122/1969) – ADI 3.111.
Nas ações contra leis federais, o STF definiu que:
1) A imunidade tributária ao terceiro setor deve ser concedida por meio de Lei Complementar, e não por lei ordinária (Lei 9.732/1998, que alterou a Lei 8.212/1991) – ADIs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621;
2) A regularização de terras ocupadas por quilombolas ou comunidades tradicionais não pode ser feita em nome de terceiros (Lei 11.952/2009) – ADI 4.269;
3) Publicidade contratada por agência estrangeira não pode ser proibida em canais de TV por assinatura (Lei 12.485/2011) – ADIs 4.679, 4.923, 4.747 e 4.756;
4) Medidas cautelares impostas pela Justiça a parlamentares, caso impeçam o exercício do mandato, devem ser submetidas ao Legislativo (artigos 312 e 319 do Código de Processo Penal) – ADI 5.526;
5) Leis estaduais podem proibir a comercialização de amianto no país (Lei 9.055/1995) – ADI 4.066.
Foram propostas 15 ações contra dispositivos de Constituições estaduais que estabeleciam a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para a instauração de processo penal contra governador. Algumas tramitavam desde 1990, mas o primeiro caso analisado (ADI 5.540) chegou em 2016 à corte e discutia o caso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Por maioria, o STF concluiu que não: a abertura de ação penal contra governador não depende do aval do Legislativo. Essa decisão cabe à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, inclusive sobre a aplicação de medidas cautelares e sobre o afastamento do cargo. Os ministros estabeleceram ainda que o chefe do Executivo não deve ser automaticamente afastado após a abertura do processo.
Neste julgamento, que aconteceu em maio de 2017, os ministros definiram também que a decisão poderia ser aplicada monocraticamente em todos os casos em tramitação. E definiram a tese:
“Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo”.
Em dezembro de 2017, a Corte Especial do STJ decidiu aceitar a denúncia contra o governador Fernando Pimentel, mas não viu motivos para afastá-lo do cargo.
O uso do amianto no país também foi debatido pelo Plenário da corte em 2017. A discussão girava em torno da lei federal que autoriza o uso da fibra mineral (Lei 9.055/1995) e de leis estaduais que proíbem o uso em seu território.
O amianto é uma fibra extraída de rochas, usado para fabricar telhas e caixas d’água. É amplamente usado no país por ter preço acessível e ser abundante na natureza. A proibição em alguns estados, entretanto, decorre das consequências na saúde de quem trabalha diariamente com o mineral, que pode ser cancerígeno.
A conclusão final do Plenário do STF, por maioria, foi de que as leis estaduais podem continuar em vigor e proibir o uso dessa matéria-prima em seus territórios. Durante o julgamento, em agosto de 2017, os ministros pretendiam declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da lei federal, que permite o uso do amianto, e tinham maioria de votos nesse sentido. Entretanto, não conseguiram alcançar dois terços dos votos do Plenário para fazer a declaração de inconstitucionalidade.
Para resolver o impasse, o Supremo Tribunal Federal acabou por criar uma nova forma de controle de constitucionalidade de leis: a declaração incidental de inconstitucionalidade com efeito vinculante. Ao julgar constitucionais as leis estaduais que proíbem o minério em todas as suas formas, a corte declarou inconstitucional a lei federal que permite um tipo de amianto.
O autor da novidade, o ministro Dias Toffoli, explicou que a lei federal passou por um “processo de inconstitucionalização” por causa de um “consenso científico” de que o amianto causa câncer. No voto, explicou que o fenômeno é chamado de “inconstitucionalidade progressiva”. “Ele pode ocorrer de duas formas: em razão de mudança no parâmetro de controle, decorrente de alteração formal do texto constitucional ou do sentido da norma constitucional (no último caso, tem-se a chamada mutação constitucional); ou por força de alterações nas relações fáticas subjacentes à norma jurídica.” Por isso, explicou, “a interpretação das normas jurídicas sempre é um processo de articulação entre texto e realidade fática”.
Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, para quem, por definição, declarações incidentais de inconstitucionalidade não podem ter efeitos extensíveis para além dos envolvidos no processo, ou erga omnes. “Não se coaduna assentar declaração incidental, portanto, controle difuso, e a seguir aludir-se ao efeito vinculante”, afirmou o vice-decano do Supremo na ocasião.
Para Marco Aurélio, as leis estaduais são inconstitucionais por conflitarem diretamente com o texto da lei federal. O ministro Alexandre de Moraes ressalvou o próprio entendimento, a favor da liberação, para acompanhar a maioria que se formara a favor da proibição. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido e não votou, porque já trabalhou para o Instituto Brasileiro do Crisotila e apresentou pareceres no caso depois que ele foi levado ao Supremo. Todas as leis estaduais foram questionadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, que quer ainda a modulação dos efeitos da decisão do Plenário, já que a decisão acaba com toda uma cadeia de negócios.
Mais de cem ADIs foram extintas sem julgamento do mérito, consideradas prejudicadas ou não foram conhecidas. São três os principais motivos citados pelos ministros em suas decisões: falta de legitimidade dos autores da ação; revogação da lei questionada; e falta de pertinência temática entre a norma e o objeto social da entidade que propôs a ação.
Só o ministro Alexandre de Moraes decidiu extinguir 44 ADIs sob sua relatoria. “A primeira coisa que z depois que tomei posse foi, pessoalmente, levantar o que estava parado aqui por inércia”, contou ao Anuário da Justiça. O ministro tomou posse em março de 2017 e herdou um acervo de sete mil processos. Entre os casos, encontrou algumas ADIs. O ministro Celso de Mello, decano da corte, pôs m a 23 ações de inconstitucionalidade. E o ministro Luiz Fux, a 15 delas.
Fonte: Conjur
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