É muito comum nos depararmos com o tema de instrumentalidade e serviço social, todavia parece que há uma confusão de conceitos, quando há um entendimento que instrumentalidade e instrumentos são conceitos semelhantes. Assim, torna-se imprescindível realizar as diferenciações destes termos, a fim de evitar este equívoco.
A palavra instrumentalidade é composta pelo radical instrumental e pelo sufixo idade. Formando-se assim uma justaposição entre o radical e o sufixo. Neste caso, é importante saber o significado deste sufixo, o qual significa capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Mas o que isso quer dizer? Segundo a professora Yolanda Guerra, instrumentalidade refere-se a uma determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio-histórico. Isto é, a capacidade teórico-prática que o/a assistente social tem em atender as demandas que chegam ao cotidiano profissional e alcançar os objetivos profissionais e sociais.
Por essa razão, o serviço social é uma profissão que tem intencionalidade com o seu fazer profissional, que seria modificar, transformar e alterar as condições objetivas e subjetivas, bem como as relações interpessoais e sociais no nível do cotidiano. Entenderam agora o porquê de afirmamos que o serviço social não é neutro?!
Exatamente porque é no nível do cotidiano profissional que o/a assistente social vai utilizar instrumentos para conhecer a realidade e transformá-la. A escolha desses instrumentos é dotada de razão, ou seja, a escolha dos instrumentos que irão compor o estudo social tem a ver diretamente com os objetivos que o profissional tem com aquela intervenção.
Vamos supor, que o/a assistente social necessite conhecer o contexto socioeconômico de uma família para encaminhar a um determinado programa social. Este profissional utilizará um instrumento para se aproximar desta realidade, a depender do seu objetivo, o instrumento mais adequado para esta finalidade seja a entrevista social, que deverá ser estruturada ou semi-estruturada, que conste perguntas que possibilite a coleta de dados que identifique o perfil daquele usuário.
O exemplo acima foi de uma entrevista, mas poderia ser de uma visita domiciliar, ou de uma reunião, ou de um trabalho em grupo, dentre outros. Observe que o profissional tem autonomia para escolher o melhor instrumento para atender o seu objetivo, por isso, dizemos que há intencionalidade no fazer profissional. Lembrem-se não é o fazer profissional que tem que se encaixar aos instrumentos, mas são estes que precisam atender as necessidades e interesses do profissional, neste caso, do/a assistente social.
Neste sentido, há uma relação direta entre teleologia e instrumentalidade. Pois bem, vamos relembrar o que é teleologia? Você provavelmente na matéria de Trabalho e Sociabilidade estudou sobre Trabalho na perspectiva da teoria social crítica, ou marxiana. E provavelmente o professor que ministrou essa disciplina afirmou com base em Marx, que há uma diferença entre o ser humano e o animal, sobretudo pela capacidade que o ser humano tem de pensar, raciocinar e idealizar. Ou seja, tudo aqui que está no âmbito da razão. Por isso, somos considerados animais racionais e os animais são considerados irracionais. Para que isto fique mais claro, posso trazer um exemplo que o próprio Marx apresenta na obra O Capital, quando ele compara o trabalho de uma arquiteto ao de uma abelha, ele pondera que o arquiteto ao projetar a casa, pensou sobre a sua utilidade e finalidade, projetou em sua mente previamente; já a abelha ao fazer a sua “casa”, vide colmeia, a fez por instinto, dispensando assim, a capacidade de raciocinar/pensar. Acredito que agora está fazendo sentido para você essa pauta sobre instrumentalidade.
Pensemos!
Se o/a assistente social é um ser dotado de razão, logo podemos dizer que é um profissional que pensa sobre o seu fazer profissional e os objetivos da sua atuação, a qual deve estar alicerçada aos pilares do projeto ético-político da profissão. Isto é, um fazer profissional que atenda as necessidades da classe trabalhadora e possibilite o enfrentamento às expressões da questão social por via de orientações e encaminhamentos aos serviços existentes na rede de proteção social, a fim de que essas pessoas acessem políticas sociais e consequentemente usufruam de direitos sociais.
Portanto, para que este profissional tenha uma intervenção qualificada é necessário que este profissional conheça esta realidade, se aproprie da mesma, por via da sua capacidade técnica e política de análise das relações sociais vigentes neste modo de produção, que expressam-se através da vida dos sujeitos no cotidiano profissional, por meio de situações singulares que representam a fome, a violência, a falta de acesso às políticas públicas, insegurança alimentar e nutricional, vulnerabilidade socioeconômica, risco social, dentre outras situações singulares que surgem no cotidiano profissional demandando uma intervenção do serviço social.
Diante a estas situações, Iamamoto chama atenção para o perfil profissional que tenha habilidades técnicas para ser analítico, crítico e propositivo. E é exatamente por via da instrumentalidade que este profissional consegue aproximar-se deste perfil elucidado pela professora Iamamoto. É por via da instrumentalidade que o/a assistente faz o uso simultâneo das dimensões que compõe a profissão, sendo elas: teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa – formando-se, assim aquilo que Guerra chama de Unidade na Diversidade, ou seja, a junção do diverso. Somente com essa capacidade sobre a profissão é possível fugir dos estigmas herdados pela profissão durante o processo histórico, de moça boazinha, de que o fazer profissional está atrelado à caridade, por exemplo.
Portanto, faz-se urgente e necessário estudar sobre a profissão, sobre as possibilidades do fazer profissional dentro de um modo de produção com tantas contradições e antagonismos e situar o serviço social neste terreno histórico de produção e reprodução das relações sociais. Sendo, a instrumentalidade uma propriedade sócio-histórica da profissão, que possibilita atender as demandas cotidianas e alcançar os objetivos profissionais e sociais, permitindo-se assim o reconhecimento social da profissão e rompendo com os estigmas que foram herdados ao longo do processo histórico.
Referência
GUERRA, YOLANDA. A instrumentalidade no trabalho do assistente social in Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais, “Capacitação em Serviço Social e Política Social. CFESS/ABEPSS- UNB, 2000.
IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil – esboço de uma interpretação histórico metodológica. 2a. Ed. São Paulo: Cortez, 1982.
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