A Aplicabilidade da Metodologia Ágil no Desenvolvimento de Software em Contextos Públicos

A aplicação de metodologias ágeis, especialmente o Scrum, revolucionou o desenvolvimento de software ao propor um modelo adaptativo, iterativo e incremental. Porém, uma questão se impõe: é possível utilizar métodos ágeis para qualquer tipo de software? A resposta, ainda que tentadora em afirmar um “sim” universal, precisa ser cuidadosamente analisada à luz dos contextos organizacionais e das particularidades dos projetos, como aponta Sommerville (2011), autor referência na engenharia de software.

Conforme afirmado por Sommerville, os métodos ágeis não são universais. Ele defende que são mais adequados ao desenvolvimento em pequenas e médias empresas e para produtos voltados a computadores pessoais. No contexto de órgãos públicos, onde muitos projetos envolvem sistemas complexos, integrados e de larga escala, essa limitação deve ser compreendida como um fator crítico de decisão na escolha da metodologia.

O Scrum Guide (2020), mantido por Ken Schwaber e Jeff Sutherland, deixa claro que o Scrum é um framework leve e adaptável, que se baseia em valores como transparência, inspeção e adaptação. No entanto, mesmo com sua flexibilidade, o framework não ignora a necessidade de contexto. A forma como o Scrum é implantado pode variar amplamente dependendo do tipo de projeto e da maturidade da organização.

Uma das grandes virtudes do ágil está em priorizar software funcionando em detrimento de documentação excessiva, como destacado no Manifesto Ágil (2001). Essa abordagem é valiosa para reduzir o desperdício e maximizar a entrega de valor. Em contrapartida, ambientes públicos muitas vezes exigem elevados níveis de documentação, tanto para auditorias quanto para controle e prestação de contas, o que pode comprometer a aplicabilidade integral do ágil nesses cenários.

A agilidade também prega a simplicidade, ou seja, maximizar a quantidade de trabalho não realizado. Isso contrasta diretamente com a prática comum em órgãos públicos de projetos grandiosos. Essa dissonância mostra que o ágil, embora valioso, não é plug and play: sua aplicação exige adaptação, critérios e maturidade.

A previsibilidade, quando tratada sob a ótica do Scrum, é alcançada por meio de feedbacks constantes, revisões regulares e interação contínua com o cliente. Em ambientes onde o cliente final (como um órgão público) não está constantemente envolvido no projeto, como recomenda o ágil, pode ocorrer um enfraqueciemento do ciclo de valor.

Autores como Pressman (2016) reforçam que nenhum método é universal. O contexto, os objetivos e as restrições do projeto devem guiar a escolha metodológica. Isso reafirma que a agilidade é eficaz, mas não é uma panacei

No Scrum, a equipe trabalha em sprints curtos (geralmente de 2 a 4 semanas), entregando incrementos de valor. Para sistemas pequenos, essa abordagem é extremamente eficaz. Porém, em grandes sistemas legados, ou quando se exige interoperabilidade com dezenas de outros sistemas, essa granularidade pode não ser suficiente para coordenar a complexidade técnica envolvida.

Em projetos governamentais, a burocracia, os prazos fixos e os requisitos previamente definidos por edital podem dificultar a implementação do Scrum puro. Nesse cenário, modelos híbridos como o Scrum-ban ou o Disciplined Agile Delivery (DAD) têm se mostrado mais viáveis, pois permitem maior flexibilidade sem abrir mão do controle.

Outro ponto importante é o papel do Product Owner, que no Scrum deve ter autonomia para priorizar o backlog de produto. Em contratos públicos é importante que ele esteja sempre presente ou seja de fácil acesso.

Isso não significa que o setor público deva descartar a agilidade. Pelo contrário, deve-se adotar práticas ágeis com consciência, entendendo onde e como aplicá-las. Por exemplo, pode-se usar Scrum em projetos internos, provas de conceito (POCs) ou mesmo em fases específicas de desenvolvimento, mantendo a documentação e a governança exigidas por lei.

Portanto, como servidores, devemos compreender que a escolha da metodologia deve ser estratégica, não ideológica. Entender os limites da agilidade e suas melhores aplicações é o que nos torna aptos a propor soluções eficazes e coerentes com a realidade da administração pública.

Conclusão

A metodologia ágil, especialmente o Scrum, é extremamente eficaz quando bem aplicada. Porém, não deve ser adotada cegamente em qualquer projeto e, sim, pode ser facilmente implementada em ógaõs públicos.

Questões adaptadas

1. (CESPE/CEBRASPE – Adaptada)
Com base nas metodologias ágeis, julgue o item a seguir:
O uso do Scrum é ideal para projetos com requisitos bem definidos e fixos desde o início, especialmente em grandes sistemas legados de órgãos públicos.

Errado.

Justificativa: O Scrum é mais indicado para projetos com requisitos voláteis, onde o cliente pode interagir ao longo do desenvolvimento. Em grandes sistemas legados com requisitos fixos, metodologias tradicionais ou híbridas são mais apropriadas.

2. (FCC – Adaptada)
Assinale a alternativa correta sobre a aplicação de métodos ágeis no setor público:
A) Métodos ágeis devem ser utilizados apenas em projetos privados.
B) Métodos ágeis são incompatíveis com qualquer tipo de documentação.
C) Métodos ágeis podem ser utilizados no setor público com adaptações.
D) Métodos ágeis exigem cronogramas rígidos e detalhados.
E) Métodos ágeis são aplicáveis somente em startups de tecnologia.

Resposta correta: C

Justificativa: Métodos ágeis podem sim ser utilizados no setor público, desde que adaptados ao contexto, respeitando exigências de governança, documentação e controle.

3. (IBFC – Adaptada)
De acordo com o Scrum Guide, o valor gerado pelo Scrum ocorre:
A) Pela eliminação total de documentação.
B) Pelo planejamento de longo prazo com escopo fechado.
C) Pela entrega incremental e feedback contínuo.
D) Pelo foco exclusivo na codificação.
E) Pelo aumento da carga de trabalho da equipe.

Resposta correta: C

Justificativa: O valor no Scrum é gerado através da entrega incremental de produtos e da interação constante com o cliente, permitindo ajustes contínuos e entregas de maior valor.