Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Acompanhando, de perto, pela internet ou pela TV, o julgamento do presidente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (24/1), no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a comunidade jurídica passa a fazer suas análises do caso.
Lula foi condenado de forma unânime pelos três desembargadores. A pena foi aumentada de 9 anos para 12 anos e um mês de reclusão.
Confira o debate
Sobre o resultado do julgamento
Lenio Streck, jurista e professor
O julgamento apenas reforça a tese de que, no Brasil, moral vale mais do que o direito. O relator chegou a ir além do que decidiu Moro. Foi mais morista que Moro. Veja: Moro disse que havia “atos de ofício indeterminados”. Só que o relator disse não ser necessário haver prova de atos de Lula em relação aos contratos mencionados na denúncia. Como explicar isso? Como explicar a incompetência de Moro depois de ter dito que não houve dinheiro da Petrobras envolvido? Ora, a denúncia do MPF cita a Petrobras 423 vezes. A questão: o que é Direito no Brasil? Isso sem falar no uso do domínio de fato. De novo. Minha pergunta: como ensinar direito depois deste julgamento?
Marcelo Turbay Freiria, advogado
A decisão significou um grande retrocesso jurisprudencial no que se refere ao ato de ofício no crime de corrupção. Enquanto a Suprema Corte Norte americana reformou recentemente, com um debate consistente e sofisticado, justamente um dos precedentes que a sentença de primeiro grau citou para subsidiar a condenação, o Brasil parece preferir soluções simplistas e superficiais.
Sobre a sustentação oral do MPF
Eduardo Kuntz, advogado
Ao concluir a sustentação oral valendo-se da “nova premissa” de que é obrigação da defesa provar a sua inocência, infelizmente, demonstra que não existem efetivamente provas. Buscam firmar com indícios crimes que deixam vestígios. A exceção está virando dogma.
Fernando Hideo Lacerda, advogado
A fala do procurador partiu de uma visão maniqueísta, que enxerga o mundo a partir de uma guerra entre os heróis do sistema de justiça aliado à mídia contra os vilões representados pela defesa e todas as manifestações críticas do mundo acadêmico nacional e internacional. Não há um jurista sério que defenda os fundamentos jurídicos da sentença. Bem por isso, todas as falas da acusação desviaram o foco para a questão ideológica. No mundo da pós-verdade patrocinada pelo interesse econômico, importam menos os fatos do que as crenças, preconceitos e convicções. Diante da inexistência de provas, sustenta-se a hipótese acusatória apenas em contratos rasurados irrelevantes, notícia do jornal O Globo e a palavra de um delator informal. Aliás, a verdadeira corrupção é extrair declarações de um corréu que negocia delação premissa, mediante o oferecimento de benefícios ilegais referentes à sua liberdade. Por sua vez, a Defesa foi clara ao demonstrar a incompetência do juízo de primeira instância, a suspeição do magistrado (que ficou clara pelo incômodo demonstrado na própria sentença pelo juiz), a falta de correlação entre a hipótese acusatória e a versão apresentada na condenação, o cerceamento de defesa diante da proibição de oitiva de Tacla Duran e a absoluta ausência de provas em um processo que começou com uma apresentação de power point. Diz-se que “quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. É somente nesse sentido que podemos compreender o desfecho da intervenção do procurador da república, ao citar Fiódor Dostoiévski sobre a existência de “homens de bronze”. Se existe alguém que na contemporaneidade deve se lembrar de que todos os homens são de carne, essa classe é composta pelos membros do sistema de justiça !
Bruno Rodrigues, advogado
Saudar a todos que assistem o julgamento à distância é uma inovação. Isso pode demonstrar uma preocupação com o televisionamento. Penso que os processos criminais não devem se sujeitar a esse exposição pública e, neste caso, a TV Justiça foi um retrocesso em matérias criminais. Importante destacar que diversos países, dentre eles Portugal, proíbem a divulgação de matéria jornalística até o julgamento por um órgão colegiado
Sobre a tese do desembargador Gebran Neto de que as as provas materiais não são essenciais para constituir o crime de corrupção passiva
Fernando Hideo Lacerda, advogado
O ato de ofício não precisa ser praticado, mas isso não significa que ele não precise ser especificado e individualizado. Sempre será preciso que haja ao menos a representação mental de qual seria o ato de ofício.
Sobre a condenação por corrupção
Ruy Samuel Espíndola, advogado
A acusação é de que a OAS ofereceu vantagens indevidas a Lula enquanto ele ainda presidente, mas ele só foi aceitar a oferta em 2014, já quatro depois do fim do mandato. Não poderia, portanto, ser condenado por corrupção. No máximo ele teria cometido o crime de advocacia administrativa, descrita no artigo 321 do Código Penal como “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração, valendo-se da qualidade de funcionário”. Só que a pena para esse crime é de, no máximo, um ano, e a punição já estaria prescrita.
Sobre levar notícias em consideração no conjunto probatório
Welington Arruda, criminalista
Os equívocos foram para além dos autos quando, inclusive, o Relator disse ver com ressalvas o uso de notícias como provas, mas que elas serviriam para corroborar as versões e as provas apresentadas nas delações. Em São Paulo, por exemplo, quando um Juízo condenou Oscar Maroni por facilitação à Prostituição com base no Livro da Bruna Surfistinha, o Tribunal de Justiça disse que a fundamentação, naquele caso, o livro, não tinha sido objeto de ampla defesa e contraditório tampouco a autora do livro teria sido arrolada como testemunha e reformou a sentença absolvendo-o.
Imagino que no caso do ex-presidente, as notícias não deveriam ser levadas em consideração, na medida em que estas não transferem propriedades, tampouco têm validade jurídica para embasar ou mesmo corroborar qualquer condenação criminal. Vale lembrar que o aumento da pena do ex-presidente para mais de oito anos para o crime de corrupção passiva só ocorreu para evitar a prescrição retroativa, o que foi extremamente rechaçado pela comunidade jurídica quando o então ministro Joaquim Barbosa fez o mesmo na ação penal 470.
*Texto atualizado às 18h22 desta quarta-feira (24/1)
Fonte: Conjur
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