Doutrina OAB: Transação Penal (Parte I)

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Transação PenalPor: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online

  1. A Transação Penal

A transação penal consiste no oferecimento ao acusado, por parte do Ministério Público, de pena antecipada, de multa ou restritiva de direitos, evitando-se, assim, a instauração do processo. Não há, ainda, oferecimento de denúncia.
É predominante o entendimento de que a transação penal é um direito subjetivo do réu, de modo que, preenchidos os requisitos legais, deve ser oportunizada ao acusado. Como bem define Pacelli[1], a discricionariedade “é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação, restritiva de direitos ou multa nos termos do artigo 76 da Lei n. 9.099/95”.
A discricionariedade deve conviver com o direito subjetivo do réu, de modo que ao Ministério Público incumbe apenas verificar se estão preenchidos os requisitos e negociar sobre a pena cabível, restritiva de direitos ou multa. Não lhe compete o poder de decidir sobre o cabimento ou não da transação.
Destaca-se, ainda, que a transação penal é um instituto que somente terá aplicação quando houver fumus commissi delicti e o preenchimento das demais condições da ação processual penal. Em relação ao fato de o JECrim[2] ter sua competência limitada às ações de menor potencial ofensivo, deve-se verificar se há relevância jurídico-penal na conduta, de modo que, constatando-se ser a conduta insignificante sob o ponto de vista jurídico-penal, deve a denúncia ou queixa ser rejeitada, do mesmo modo se a denúncia ou queixa não vier instruída com o mínimo de elementos probatórios da tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
Renato Brasileiro[3], em sentido contrário, destaca que, na transação penal, “há uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade, denominada de princípio da discricionariedade regrada ou princípio da obrigatoriedade mitigada”. Para o referido doutrinador, amparado pelo princípio da discricionariedade regrada, a transação penal consiste, então, na faculdade de o órgão acusatório dispor da ação penal, isto é, não promovê-la sob certas condições, atenuando o princípio da obrigatoriedade, que, assim, deixa de ter valor absoluto, pois o órgão ministerial não tem discricionariedade absoluta, mas limitada, uma vez que a proposta de pena alternativa somente poderá ser formulada se satisfeitas as exigências legais previstas no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995.

  1. Distinção entre os institutos plea bargaining e Transação Penal

O plea bargaining é um instituto do Direito norte-americano que possui origem no common law e é aplicado hoje em diversos outros países. O instituto consiste numa negociação feita entre o representante do Ministério Público e o acusado ou mesmo entre as partes, na qual o réu aceita se declarar culpado de uma acusação em troca de alguma concessão pelo Ministério Público. Desta forma, o órgão pode deixar de acusá-lo formalmente.
Tal instituto não encontra correspondência exata na legislação penal brasileira, ou seja, não há essa possibilidade em nosso ordenamento jurídico, uma vez que a aplicação da pena privativa de liberdade exige o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, proferida ao final do devido processo penal garantista que busca encontrar a “verdade real” dos fatos.
No sistema norte-americano, o réu pode confessar ou não confessar. Ao confessar, pode ele reivindicar a negociação ou não, quando faz o pedido de negociação é que ocorre a chamada plea bargaining. Por meio do seu defensor, o réu declara a sua culpa e, em troca, o Ministério Público lhe garante a redução ou a severidade da pena a ser imposta e pode também fazer o compromisso legal de não denunciá-lo por outro delito, ou garante a aplicação da pena no patamar mínimo, com o objetivo de evitar a instrução processual e a necessidade de produção de provas.
É válido ressaltar que, para ser o acusado considerado culpado, não é suficiente a sua confissão. É preciso que, ao final da instrução criminal, restem comprovadas a materialidade, a autoria e sua culpabilidade.
No ordenamento jurídico brasileiro, o instituto que mais se assemelha ao plea bargaining é a transação penal prevista no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995. A Suprema Corte, em face das características e garantias processuais do processo penal brasileiro, afasta a natureza condenatória do instituto da transação penal, impedindo, inclusive, que se converta, em caso de descumprimento, a prestação imposta em pena privativa de liberdade. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, afirmando, de forma expressa, que a transação penal não corresponde ao plea bargaining, sob o argumento de que o direito de “negociar a confissão” não encontra respaldo em nossa legislação. Nem mesmo nos institutos da confissão espontânea ou na delação premiada se reconhece uma natureza própria do plea bargaining.
Uma das maiores diferenças entre o plea bargaining e a transação penal é que, na primeira, toda e qualquer infração penal está sujeita aos acordos feitos entre promotoria e réus, já que no Direito anglo-saxão a defesa no processo penal é completamente disponível, em razão do sistema puramente acusatório, ou seja, caso o réu não se defenda da acusação, afirmando sua inocência, fica desde já dispensada a necessidade de um julgamento, passando-se direto à fase de prolação da sentença. Já o instituto da transação penal no direito pátrio somente é cabível em um espectro muito pequeno de infrações (punidas com até dois anos de prisão e aquelas em que leis especificamente admitirem). São abarcadas pela transação nacional, enquanto, nos Estados Unidos, toda e qualquer infração penal, seja federal ou estadual, pode ser objeto de acordo entre o réu e a promotoria.
Outro ponto em que se apresentam diferenças diz respeito a quais modalidades de pena podem ser objeto da transação. Enquanto no Brasil somente se pode fazer proposta de aplicação de penas restritivas de direitos e/ou multas, devido à peremptória redação do art. 76 da Lei n. 9.099/1995, a transação penal norte-americana comporta todo tipo de pena.

  1. Pressupostos de admissibilidade

Conforme dito anteriormente, os pressupostos de admissibilidade da transação penal estão legalmente previstos no artigo 76 da Lei, são eles:

  1. Ser a infração de menor potencial ofensivo;
  2. Não ser caso de arquivamento do termo circunstanciado;
  3. Não ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
  4. Não ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela transação penal;
  5. Antecedentes, conduta social, personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias do delito favoráveis ao agente;
  6. Crimes de ação penal pública condicionada à representação, de ação penal pública incondicionada e de ação penal privada. Quanto à ação privada, é relevante destacar que, de acordo com a literalidade do art. 76 da Lei, a transação penal não seria cabível nos crimes de ação penal de iniciativa privada, todavia a orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente é a de que não há fundamento razoável para a não admissão da transação penal em crimes de ação penal privada;
  7. No caso de crimes ambientais, prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

 
[1]     OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18 ed.. rev. e ampl. atual. de acordo com as Leis n. 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. – São Paulo: Atlas, 2014, p. 759.
[2]     Juizados Especiais Criminais – JECrim
[3]     LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. 3 ed., revista, ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1435.
 


Cristiane Damasceno – Mestranda em Direito Constitucional pela EDB/IDP; pós-graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Gama Filho; formada em Direito pelo Uniceub. Advogada, Conselheira da OAB/DF, professora de Direito Penal e Processo Penal da Escola de Direito de Brasília – EDB/ IDP. Coordena as atividades jurídicas de atendimento prisional do NPJ/EDB-IDP.
 
 


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