Insignificância e efeitos na fixação de regime aberto

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Queridas e queridos concurseiros, o tema do princípio da insignificância no direito penal tem encontrado recentemente aplicação fora do usual, o que pode ser objeto de futuras provas. Dica quente!

Como sabemos, em regra, o princípio da insignificância ambientado nas infrações de bagatela própria (não confundir com o princípio da irrelevância penal do fato, que alude às infrações de bagatela imprópria) implica o afastamento da tipicidade material e, com isso, torna atípica a conduta. Para tanto, é necessária a presença cumulativa de requisitos objetivos delineados na doutrina e reconhecidos pela jurisprudência, a saber: 1) a inexpressividade da lesão jurídica provocada; 2) a mínima ofensividade da conduta; 3) nenhuma periculosidade social da ação; e 4) o reduzido grau de reprovabilidade da ação.

Para a melhor doutrina, a insignificância estaria presente ante esses requisitos objetivos, tendo em conta que o princípio da insignificância encontra pertinência na teoria geral do crime, momento em que indagação sobre aspectos concretos do agente é imprópria. Contudo, a jurisprudência passou a exigir a presença também de requisito subjetivo, qual seja, que o agente não se trate de autor habitual de crimes, comportando, assim, a análise acerca de eventual reincidência ou mesmo ações penais em curso.

A esse respeito, importante consignar, a partir da casuística, que a reincidência não se mostra um óbice instransponível para o reconhecimento da insignificância. É dizer: embora na maioria dos casos, a reincidência afaste o princípio da insignificância, não se revelará correto item da sua prova que consigne de forma taxativa que a reincidência obsta o princípio da insignificância.

No informativo 911 do Supremo Tribunal Federal, analisou-se situação na qual houve furto de um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha garnisé e três quilos de feijão, bens avaliados em cerca de cem reais, de tal sorte que, a despeito de responder por outros processos por furto (ausência do requisito subjetivo necessário à aplicação do princípio da insignificância, segundo a jurisprudência), foi reconhecida, ainda assim, a insignificância, pois o contexto indicava a ocorrência de furto famélico.

Isso mesmo! Entretanto, cuidado! Não se está a dizer que é indiferente a existência de reincidência, tendo em conta que essa análise se abriga no comentado requisito subjetivo. Noutro giro, evidencia-se, diante disso, que a reincidência não é um óbice instransponível ao reconhecimento do princípio da insignificância.

Importante, pois, guardarmos a seguinte regra: a reincidência ou a habitualidade por si só não obstam a aplicação do princípio da insignificância, devendo ser analisados outros elementos.

Observa-se nos informativos do Supremo Tribunal Federal nos últimos meses que o Ministro Alexandre de Moraes (1ª Turma), em dois julgados, conduziu entendimento inovador na direção de que o princípio da insignificância pode, quando não possível o afastamento da tipicidade material (o fato seria atípico), geralmente em razão da habitualidade do agente na prática de crimes, produzir efeitos em relação à fixação do regime inicial aberto (HC 135164/MT – Info 938) ou à admissão da substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (HC 137217/MG – Info 913).

Vamos hoje conversar sobre o recente informativo 938 do STF.

Por maioria, a 1ª Turma admitiu para um réu com maus antecedentes e reincidência a fixação do regime inicial aberto, no caso de furto praticado em cenário ilustrativo da concorrência dos requisitos objetivos do princípio da insignificância (HC 135164/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 23.4.2019). Observa-se dos dados contidos do mencionado Informativo a ocorrência de furto de duas peças de roupa avaliadas em R$ 130,00, tendo ocorrido a recuperação da mercadoria. O agente, ao que consta, era reincidente e com maus antecedentes, situação que levou o Tribunal de Justiça a não aplicação do princípio da insignificância, bem como a imposição do regime inicial semiaberto.

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, tomou por premissa o entendimento do Plenário no sentido de que a reincidência pode afastar o princípio da insignificância, mas não obsta a fixação do regime aberto.

Futuros concursados, ainda que seja decisão de Turma, observa-se que o princípio da insignificância foi adotado no caso com efeitos de mitigar (não invalidar) o enunciado da Súmula 269 do STJ e conferir novos horizontes ao art. 33 do Código Penal.

Vamos relembrar essas regras de suma importância. Seguem abaixo:

Súmula 269 do STJ – É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

1º – Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

3º- A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

4º – O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Incluído pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

Da conjugação desses parâmetros, deflui a regrinha conhecida, no caso de pena de reclusão de até 4 anos, a saber: i) o regime inicial, para o agente de bons antecedentes, será o aberto; ii) enquanto que, para o agente reincidente, o regime será o semiaberto ou, até mesmo, a depender das circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o regime fechado.

A reincidência e os maus antecedentes, ao que consta do caso concreto, obstaram o preenchimento do requisito subjetivo, impedindo a aplicação usual do princípio da insignificância para fins de afastamento da tipicidade material o que conduziria à atipicidade da conduta. Noutro giro, diante da presença dos requisitos objetivos norteadores da insignificância da conduta, o entendimento abraçado possibilitou a mitigação das tradicionais regras de fixação do regime inicial de cumprimento da pena.

Podemos, assim, sintetizar o seguinte postulado: o princípio da insignificância pode ser adotado para fins de mitigar (não invalidar) o enunciado da Súmula 269 do STJ e conferir novos horizontes ao art. 33 do CP. Quando a reincidência e os maus antecedentes, no caso concreto, obstam o preenchimento do requisito subjetivo, impedindo, assim, a aplicação usual do princípio da insignificância para fins de afastamento da tipicidade material o que importaria à atipicidade da conduta, admite-se, noutro giro, diante da presença dos requisitos objetivos norteadores da insignificância da conduta, a mitigação das tradicionais regras de fixação do regime inicial, ficando autorizado o reconhecimento regime inicial aberto, embora reincidente o agente (Info 938 do STF – 1ª Turma).

Trata-se de decisão de Turma. Por isso, cuidado com generalização! Todavia, compõe sinalização de entendimento que pode ser exigido na sua próxima prova objetiva ou, inclusive, em prova subjetiva.

Nos vemos em uma próxima oportunidade com mais dicas e atualizações de direito penal. Lembrem-se: #desistirjamais #rumoavitoria

Um forte abraço,

Túlio Max Freire Mendes

Defensor Público do Distrito Federal, Coordenador do Núcleo de Assistência Jurídica de Santa Maria e 2ª Defensoria Criminal. Ex-assessor e Chefe de Gabinete de Desembargador do TJDFT. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília, pós-graduado em Direito e Jurisdição – Escola da Magistratura do Distrito Federal. Professor de Direito Penal.

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