RECURSO REPETITIVO
Pesquisa de Temas Repetitivos: Tema 950
PROCESSO | REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/12/2017, DJe 05/02/2018. |
RAMO DO DIREITO | DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL |
TEMA | Trade dress. Proteção legal. Teoria da concorrência desleal. Competência da Justiça estadual. Registro de marca. INPI. Atribuição administrativa. Uso da marca. Abstenção. Consectário lógico do ato administrativo. Justiça Federal. Competência privativa. |
DESTAQUE |
As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. |
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR |
A questão controvertida principal – único objeto da afetação ao rito dos recursos repetitivos – consiste em delimitar a competência da Justiça estadual para: a) em reconhecimento de concorrência desleal, determinar a privação de uso de elementos que não são registrados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, caracterizados pelo “conjunto-imagem” (trade dress) de produtos e/ou serviços e b) impor abstenção de uso de marca registrada pelo INPI. Quanto ao primeiro questionamento, vale destacar que a Terceira Turma desta Corte, em recente precedente, entendeu – entre outros pontos – que o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (REsp 1.353.451-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 28/9/2017). Com efeito, embora o sistema brasileiro não reconheça a proteção exclusiva do trade dress ou “conjunto-imagem” integral, com todos os seus elementos característicos, sua tutela tem origem na própria Constituição Federal, por meio do art. 5º, XXIX, ao afirmar que a lei assegurará a proteção às criações industriais, à propriedade de marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. De fato, o que se efetiva, normalmente, é o registro da marca perante o INPI em sua apresentação nominativa (ou seja, somente o nome do produto, sem qualquer estilização), inexistindo especial atenção no sentido de se proteger os demais elementos do trade dress, a saber: o registro da embalagem como marca mista (seus logotipos, desenhos e demais caracteres gráficos), ou, ainda, como desenho industrial, nas hipóteses previstas na Lei de Propriedade Industrial. Destarte, cumpre observar que as questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos das recorrentes, por não envolver registro no INPI e se tratar de demanda entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. Situação diversa diz respeito a demanda referente à concorrência desleal, em que os litigantes são efetivamente proprietário das marcas que utilizam, devidamente registradas no INPI, embora tanto a marca como o conjunto-imagem sejam questionados por suposta confusão/associação entre produtos e o consequente desvio ilícito de clientela. Nesse contexto, importa destacar que os arts. 129 e 175 da Lei n. 9.279/1996 dispõe, respectivamente, que os registros de marca deferidos pela autarquia federal (INPI) conferem uso exclusivo ao seu titular em todo o território nacional, bem como que eventual ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da Justiça Federal. Sendo assim, quanto ao pedido de abstenção de uso da marca, dúvida não há quanto à competência da Justiça Federal – sob pena de ofensa aos referidos dispositivos de lei federal –, sendo a abstenção de uso da marca uma decorrência lógica da desconstituição do registro sob o fundamento de violação do direito de terceiros – consequência expressa, inclusive, no parágrafo único do art. 173 da Lei de Propriedade Industrial. Conclui-se, portanto, cumprir ao Juízo federal analisar o pedido de abstenção de uso tão somente nos estritos limites daquilo que compõe o registro marcário anulando, relegando para a Justiça Comum todo e qualquer aspecto relacionado ao conjunto-imagem (trade dress). |
Comentários
O trade dress ou conjunto-imagem é a imagem do produto apresentado ao consumidor (AQUINO, 2017, 317). Esta imagem consiste em um conjunto de características, que pode incluir, entre outras, uma cor ou esquema de cores, forma, embalagem, configuração do produto, sinais, frases, disposições, estilização e tamanho de letras, gráficos, desenhos, emblemas, brasões, texturas e enfeites ou ornamentos em geral, capazes de identificar determinado produto e diferenciá-lo dos demais (ANIEL, 2007, p. 39).
Podemos apontar os seguintes entendimentos relacionados ao trade dress (conjunto-imagem): a) constitui a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do produto ou serviço no mercado consumidor; b) não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial; c) o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI); d) por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva –, sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão. (REsp 1.353.451/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/9/2017, DJe 28/9/2017).
De acordo com o art. 122 da LPI, “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”.
A proteção ao trade dress decorre de expresso mandamento constitucional, que se constata na leitura do art. 5º, XXIX, da Lei Maior, ao estabelecer que a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos.
Uma análise jurisprudencial perante o STJ acerca do tema demonstra que, na maioria dos casos, a caracterização de afronta ao conjunto-imagem tem sido decidida, caso a caso, pelos tribunais locais. Por consequência, o STJ tem se restringido a manter as conclusões dos acórdãos diante da inevitável incidência do óbice do Enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
Nesse sentido, citam-se os seguintes acórdãos:
REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/12/2017, DJe 05/02/2018;
REsp 1.353.451/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/9/2017, DJe 28/9/2017;
REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015;
REsp n. 1.306.690/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 23/4/2012;
REsp n. 1.284.971/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 4/2/2013; e
AgRg no REsp n. 1.391.517/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 2/3/2015.
Além de decisões monocráticas, entre as quais:
AgRg no AREsp n. 523.706/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, de 16/12/2016;
AREsp n. 969.085/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, de 20/9/2016;
AREsp n. 515.146/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, de 9/9/2016;
AREsp n. 963.276/SP, Rel. Min. Raul Araújo, de 8/9/2016;
Resp n. 1.354.609/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, de 5/8/2016;
AREsp n. 527.000/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, de 1º/7/2016;
AREsp n. 688.881/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, de 11/5/2015;
CJ 6066, Relator(a): Min. LEITAO DE ABREU, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/1977, DJ 29-04-1977 PP-02739 EMENT VOL-01056-01 PP-00070 RTJ VOL-00081-02 PP-00353.
A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I – concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II – concessão de registro de desenho industrial; III – concessão de registro de marca; IV – repressão às falsas indicações geográficas; e V – repressão à concorrência desleal.
Pela definição, percebe-se que o trade dress possui feições distintas da marca tridimensional, pois não abarca apenas a embalagem, o recipiente, pode ir além à medida que pode abarcar o ambiente, ou seja, a decoração da empresa ou de um estabelecimento. A proteção ao trade dress ou conjunto-imagem no Brasil não é considerada uma área cristalina, podendo ser questionada pelo prisma da concorrência desleal, uma vez que a Lei n. 9.279/1996 não fez referência expressa (BARBOSA, 2011).
Na própria definição do termo trade dress, já se encontra uma primeira interpretação, que seria a vestimenta de um produto, sua roupagem. O trade dress é o aspecto geral de como o produto ou serviço é apresentado ao público; é o look and feel, outra expressão que revela bastante o espírito do trade dress, a identidade visual (LIMA, 2009).
Também se distingue do desenho industrial, visto que se considera desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial (art. 95 da LPI). O desenho industrial traz ao produto um novo design, é uma “obra de arte aplicada” à indústria e distingue do modelo de utilidade porque aquele decorre da futilidade, ou seja, não aumenta a utilidade que uma coisa possa ter (MORO, 2010, p. 215). O desenho industrial diz respeito à forma dos objetos, especificidades que permitem sua imediata identificação, com caráter meramente estético.
É cediço que a competência da Justiça Federal é estabelecida diretamente no texto constitucional e é de cursivo conhecimento que tal competência é absoluta, taxativa e, quando cível, estabelecida ratione personae. Cumpre observar que as questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos das recorrentes, por não envolver registro no INPI e se tratar de demanda entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. Mas, por outro lado, se existir interesse do INPI, por se tratar de ação de nulidade ou abstenção do uso de marca ou qualquer outro bem protegido pela LPI, a ação deverá ser proposta na Justiça Federal, devendo o INPI participar do feito de maneira obrigatória.
Como a situação poderia ser cobrada em concurso público
A Indústria e Comércio de Cosméticos Natura Ltda. e Natura Cosméticos S.A. ajuizaram ação em face de Freedom Cosméticos Ltda., SS Industrial S.A. e SS Comércio de Cosméticos e Produtos de Higiene Pessoal Ltda., pretendendo a cessação de alegada prática de concorrência desleal perpetrada pelas rés, assim como a cessação da violação de suas marcas, identificadoras de suas principais linhas de produtos. Assim, segundo a jurisprudência do STJ e a legislação brasileira, assinale a alternativa correta.
- As questões acerca do trade dress(conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal.
- As questões acerca do trade dress(conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça Federal, já que afeta interesse institucional da autarquia federal.
- O trade dress é o aspecto geral de como o produto ou serviço é apresentado ao público; é o look and feel, outra expressão que revela bastante o espírito do trade dress, a identidade visual, logo se confunde com a marca tridimensional que possui proteção em decorrência do registro no INPI.
- O sistema brasileiro reconhece a proteção exclusiva do trade dressou “conjunto-imagem” integral, com todos os seus elementos característicos. Sua tutela tem origem na própria Constituição Federal, por meio do art. 5º, XXIX, ao afirmar que a lei assegurará a proteção às criações industriais, à propriedade de marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos.
Gabarito: letra a.
Justificativa: REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/12/2017, DJe 05/02/2018.
AQUINO, Leonardo Gomes de. Curso de direito empresarial: teoria da empresa e direito societário. Brasília: Editora Kiron, 2015.
AQUINO, Leonardo Gomes de. Propriedade Industrial. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.
ANIEL, Deniz Allan. Litígios envolvendo conjunto-imagem (trade-dress) no Brasil. ABPI. Rio de Janeiro: nº 87, p. 37-42, mar/ abr. 2007.
BARBOSA, Denis Borges. Do trade dress e suas relações com a Significação secundária. http://www.denisbarbosa.addr.com/ arquivos/200/propriedade/trade_dress.pdf. Novembro de 2011. Acesso em 29.10.2017.
LIMA, Maria Alicia. Pirataria e Contrafação: da propriedade intelectual ao Trade Dress. Anais do XXVIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro, ABPI, 2008, ps. 69-70
MORO, Maitê Cecília Fabbrini. Marcas tridimensionais. Sua proteção e os aparentes conflitos com a proteção outorgada por outros institutos da propriedade intelectual. São Paulo: Saraiva, 2010.
Leonardo Aquino – Direito Empresarial – Advogado
Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.
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