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Hoje continuaremos a debater esse tema tão recorrente nos exames da OAB: o o problema das lacunas no Direito. Vimos, na semana anterior, que a Escola Histórica inovou ao reconhecer a existência de lacunas no direito, em razão da própria dinâmica e evolução social, afirmando, ainda, ser obrigação do direito identificar os costumes, os princípios gerais, bem como evidenciar e corrigir essas lacunas, bem como as possíveis contradições da legislação.
Nesse contexto, outra Escola que se opõe ao dogmatismo exegético e reconhece a existência de lacunas no direito é a Escola Finalista de Ihering, que defende que tanto a interpretação quanto a integração do direito (lembrando que esta última ocorre justamente quando há lacunas) devem considerar o fim, a finalidade, do direito como um todo.
Para esta concepção, o direito é entendido como “a forma de garantia das condições de vida da sociedade, asseguradas pelo poder de coação de que o Estado dispõe” (LIMA, 2002, p. 230). O Fim supremo do direito, neste contexto, seria a paz. Contudo, a paz não pode ser alcançada sem a luta. “Nunca o direito poderá fugir a violência da luta: luta dos povos, dos Estados, das classes, dos indivíduos” (LIMA, 2002, p. 231).
Com Ihering se sobressai, portanto, o método de interpretação finalístico ou teleológico, buscando o fim de cada proposição normativa individualmente. Este “fim” representava uma forma de interesse, podendo corresponder tanto a uma preservação de um valor quanto a um impedimento de um desvalor. Por isso toda interpretação jurídica seria de natureza teleológica, fundada na consistência axiológica do direito, ou seja, dar-se-ia numa estrutura de significações e não de forma isolada, pois cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico.
Por esse motivo, o interprete da norma jurídica poder dar-lhe um significado não previsto pelo legislador em virtude da sua compreensão à luz de novas valorações emergentes no processo histórico. Neste contexto, o direito seria um conjunto de condições vividas pela sociedade e asseguradas pelo Estado por meio da coação exterior (LARENZ, 1982).
No que diz respeito especialmente às lacunas, Ihering defende expressamente a sua necessidade de integração, com base na finalidade do próprio direito. Em suas palavras:
É possível que subitamente se manifeste uma lacuna em a lista, aliás copiosa, de factos delituosos, que uma larga experiência acabou por evidenciar. Uma imaginação criminosa pode inventar malefícios imprevistos, que, posto não escapem completamente á lei penal, não encontram no entanto uma repressão em harmonia com a gravidade dos factos (‘). Que fazer então? Logo que um ser desumano ameaça a Sociedade com um perigo que lei alguma pune, e dá provas de uma depravação que excede a do criminoso ordinário, deverá a Sociedade declarar-se desarmada porque o direito estabelecido lhe não fornece uma pena que ela possa aplicar? Sim, responde b jurista, cuja divisa é conhecida: nulla pcena sitie lege. Mas o sentimento geral, com o qual eu estou de acordo, exige uma punição (IHERING, p. 275).
Outrossim, Ihering nega que o direito possa ser resumido à mera faculdade de obrigar, afirmando que há necessidade de que lhe seja dado um elemento substancial, que seria a utilidade, e um elemento formal, que seria a proteção, a garantia, chegando a conceituar o direito como o interesse juridicamente protegido. Adverte, ainda, contra aqueles que não veem o essencial do fim do direito, que seria o de satisfazer as necessidades da vida de uma forma assegurada, independentemente da capacidade do indivíduo, ressaltando que, quanto menos capaz é uma pessoa de atender a essas necessidades, maior a responsabilidade do direito (IHERING, 2003, p. 14-15).
De acordo com essa concepção, em todo direito individual estaria incluído um valor ideal, pois em todo direito estaria em jogo o direito como um todo, que não se confunde com o direito positivo. Isto porque não se luta pelo que já existe, mas sim para substituir o que existe, tendo como parâmetro um direito natural. Assim, a teoria do interesse defende a representação do direito natural que leva em si o elemento ativo e o fator individual na história, trabalhando com base na lei da causalidade, a qual, assim como governa todas as coisas, governaria também o processo do direito (IHERING, 2000, p. 22).
Bem, a questão é bem mais complexa que o que apresentamos, mas esperamos ter contribuído para estimular os seus estudos sobre o tema.
REFERÊNCIAS
IHERING, Rudolf von. A Evolução do Direito. Editores proprietários — José Bastos & c.° — composição f. Impressão da ttpoorapnta ba antiga casa kerthaki — — sua da AI.KOKIA, 100—Lisboa.
_______. La posesión. México: Tribunal Superior de Justicia del Distrito Federal, 2003.
_______. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2000.
LARENZ, Karl. Metodologia da diência do direito. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1982.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
Até a próxima semana.
Que toda luta necessária seja uma luta pela paz.
Andemos com fé, que a fé não costuma falhar.
Abraços,
Chiara Ramos
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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