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Dando continuidade à discussão sobre a plenitude hermética do ordenamento jurídico, hoje falaremos do Sistema da Livre Formação do Direito, também chamado de Sistema da Livre Pesquisa – surgido na França durante as últimas décadas do século XIX, cujo maior representante foi François Gény – e da Escola do Direito Livre, oriunda da Alemanha, tendo como principal expoente Kantorowicz. Vamos saber um pouco mais?
Essa Escola de pensamento contradiz totalmente a crença na plenitude hermética, afirmando que existem sim lacunas no direito. Para Gény, muitas vezes a lei positiva não contém a solução para o caso concreto, sendo necessário fazer uso de fontes suplementares do direito, quais sejam: o costume, a autoridade e a tradição, desenvolvidas pela jurisprudência e pela doutrina, e a livre investigação (SICHES, 1976, p. 23). Ou seja, Gény introduz a ideia de métodos de integração do direito diante do reconhecimento da existência de lacunas.
Segundo o autor, caso o intérprete verifique que a lei em sua pureza originária não corresponde mais aos fatos, está desatualizada, anacrônica, ele deve reconhecer a presença de lacunas na obra do legislador. As lacunas devem ser suprimidas por meio do uso da livre investigação científica, que também deve ser o instrumento utilizado quando o direito positivo der mais de uma solução possível para o caso concreto. A livre investigação é científica, não estaria presa, portanto, ao direito positivo.
Note-se, contudo, que a livre investigação só é possível quando da ausência da lei, ou seja, nos casos de lacunas no ordenamento jurídico. Nos casos de obscuridade, o intérprete deve fazer uso do costume, da jurisprudência e da autoridade, sendo a livre interpretação, portanto, o último recurso de que se pode valer. Ou seja, Gény ainda mantém o pressuposto de que o objetivo da interpretação é encontrar a vontade do legislador.
Desta forma, não podemos afirmar que Gény defenda a livre criação do direito, uma vez que a livre investigação é científica e, como tal, retiraria sua “objetividade” da “natureza das coisas”, dentro de uma perspectiva objetivista das ciências sociais. Assim, a livre investigação científica não pode ser vista como uma manifestação subjetiva dos valores do juiz, mas como um necessário trabalho científico com base na observação dos fatos sociais, observação essa limitada pelas leis existentes.
A fórmula de Gény pode ser assim expressa: “Além do Código Civil, mas através do Código Civil”. Significa que o trabalho de pesquisa só inova na medida em que integra e completa o sistema existente, mas sem lhe alterar o significado fundamental.
Por sua vez, Kantorowicz, um dos principais representantes da Escola do Direito Livre, vai mais além e admite o julgamento contra a lei, se o juiz entender que o legislador agiria de outra forma diante daquele caso concreto que ele não previu que aconteceria daquela forma. De matriz germânica, a Escola do Direito Livre não pode ser confundida com a escola francesa da livre investigação científica, pois possui um caráter sociológico e subjetivista forte.
Os defensores da ideia do direito livre partiam do pressuposto de que todas as decisões judiciais são necessariamente uma atividade pessoal, sendo uma ilusão acreditar que tais decisões são fundadas na aplicação lógica do direito ao caso concreto.
Na contramão, o sociólogo Eugen Ehrlich tentou dar objetividade à aplicação da lei pelo magistrado, advogando que o juiz não deveria atentar para os seus valores individuais quando da aplicação da norma, mas deveria antes dar satisfação a necessidades ou interesses relevantes da sociedade, considerando os fatos sociais que deram origem e condicionam o litígio, a ordem interna das associações humanas, assim como os valores que orientam a moral e os costumes.
Contudo, os defensores do direito livre não questionaram a ideia de que existiria uma solução correta para os conflitos sociais, oferecendo apenas outros critérios para se chegar à decisão correta, embora suas concepções tenham contribuído para a formação de correntes céticas, que apregoam que o juiz decide de forma totalmente subjetiva, para depois fundamentar sua decisão utilizando-se da lógica e do formalismo para justificar, de maneira hipócrita, a decisão anteriormente tomada.
E vocês? O que acham? Os magistrados decidem de forma totalmente subjetiva ou não?
Essa é uma boa questão para reflexão.
Na próxima semana, falaremos das lacunas no direito para Kelsen.
Sempre lembrando: sejam felizes durante a caminhada.
Foco, força e fé.
Até breve.
Chiara Ramos
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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