O Direito da Sociedade: sistematização do monismo jurídico

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02 de outubro3 min. de leitura

Como vimos nos artigos passados, o surgimento do Estado Moderno possibilitou o desenvolvimento do capitalismo. Com as descobertas cientificas do Renascimento, desenvolveram-se instrumentos que possibilitaram a exploração dos mares e a expansão do capitalismo comercial, o eixo das atividades desloca-se do Mediterrâneo para o Atlântico, surgem grandes portos, “descobre-se” a América e seus metais preciosos. Formam-se as grandes companhias de navegação, que passam a acumular mais e mais riquezas (LIMA: 2002, p. 209), fazendo da burguesia européia uma classe forte, detentora de imenso poderio econômico, mas muito distante de conseguir a titularidade do poder político.

É nesse contexto que surge o movimento Iluminista, cuja concretização se deu com a Revolução Francesa, identificada por Wolkmer como marco inicial da segunda fase do monismo jurídico, qual seja: sua sistematização, que perdurou até o século XIX, entrando em seu apogeu com o desenvolvimento do capitalismo industrial.

O germe que fomentou o movimento revolucionário francês foi, sem dúvida, as ideias contratualistas de Locke, Rousseau e Montesquieu, as quais faremos breve referência.

Para Rousseau e Locke, o estado de natureza não seria um estado de guerra, como o previsto por Hobbes, mas de paz. Segundo Locke, a paz só é quebrada por inexistir um juiz imparcial para julgar as lides que evidentemente surgem pelo convívio social. Para evitar a guerra e a desordem os homens formam regras que constituem o modo de vida regido pelo Estado e pelas leis. Dito de outra forma, a sociedade é vista por Locke como um artifício para manutenção dos direitos naturais, sobretudo o direito à propriedade, não podendo o magistrado agir em desrespeito ao que a lei preconiza, pois deixa, por isso, “de ser magistrado e, como delibera sem autoridade, justifica a oposição que se lhe faça, assim como nos opomos a qualquer pessoa que viole com a força o direito alheio”. (BOBBIO: 1997, p. 145 e 242).

Na concepção Hobbesina, como vimos, a noção de justiça termina por se reduzir a noção de força, a qual só será suplantada com a teoria de Rousseau, que no início da sua obra mestra, “Do contrato social”, afirma que “a força é uma potência física: não vejo qual moralidade possa derivar dela” (ROUSSEAU, 2014). O autor do contrato social, contudo, não nega que a ideia de justiça esteja reduzida a um direito positivo, mas esse não seria expressão do monarca absoluto, mas sim expressão da vontade geral.

Com Montesquieu, desenvolve-se e se propaga a noção de representatividade. O homem, como ser livre que é, estando num Estado de grandes dimensões e grande população, elabora as leis pelas quais viverá em sociedade por meio de representantes legitimamente escolhidos. Sendo assim, o direito positivo é sempre justo, uma vez que elaborado pelo legislador racional, representante dos interesses dos cidadãos de um Estado (MONTESQUIEU, 2014).

Segundo Tercio Sampaio Ferraz Jr., foi de fundamental importância para a sistematização do monismo jurídico, o desenvolvimento da teoria clássica da divisão dos poderes, que possibilitou uma progressiva separação entre direito e política, mormente com a árdua defesa da ideia de neutralização política do judiciário, significando que a produção do direito deveria se canalizar no legislativo, legítimo representante dos cidadãos, devendo-se reduzir o direito ao texto escrito, sendo papel do magistrado aplicar a lei em sua literalidade (FERRAZ JR.:2003, p. 74).

Essa ideia é levada à sua concepção extrema após a edição do Código de Napoleão, em 1804, com o desenvolvimento da chamada Escola da Exegese. O Código Civil Francês (Código de Napoleão) foi, portanto, o ponto culminante da Revolução Francesa, sendo considerado um monumento da ordenação da vida civil, projetado com grande engenho e arte. Tanto, que os primeiros intérpretes consideravam que não havia parcela da vida social que não estivesse devidamente regularizada pelo Código, devendo ser revogadas todas as ordenações, usos e costumes até então vigentes, a não ser que a própria lei fizesse lhes referência (REALE, 1996, p. 273).

A tese fundamental dessa escola é a de que o Direito é revelado pelas leis, sendo um sistema sem lacunas reais. Assim, o verdadeiro jurista deve procurar dentro da lei positiva as respostas para solução dos casos concretos. Surge, neste contexto, a ideia de uma dogmática conceitual, sendo dever do jurista ater-se ao texto, sem procurar soluções estranhas a ele (REALE, 2002, p. 415-416). A jurisprudência conceitual dava, portanto, mais atenção aos conceitos, aos preceitos jurídicos, esculpidos na lei, do que às estruturas sociais às quais os conceitos se destinam.

Na realidade, esta foi uma estratégia utilizada pela classe então dominante para abolir os privilégios e prerrogativas da nobreza e do clero, substituindo o direito divino pelo direito fundado na “vontade geral”, ratificada por um contrato social. Com isso se pretendeu declarar a igualdade de todos perante a lei, assim como se buscou fixar todos os direitos pela lei.

Neste contexto, reduziu-se o direito ao texto legal positivado, ao direito posto, com uma clara prevalência do Poder legislativo.

Eis a segunda fase do monismo jurídico: sua sistematização. Com isso, reforça-se o dogma do Estado como único produtor do direito.

Bem, por hoje é só.

Próxima semana, falaremos da terceira fase do monismo: o seu apogeu.

Até lá!

Chiara Ramos

 


Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 


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