O Direito da Sociedade: Origens do Direito Administrativo – entre a liberdade e o autoritarismo

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08 de maio3 min. de leitura

Com essa série reflexiva e crítica, pretendo proporcionar um conhecimento diferencial a(o) aluna(o) do Gran Cursos, sobretudo nas provas dissertativas e orais. Sabemos o quanto é importante se mostrar atualizado e possuir um conhecimento crítico e reflexivo, em especial no que se refere às temáticas consideradas simples, nas quais os candidatos e candidatas escrevem ou falam “mais do mesmo”. Por experiência própria, aqueles que demonstram um conhecimento geral e interdisciplinar apurado destacam-se dos(as) demais.

Mas muito cuidado: nas provas objetivas, responda de acordo com o pensamento tradicional e com o entendimento da banca. Mas, nas provas dissertativas e orais, além de demonstrar que sabe o básico (NÃO SE ESQUEÇA DISSO), surpreenda os avaliadores e as avaliadoras com um raciocínio crítico e reflexivo. Claro que você não vai criticar o Poder Judiciário numa prova para magistratura, como também não convém criticar a advocacia no exame da OAB ou em algum dos concursos da Advocacia Pública. Contudo, utilizando com bom senso informações diferenciadas e críticas, você se destacará das(os) demais e estará mais próxima(o) da aprovação.

Comecemos, pois, com um dos ramos do Direito mais dogmático e estático dentro do sistema jurídico ocidental, que é o Direito Administrativo. Neste primeiro artigo, trataremos das problemáticas, dos anacronismos e dos paradoxos que envolveram o surgimento desse tão fundamental ramo do Direito. Espero que aproveitem.

O Direito Administrativo parte de um paradoxo na sua própria origem, em que se contrapõem o autoritarismo (herança do antigo regime) e a liberdade (Revolução Francesa). Nesse sentido, Paulo Otero afirma claramente que a evolução histórica da disciplina se dá como “uma sucessão de impulsos contraditórios, produto da tensão dialética entre autoridade e liberdade” (OTERO, 2001, 229).

No que se refere à liberdade, em decorrência dos ideais da Revolução Francesa na construção do Estado Liberal, o Direito Administrativo surge como aquele que vai submeter os Poderes Públicos às leis, buscando a preservação da liberdade. Adota-se, portanto, a concepção de liberdade de Montesquieu, segundo o qual ser livre é poder seguir o direito posto. Segundo Hely Lopes Meirelles:

O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela teoria da separação dos Poderes desenvolvida por Montesquieu, L’esprit des Lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito. Até então, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mãos do Soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem a reconhecer direitos aos súditos, em oposição às ordens do Príncipe. Dominava a vontade onipotente do Monarca, cristalizada na máxima romana “quod principi placuit legis habet vigorem”, e subseqüentemente na expressão egocentrista Luiz XIV: “L’Estat c’est moi” (MEIRELLES, 2005, p. 51).

A ideia de um Estado de Direito também se fundamentou na clássica teoria de Montesquieu, que sistematiza a ideia da separação dos poderes, afirmando que o homem (inatamente livre) elabora, por meio de representantes legitimamente escolhidos, as leis pelas quais viverá em sociedade. Sendo assim, a lei seria sempre justa e garantidora da liberdade, uma vez que construída pelo legislador racional, representante dos interesses dos cidadãos de um Estado (MONTESQUIEU, 2014).

Como bem esclarece Gilissen, estas ideias transformaram-se num sistema geral de filosofia política e social, sobretudo nos fisiocratas. A sociedade passou a ser considerada como um conjunto de homens livres e autônomos, que se ligam por meio da vontade livre, expressa no contrato social. Os juristas franceses do séc. XVIII, contudo, sobretudo do sul da França, continuaram presos ao direito romano, distanciando-se, pois, da filosofia política do seu tempo (GILISSEN, 1979, pp. 738-739).

De outro lado, em que pese o fundamento liberal do Direito Administrativo na França pós-Revolução, a jurisdição administrativa francesa foi marcada pelo autoritarismo. Como bem sintetiza Binenbojm, as categorias jurídicas peculiares do Direito Administrativo, desde o seu surgimento, a exemplo da supremacia do interesse público, das prerrogativas da Administração e da discricionariedade, dentre outras, representaram muito mais uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas administrativas do Antigo Regime que a sua superação. Em suas palavras, “a juridicização embrionária da Administração Pública não logrou subordiná-la ao direito; ao revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato retórico para sua perpetuação fora da esfera de controle dos cidadãos” (BINENBOJM, 2006, p. 10-11).

O paradoxo da origem do Direito Administrativo consiste, portanto, em um anacronismo original, pois, embora retoricamente sua criação esteja inspirada na proteção da liberdade do cidadão, como ideal da Revolução Francesa, o seu efetivo funcionamento não se baseou na garantia dos direitos fundamentais (herança do Antigo Regime).

Explico melhor: a França adotou um sistema administrativo dual, ou seja, dois sistemas em vigor, duas jurisdições, uma de contencioso administrativo (hoje conhecido como sistema francês) e outra jurisdição comum. Surgem os Tribunais e Cortes Administrativas não subordinadas ao controle judicial.

Em síntese, o funcionamento da jurisdição administrativa independente, que não se subordina ao controle do Judiciário, podendo criar as regras às quais ela própria irá se submeter, representa a manutenção do autoritarismo próprio do Antigo Regime em tensão com a ideologia de liberdade, das Revoluções liberais.

Bem, espero que vocês tenham gostado. Até a próxima.

Foco, força e fé.

Chiara Ramos


Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 


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