Prerrogativas da Defensoria Pública no Código de Processo Civil

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A Constituição de 1988, denominada como “cidadã”, deu vida à isonomia estabelecida no art. 5º, caput e seu inciso LXXIV, ao reconhecer a Defensoria Pública como “essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados” (art. 134).

Em sintonia ao disposto na Lei Fundamental, o Código de Processo Civil, nos artigos 7º e 185, conferiu paridade de tratamento substancial em relação aos ônus e deveres processuais e assegurou a garantia da prestação jurisdicional, sem qualquer discriminação, e reduziu as dificuldades do acesso à justiça.

Deveras, sem a Defensoria Pública, o direito de defesa de uma gama extensa de necessitados ficaria comprometido. Entrementes, para que se tenha a possibilidade de uma atuação justa, combativa e qualificada da Defensoria, necessário se faz a previsão das prerrogativas previstas no Código de Processo Civil.

Cuida-se da aplicação concreta do princípio da igualdade, cuja ratio essendi pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

A diferenciação justifica-se pela estrutura precária da nobre instituição, que está destinada a atender milhões de pessoas necessitadas – econômica e juridicamente – mas com um número muito reduzido de defensores, geralmente concentrados nas grandes capitais.

Decerto, o ideal seria aparelhar todas as Defensorias Públicas estaduais e da União, para que não houvesse a necessidade das diversas prerrogativas. Todavia, enquanto essa realidade continuar a ser um sonho distante, necessário se faz a atual distinção.

Desta forma, quanto ao prazo para se manifestar nos autos, o artigo 186 no CPC traz a regra da contagem em dobro dos prazos processuais para a Defensoria Pública, inclusive para recorrer. A importante prerrogativa processual já era prevista na Lei 1.060/50 e na LC 80/94.

Destaque-se, ainda, que a contagem do prazo se iniciará com a intimação pessoal do Defensor Público através da entrega dos autos na sede da Instituição (art. 186, § 1º). Ou seja, o Defensor Público não é intimado por meio do diário oficial, como ocorre com os advogados, mas por meio da “carga” dos autos – se físicos – ou de forma eletrônica.

O defensor público pode, ainda, solicitar ao juiz que a intimação seja realizada pessoalmente à parte, quando depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada (CPC, art. 186, §2º). Na advocacia essa prerrogativa não existe, de modo que a intimação para esclarecimentos será sempre direcionada ao advogado.

As despesas e custas processuais são outro ponto de destaque, porquanto serão pagas somente ao final do processo (CPC art. 91) ou terão sua cobrança suspensa na hipótese de ser beneficiário da justiça gratuita (CPC, art. 98, §§ 1º a 8º). Assim, por exemplo, caso exista a necessidade de realização de perícia, essa despesa será adiantada pelo poder público e não pelo assistido.

A dispensa de juntada de procuração nos autos, caso a parte seja representada pela Defensoria Pública (CPC, art. 287), é outro fator relevante, assim como a prerrogativa de ter as suas testemunhas intimadas pessoalmente (CPC, art. 455, IV). Esse último ponto é extremamente importante, porque retira da responsabilidade do defensor público de intimar todas as testemunhas arroladas pelo seu assistido, como ocorre na advocacia, porquanto “cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo” (CPC, art. 455).

No cumprimento de sentença, a parte executada, representada pela Defensoria Pública, será intimada por carta com aviso de recebimento para cumprir a obrigação a que foi condenada (CPC, art. 513, §2º, II). Já na execução, o instrumento de transação (acordo, contrato etc.) referendado pela Defensoria Pública constitui título executivo extrajudicial (CPC, art. 784, IV). Reconhece-se, assim, não só o papel que tem a Defensoria no desenvolvimento da autocomposição (art. 3º do NCPC), mas também a importância que a instituição tem para pacificação social.

Novidade no CPC/15 é a função expressa de custus vulnerabilis ou “Guardião dos Vulneráveis” da Defensoria Pública. Em outros termos, isso significa que assim como o Ministério Público está para custus legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública está para os vulneráveis.

Tem-se, assim, a possibilidade de intervenção da Defensoria Pública nas demandas que envolver o interesse de muitas pessoas vulneráveis, como o STJ já admitiu na questão envolvendo o fornecimento de medicamentos (STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657) e o STF na intervenção das defensorias públicas no Habeas Corpus coletivo 143.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ. 09/10/2018, que tratava da possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, para mulheres ou adolescentes gestantes, puérperas ou com filhos até 12 anos de idade ou deficiente.

O art. 554, § 1º, do CPC, dispõe sobre a necessidade de atuação da Defensoria Pública sempre que o litígio envolver ação possessória em que figure grande número de pessoas hipossuficientes (conflitos coletivos pela posse da terra). Na busca da harmonização do processo com os direitos fundamentais, a intervenção da Defensoria nestas demandas tem por fim tutelar o direito social à moradia e a função social da propriedade, garantias asseguradas na Constituição Federal brasileira. Cuida-se, portanto, da disposição expressa do custus vulnerabilis.

Legitima-se a Defensoria Pública para a propositura do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) (art. 977, II, do NCPC). Na perspectiva de que a instituição deve servir à justiça, busca-se permitir que a Defensoria Pública contribuía para a racionalização dos serviços judiciários e para a preservação da harmonização das decisões judiciais, na medida em que o novel instituto objetiva preservar estes dois valores.

Finalmente, e não menos importante, é a função típica da Defensoria Pública no exercício da Curadoria Especial (CPC, art. 72) ao incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade”; “réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado”; “ao ausência” (CPC, art. 671, I).

Dessa forma, o Curador Especial será um representante da parte, naquelas hipóteses previstas na lei, para a proteção dos seus interesses, com vistas à regularização processual, paridade de armas e equilíbrio ao contraditório.

Na qualidade de Curador Especial, o STJ entendeu o recurso interposto pela Defensoria Pública está dispensado de preparo (Resp. 1.515.701/RS, DJ. 31/10/2018) e a sua legitimidade para propor reconvenção em favor do réu revel citado por edital (Resp. 1.088.068/MG, DJ. 29/08/2017).

Assim, não por acaso, todas as diretrizes da instauração da Defensoria Pública apontam para essa primazia, suas prerrogativas, no intuito de cumprir os seus objetivos e suas funções institucionais, possibilitando aos membros a tutela legal para sua atuação e concretização.

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