O STF e a questão da alteração de prenome e gênero de transexuais no Registro Civil

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17 de Abril de 2019

Olá, caros concurseiros, futuros concursados!

Neste artigo, teceremos breves considerações sobre os pontos mais importantes da recente decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4275/DF, que trata da possibilidade de alteração de nome e gênero no assento de Registro Civil da pessoa transgênero, mesmo que essa não tenha se submetido à cirurgia de redesignação de gênero.

O tema está inserido no macrotema dos direitos da personalidade, bastante sensível quando tratamos de direitos da comunidade LGBTI. Vamos recordar um pouco o tema dos direitos da personalidade?

Segundo os professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “conceituam-se direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”.[1]

Por tal definição, podemos extrair que, no grupo dos direitos da personalidade, estão abrangidos os direitos à integridade física, o direito à honra, o direito à imagem, o direito à privacidade, entre outros tantos.

Também é importante para o nosso estudo para concursos saber quais são as características dos direitos da personalidade. Podemos, por dedução, ganhar uma questão ou outra e até mesmo eliminar alternativas. Segundo a doutrina majoritária, são sete as características. A seguir:

I) São direitos absolutos: ou seja, são oponíveis a toda coletividade (oponibilidade erga omnes);

II) São direitos necessários: os direitos da personalidade são titularizados por determinada pessoa pelo simples fato dessa pessoa ser humana e, portanto, um sujeito de direitos;

III) São direitos extrapatrimoniais: direitos sem conteúdo econômico direto, em que pese sua violação poder ensejar indenização – essa, sim, auferível patrimonialmente;

IV) Direitos patrimoniais são direitos indisponíveis: da indisponibilidade dos direitos patrimoniais decorrem outras características, como a sua intransmissibilidade, a vedação à cessão e a irrenunciabilidade;

V) Imprescritibilidade: os direitos da personalidade são imprescritíveis. Contudo, eventual pretensão de reparação em razão da violação de tais direitos pode submeter-se a prazo prescricional;

VI) Impenhorabilidade: a impenhorabilidade dos direitos da personalidade decorre necessariamente da característica da indisponibilidade;

VII) Vitaliciedade: justamente porque são atribuídos ao indivíduo – pelo simples fato desse indivíduo ser humano – é que os direitos da personalidade acompanham o sujeito durante toda a sua vida.

Passado esse introito, vamos ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4275/DF.

Segundo ficou consignado no julgamento, ocorrido em 01/03/2018, cujo acórdão foi publicado recentemente, a pessoa transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e gênero no assento do Registro Civil.

Ainda nos termos do teor do acórdão, a alteração deve ser averbada à margem do registro de nascimento, sendo vedada a inclusão do termo “transgênero”.

A alteração de tais informações pode ser feita por via judicial ou administrativa, ou seja, através do próprio Cartório de Registro Civil. Importante frisar que não é exigido que a pessoa tenha feito a cirurgia de transgenitalização.

Vejamos o teor da ementa:

DIREITO CONSTITUCIONAL E REGISTRAL. PESSOA TRANSGÊNERO. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO NO REGISTRO CIVIL. POSSIBILIDADE. DIREITO AO NOME, AO RECONHECIMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, À LIBERDADE PESSOAL, À HONRA E À DIGNIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS HORMONAIS OU PATOLOGIZANTES.

Nesse julgamento, o STF analisou a constitucionalidade ou não do disposto no art. 58 da Lei de Registros Públicos, Lei n. 6.015/1973. Tal dispositivo de lei é decorrência de um princípio maior, o chamado “princípio da continuidade dos Assentos de Registro Civil”, ou seja, o que foi inserido em um Registro Público (Registro Civil) deve assim permanecer, salvo em situações excepcionais disciplinadas em lei.

Vejamos o que diz o art. 58 da Lei n. 6.015/1973:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

O Supremo, na análise da ADI 4275/DF, deu interpretação conforme a Constituição a esse dispositivo de lei, afastando do nosso ordenamento jurídico por inconstitucionalidade qualquer interpretação que venha a proibir que um transgênero possa alterar seu prenome e gênero no assento do Registro Civil, adequando, assim, seu nome e gênero registrais ao gênero ao qual o sujeito se identifica.

E qual é a definição de transgênero ou transexual? Não temos uma definição legal. Todavia, a doutrina traz algumas definições. Por exemplo, a grande civilista Maria Helena Diniz, em sua obra O ESTADO ATUAL DO BIODIREITO, define transgênero ou transexual do seguinte modo: “O transexual é biologicamente normal, pois tem genitália externa e interna perfeitas, mas acredita que pertence ao sexo contrário à sua anatomia.”[1]

Importantíssimo foi o conteúdo de tal decisão que, além de estabelecer que o transgênero tem o direito de alterar seu prenome e seu gênero na certidão de nascimento, também consignou que essa possibilidade não está condicionada à prévia cirurgia de transgenitalização. Tal decisão vem para corrigir várias injustiças pelas quais os transgêneros passavam. Antes de o STF pacificar essa questão, predominava a jurisprudência assente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[2] no sentido de que, para que o transgênero pudesse alterar seu prenome, esse deveria passar por um processo judicial que, por vezes, demorava vários anos, além de ter que comprovar que submeteu-se à cirurgia de redesignação de genitália, uma cirurgia muito cara, que fazia, por vezes, o sujeito esperar vários anos na fila do Sistema Único de Saúde. Além de toda essa via crucis, o transgênero ainda tinha de suportar um pós-operatório doloroso.

Ademais, o Conselho Federal de Medicina estabelece, em sua Resolução n. 1.955/2010, vários requisitos para que uma pessoa possa submeter-se à transgenitalização, quais sejam:

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto: 1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 (vinte e um) anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.[3]

Nada obstante muitos transexuais queiram passar pela cirurgia de transgenitalização, e assim desejem assumir os custos financeiros de pagar um médico ou particular ou arcar com os custos de esperar anos para realização em Hospitais Públicos, há vários transexuais que simplesmente não querem submeter-se a tal procedimento. E o que o Supremo ponderou foi justamente que não se pode negar o direito à alteração de prenome e gênero a uma pessoa que não deseja passar por um procedimento médico custoso e doloroso.

E quais foram os fundamentos do STF para adotar essa posição? Essa questão pode ser ligada à outra: O que tem os direitos da personalidade a ver com isso? Traremos adiante alguns dos fundamentos mais importantes.

Nos termos do voto do Relator, Min. Marco Aurélio Mello, baseia-se o entendimento no fundamento da República Federativa do Brasil da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

Do voto do Eminente Ministro Edson Fachin, também extraímos que é fundamento da posição adotada pelo Supremo o direito à igualdade sem discriminações, do que decorre o direito à identidade de gênero, bem como o direito fundamental ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Tanto o direito à identidade de gênero quanto o direito ao livre desenvolvimento da personalidade são direitos da personalidade, na medida que são corolários dos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF).

São esses os principais apontamentos que tinha a fazer sobre essa importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal. Continuaremos a acompanhar as decorrências jurisprudenciais dessa ADI e, qualquer novidade, aqui postaremos. Bons estudos!

A persistência é o caminho do êxito.

Charles Chaplin

[1] DINIZ, Maria Helena. O ESTADO ATUAL DO BIODIREITO, São Paulo: Ed. SARAIVA, 9ª edição.

[2] REGISTRO PÚBLICO. MUDANÇA DE SEXO. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUMULA N. 211/STJ. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO. DECISÃO JUDICIAL. AVERBAÇÃO. LIVRO CARTORÁRIO. 1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça apreciar, em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional. 2. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pela Corte a quo. 3. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada, depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC. 4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive. 5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. 6. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ – REsp: 737993 MG 2005/0048606-4, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/11/2009, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2009.)

[3] RESOLUÇÃO CFM 1955/2010, publicada no D.O.U. de 03 de setembro de 2010, Seção I, p. 109-110. Disponível :http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.html

 

Thiago Deienno – Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (2011) e Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2013). Foi procurador da Procuradoria – Geral do Município de Uberlândia – MG, lotado no Procon Uberlândia (2012-2016),.Desde setembro de 2016 é defensor público de segunda categoria da DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, lotado na 1ª Defensoria do Jùri do NAJ Brazlândia.

 

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