‘Precisava de apenas uma chance’, conta advogado que morou na rua

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Nascido com deficiência em favela paulistana, Leandro Rocha conta trajetória.
Maleta jogada no lixo e casamento foram fundamentais para o sucesso.

Leandro Antunes Rocha costuma dizer que sua vida tinha tudo para dar errado. Nascido em uma favela da capital paulista sem a visão do olho esquerdo e com 50% da do olho direito, ele viveu em um vestiário, foi morador de rua e não se deixou conquistar pelo mundo das drogas porque não queria ser alcoólatra como o pai ou morrer pelo tráfico como os primos.

Hoje com 33 anos, advogado e presidente da Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Araraquara (SP), conta que dois fatores foram fundamentais para que, por fim, tudo desse certo: uma maleta do patrão de sua mãe e o casamento. “Eu sabia que precisava de apenas uma chance”, diz.

Morador de vestiário

Quando Rocha nasceu, em 16 de janeiro de 1983, sua família morava no Jardim dos Reis, uma favela na região do Capão Redondo. Sua mãe teve toxoplasmose  na  gravidez  e  ele nasceu  com a baixa visão e um problema no coração.

Oito meses após o parto, seus pais se separaram e anos depois, quando os médicos diagnosticaram que sua mãe tinha problemas mentais, começou uma saga com diferentes endereços. Ele morou com a avó materna e uma tia e, aos 10 anos, decidiu que queria conhecer o pai, na época treinador de futebol em Itapecerica da Serra.

Apesar do trabalho, o pai não conseguia pagar o aluguel e foi autorizado a levar a família para morar nos vestiários do estádio. “Um vestiário era cozinha e sala e o outro era o quarto. O bom era ter oito sanitários”, brincou o advogado.

Mas conhecer o pai e conviver com a madrasta e quatro irmãos não foi suficiente. Ele queria uma atenção que não recebia. “Ele trabalhava muito e passava muito tempo no bar”, recordou. Aos poucos, foi ficando horas e horas longe da casa/vestiário, parou de estudar e, prestes a completar 11 anos, foi morar na rua.

Não era gasolina

“De manhã, eu cuidava de carros em um supermercado. À noite, em um restaurante e dormia em uma casa abandonada. O garçom me dava comida, mas ninguém podia ver, então ele usava uma sacola limpa e colocava no lixo”, relatou.

Rocha ia às feiras tentar ganhar gorjetas carregando sacolas e, às vezes, recebia ameaças. Passava o dia com outros garotos, mas à noite era cada um por si. “O medo era constante. Jogavam água e falavam que era gasolina”.

Foram 14 meses assim, até o dia em que sua avó descobriu, foi buscá-lo e levá-lo para morar com os tios, agricultores em Itaporanga.

Nos dois anos em que passou na cidade, completou a 7ª série e parou. A escola ficava distante, era penoso passar a manhã carpindo café e depois trocar a enxada pelo caderno. Decidiu que o estudo era um ponto no passado, certeza que só desmoronou quando conheceu a futura esposa.

Promoção no elevador

Em 1998, o barraco em que a mãe de Rocha e sua irmã moravam foi demolido e elas se mudaram para um apartamento. Ele voltou para a capital para morar com elas, trabalhou como ajudante de pintor e de pedreiro e, aos 18 anos, saiu em busca de trabalhos formais.

Foi nessa época que ele conheceu Cássia David. Ela frequentava a mesma igreja que sua mãe e os dois se viram em uma festa. Após um ano e quatro meses de namoro e noivado, os dois decidiram se casar e, sem dinheiro, ele resolveu pedir uma promoção. “Era porteiro. Um dia, parei o diretor no elevador e disse que precisava de um cargo melhor porque estava prestes a me casar. Veio assim a vaga de mensageiro”, contou.

“A força de vontade interior e a positividade me encantaram. Ele é tão positivo que acaba dando certo e, quando não dá, diz que é porque vai vir uma coisa melhor”, explicou Cássia. “É o homem da minha vida”.

Aqui entra a maleta

Foi para Cássia que ele contou sobre a maleta. “Quando tinha 7 anos, minha mãe fazia faxina na casa de um advogado. Ele jogou fora uma maleta e a gente não tinha dinheiro para comprar mochila. A maleta foi minha mochila e decidi que queria ser advogado. Contei para minha esposa essa história e ela me incentivou a voltar a estudar”.

Concluído o ensino médio, ele se matriculou na universidade mais próxima da casa do sogro, onde morava com Cássia e os filhos. “Todo fim de ano mudava de universidade para fugir do aumento da matrícula”, lembrou. E em nenhuma delas havia qualquer adaptação para a deficiência.

“Me formei sem nunca enxergar uma lousa”, disse Rocha, que se valeu da atenção que prestava nas aulas e do estudo depois que as crianças iam para a cama. “Preciso ler muito perto do livro e tinha aquelas piadas, ‘vai comer a página’. Preferia estudar em casa”.

Mudança para Araraquara

Nos primeiros anos da faculdade, Rocha trabalhava como cobrador de ônibus. Assustado com a violência em São Paulo e considerando que o interior seria mais tranquilo para a criação de Leonardo, Nathan, diagnosticado com síndrome de Asperger, e Lavínia, pesquisou algumas cidades e escolheu se mudar para Araraquara.

Na cidade, trabalhou como estagiário da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e em um escritório. Cássia complementava a renda fazendo faxinas, bolos e artesanato, e o dinheiro era curto.

“Um dia, estava sem comer e não tinha 1 centavo. Passei no escritório de um amigo e peguei dois sachês de açúcar, aí consegui ir fazer prova”.

Quando veio o Exame da Ordem, a família não tinha condições de arcar com um cursinho. Ele foi aprovado estudando de madrugada e assistindo a videoaulas no YouTube. Dono do próprio escritório e bolsista de um curso de MBA da Universidade de São Paulo (USP), ele agora conta sua trajetória em palestras e está escrevendo um livro com Cássia.

“Eu acordava e pensava: ‘Preciso de apenas uma chance, preciso de uma chance’. Essa chance foi o casamento. A maleta construiu o sonho e o casamento foi o impulso. Ela foi a pessoa que mais acreditou em mim”.

Fonte: G1

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