O STF entendeu pela constitucionalidade das disposições da Lei n. 12.990/2014, que trata das cotas para negros e pardos nos concursos públicos.
O julgamento foi proferido por meio da ADC n. 41, que resultou na seguinte ementa:
Ementa: Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n. 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação promovida pela política de ação afirmativa em questão está em consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, contribui para sua realização em maior extensão, criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3. Por fim, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014. Tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. (ADC 41, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017)
A decisão acima referida é importante porque põe fim a uma série de questionamentos sobre a constitucionalidade da lei. Justamente por isso foi proposta uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, já que estava havendo dúvida na aplicação da norma, e, para evitar decisões conflitantes e garantir a segurança jurídica, o STF foi instado a se manifestar.
O STF entendeu que a reserva de vagas para negros e pardos não viola o princípio da eficiência, na medida em que os candidatos que optarem por disputar as vagas nos termos da lei de cotas deverão, como os demais, fazer concurso público. Esse era um dos principais questionamentos que se fazia acerca da lei.
Cabe ressaltar também que, em que pese a Constituição de 1988 não ter determinado que a Lei estipulasse vagas para negros e pardos, assim como fez com a situação das pessoas com deficiência, nada impede que o Ente Federativo, por meio de LEI, crie tal regra. Cite-se o caso de alguns Estados que criaram reserva de vagas para indígenas.
Na citada decisão, o STF admitiu o modelo da autodeclaração e de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. Vale dizer que o STF admitiu, ao arrepio do que está previsto na lei, um critério misto de autodeclaração e avaliação posterior. Na verdade, admitiu o sistema da heterodeclaração (a pessoa se declara negra ou parda, mas depois será avaliada por uma comissão). Alguns já denominaram pejorativamente de “Tribunais Raciais”.
Veja, a título de exemplo, como os editais de concurso vêm trazendo em seu corpo a avaliação posterior (Edital Cespe, concurso STJ 2017):
6.2 DO PROCEDIMENTO DE VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DECLARADA PARA CONCORRER ÀS VAGAS RESERVADAS AOS CANDIDATOS NEGROS
6.2.1 Os candidatos que se autodeclararam negros serão submetidos, obrigatoriamente antes da homologação do resultado final no concurso, ao procedimento de verificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros. 6.2.2 Para o procedimento de verificação, o candidato que se autodeclarou negro deverá se apresentar à comissão avaliadora. 6.2.2.1 A comissão avaliadora será formada por três integrantes que serão distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade. 6.2.3 Durante o processo de verificação, o candidato deverá responder às perguntas que forem feitas pela comissão avaliadora. 6.2.4 O procedimento de verificação será filmado pelo Cebraspe para fins de registro de avaliação e será de uso exclusivo da comissão avaliadora. 6.2.5 A análise da comissão avaliadora considerará o fenótipo apresentado pelo candidato na apresentação presencial. 6.2.5.1 Será considerado negro o candidato que assim for reconhecido como tal por pelo menos um dos membros da comissão avaliadora. 6.2.5.2 Os candidatos que não forem reconhecidos pela comissão avaliadora como negros, se recusarem a ser filmados, não responderem às perguntas que forem feitas pela comissão avaliadora ou os que não comparecerem para o procedimento de verificação na data, no horário e no local estabelecidos na consulta individual continuarão participando do concurso concorrendo às vagas de ampla concorrência, caso tenham pontuação para figurar entre os classificados. 6.2.5.3 Na hipótese de a comissão avaliadora constatar falsidade na declaração feita pelo candidato, poderá ser enviada a documentação à Polícia Federal para apuração da existência ou não de crime, nos termos da legislação penal vigente.
6.2.5.4 A decisão da comissão avaliadora quanto à permanência do candidato no concurso concorrendo às vagas reservadas não garante que o candidato permaneça no concurso posteriormente, caso constatada a falsidade em sua declaração.
6.2.6 Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Note que haverá uma espécie de entrevista com uma banca de três membros para determinar se a pessoa se enquadra ou não na condição de negro ou pardo, devendo pelo menos 1 membro da banca entender que a pessoa se enquadra para ser ‘aprovado’.
Note, também, que a banca considerará o fenótipo do candidato.
Segundo o conceito do site infoescola.com.br, fenótipo “é um termo da genética usado para descrever as características observáveis de um indivíduo, que resultam da interação dos fatores epigenéticos com o genótipo e os fatores ambientais não herdáveis. São exemplos de fenótipos os aspectos da morfologia, fisiologia, propriedades bioquímicas, comportamento e relações ecológicas de um organismo” (disponível em https://www.infoescola.com/genetica/fenotipo/).
Em termos mais claros, o fenótipo seria o conjunto de características observáveis. Tal critério é diferente do genótipo, que “pode ser definido como a constituição genética de um indivíduo, ou seja, o conjunto de genes recebidos do pai e da mãe. São esses genes, juntamente às influências do meio, que determinarão o fenótipo de um ser” (disponível em https://biologianet.uol.com.br/genetica/diferenca-entre-genotipo-fenotipo.htm).
Assim, o critério de avaliação da banca seria pela “aparência” do candidato, pelo que a banca observou. Por conta de tal critério, vários candidatos com histórico de descendência de negros ou pardos têm sido ‘reprovados’ nas entrevistas. De fato, muitos candidatos com quem já conversei dizem que a comissão observa o candidato, faz algumas perguntas e é só isso. Não fazem uma análise mais detalhada de seu histórico familiar.
A meu ver, o critério de avaliação do fenótipo que tem sido fixado pelos editais é ilegal, isso porque a LEI estabeleceu o critério da autodeclaração, no qual seria suficiente o candidato se autodeclarar negro. Porém, repita-se que o STF entendeu que é constitucional o modelo ‘misto’. Mas frisamos que tal modelo ‘misto’ deveria ser pelo menos com uma análise mais detalhada e cautelosa dos candidatos, a fim de não serem cometidas mais injustiças e não ser alcançado o escopo da lei, que é o de promover a inserção de pessoas que sejam negras e pardas.
Ao final do julgado, o STF fixou a seguinte tese: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”.
Entenda a lei:
A Lei n. 12.990/2014 determinou que sejam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, sendo a reserva feita sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três).
Podem concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
O critério utilizado para concorrer às vagas de negros é o da autodeclaração, no qual o candidato, no ato da inscrição, se autodeclara preto ou pardo.
Semelhantemente ao que acontece com as PCD, os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas que lhe são reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso. Ou seja, concorrem com os candidatos de ampla concorrência e, se tiverem pontuação para passar nessa lista, não será utilizada vaga restrita aos negros, deixando mais uma vaga a esta categoria.
Estabelece, ainda, a lei que a nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.
A lei terá vigência pelo prazo de 10 (dez) anos, a partir da data de sua publicação, que ocorreu em 09 de junho de 2014.
Gustavo Scatolino – Direito Administrativo – Atualmente é Procurador da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Administrativo e Processo Administrativo. Ex-Assessor de Ministro do STJ. Aprovado em vários concursos públicos, dentre eles, Analista Judiciário do STJ, exercendo essa função durante 5 anos, e Procurador do Estado do Espírito Santo.
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