A detenção de indiciado pelo encarregado de inquérito policial militar (art. 18 do CPPM) ainda sobrevive?

Por
4 min. de leitura

Todos conhecem o art. 18 do CPPM, que possibilita a detenção do indiciado pelo encarregado de inquérito policial militar, sem a necessidade de ordem judicial e mesmo fora das situações de flagrante delito.

Também não há novidade nenhuma na discussão dobre a recepção desse dispositivo, diante do inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal.

Entretanto, em tempos atuais, sente-se a falta de uma rediscussão dessa detenção (prisão) em face de novos vetores, principalmente da realidade de implantação da audiência de custódia na Justiça Militar da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Bem, iniciemos, para rememorar, pelo art. 18 do CPPM:

Detenção de indiciado

Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região, Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por via hierárquica.

Prisão preventiva e menagem. Solicitação

Parágrafo único. Se entender necessário, o encarregado do inquérito solicitará, dentro do mesmo prazo ou sua prorrogação, justificando-a, a decretação da prisão preventiva ou de menagem, do indiciado.

Com a natureza de prisão provisória (cautelar), o dispositivo, datado da edição do Código de 1969, sofreu uma redução considerável de sua aplicabilidade, em face do que dispõe o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal:

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Conclui-se, diante desse cenário, com Jorge César de Assis, que a detenção aqui explanada somente pode ser efetuada nos crimes propriamente militares (ASSIS, 2020, p. 93).

Com efeito, o teste de constitucionalidade leva à conclusão de que o dispositivo foi recepcionado em parte, mas, ainda assim, há muitas críticas em sua utilização. Ainda assim, é preciso ressaltar que a sua aplicação ocorre nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares, a exemplo do que ocorre no Distrito Federal, onde a discussão sobre o tema, por exemplo, ganhou corpo na Apelação n.  0714070-62.2017.8.07.0018, rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira, julgada em 30/01/2019, pela 3ª Turma Cível do TJDF.

No âmbito da Justiça Militar da União, pela observação de casos concretos, não se tem visto a aplicação do art. 18 do CPPM, havendo, em seu lugar, a aplicação da prisão por pronta intervenção, como a prevista no § 3º do art. 35 do Regulamento Disciplinar do Exército, aprovado pelo Decreto n. 4.346/2002. Neste exemplo, dispõe a norma que o “militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção”.

Mas, em se sustentando a recepção, qual seria o óbice atual para a aplicação do art. 18 do CPPM?

Como já suscitado, a realidade da audiência de custódia, que torna o dispositivo inaplicável ou, ao menos, inócuo.

Pelo disposto no art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, assimilado pelo ordenamento pátrio por meio do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992, qualquer “pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”.

A previsão se repete no art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada pelo Brasil através do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, segundo a qual toda “pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.

A audiência de custódia já é uma realidade nas Justiças Militares, embora a Lei n. 13.964/2019 tenha apenas consagrado o instituto no Código de Processo Penal comum (art. 311), o que não impede a aplicação em decorrência da fonte direta dos tratados internacionais apontados ou por analogia ao CPP. Aliás, atos normativos anteriores à Lei n. 13.964/2019 já comandavam sua aplicação na Justiça Castrense, como, na Justiça Militar da União, o faz a Resolução n. 228, de 26 de outubro de 2016, do Superior Tribunal Militar.

Bem verdade que o art. 1º da mencionada Resolução comanda apenas a necessária condução a um juiz nos casos de “flagrante  delito,  de  prisão decorrente de apresentação voluntária ou captura relativas aos delitos de deserção ou insubmissão, ou, ainda, de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva”, mas não há razão para excluir desse rol a detenção do art. 18 do CPPM, vez que não se trata de prisão disciplinar – e nem poderia, posto estar prevista na lei penal militar adjetiva –, mas de verdadeira prisão provisória de característica processual.

Deve-se anotar, ainda, o comando enumerado acima dos tratados internacionais menciona que qualquer pessoa presa deverá ser apresentada ao juiz o que torna inócua e impossível a detenção do art. 18 do CPPM, ao menos na extensão que a lei processual penal militar lhe deu. Ora, embora à luz do dispositivo possa esta detenção durar até 30 dias – o que já se mostra exagerado – com uma prorrogação, após a mencionada detenção, aplicando os dispositivos de tratados internacionais, sem demora, a autoridade militar deverá encaminhar o preso para a audiência de custódia e, necessariamente, o Juiz deverá apreciar a detenção, deliberando se a mantém, por exemplo, por requerimento de decretação de prisão preventiva do Ministério Público, a segregação do detido ou o coloca em liberdade, ou, ainda, se aplica medida cautelar diversa da prisão em homenagem à aplicação, por analogia, do art. 319 do CPP, mas, em qualquer dessas possibilidades, a autoridade militar já não mais terá a autonomia na custódia do indiciado detido.

Tem-se, assim, não ser mais possível a aplicação da detenção em comento, ao menos não na forma – entenda-se, extensão – que lhe dá o art. 18 do CPPM.

Referências:

ALVES-MARREIROS, Adriano; ROCHA, Guilherme; FREITAS, Ricardo. Direito penal militar: teoria crítica & prática. São Paulo: Método, 2015.

ASSIS, Jorge César de. Código de Processo Penal Militar anotado. Curitiba: Juruá, 2020.

CRUZ, Ione Souza; MIGUEL, Cláudio Amin. Elementos de direito penal militar: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1994.

Por
4 min. de leitura