Proteção Constitucional, Nomenclatura E Proteção Previdenciária Das Pessoas Com Deficiência (Parte 1).

Olá amigos e amigas do Gran!

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28 de Outubro de 2020

Estamos de volta!

Que tal falarmos hoje sobre uma das espécies de aposentadorias especiais? Alias, no capítulo X do nosso curso Direito Previdenciário em PDFs, pude falar neste mês sobre todas as aposentadorias programadas do RGPS, incluindo as aposentadorias especiais.

No artigo de hoje, vamos tratar do tema aposentadoria especial para pessoas “com deficiência”. Grifei a expressão “com deficiência” porque a primeira coisa a se falar é justamente sobre a terminologia adequada para nos referimos às pessoas com deficiência.

Mas, vamos combinar a exposição do aprendizado de hoje da seguinte forma: como o tema é amplo, quero abordá-lo em duas partes, em dois artigos sucessivos. Ok? No artigo desta semana, portanto, vamos tratar da proteção constitucional e da nomenclatura adequada para as pessoas com deficiência. Finalizo com a menção sobre os requisitos atuais da aposentadoria especial das pessoas com deficiência e ai, no artigo da próxima semana, trarei mais algumas informações sobre questões jurisprudenciais relacionadas à aposentadoria especial da pessoa com deficiência, abordando ambos os regimes previdenciários principais de nosso ordenamento (regimes próprios e regime geral).

Pois bem. Então vamos, agora, aprender as questões introdutórias sobre a proteção constitucional da pessoa com deficiência, especialmente no que toca à correta nomenclatura a ser usada nesses casos.

Nossa Constituição Federal de 1988, na origem, usava o termo “portadores de deficiência”. O uso desse termo pode ainda ser encontrado nos artigos: 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 203, IV e V; 208, III; 227, II e §2º; e 224, caput. Mas a partir da Emenda 94/16 e, no que toca à seguridade social, a partir da Emenda 103, contudo, passou-se a usar a expressão “pessoas com deficiência”, como se pode perceber da leitura das novas redações dadas aos seguintes artigos: 40, §4º-A; 100, §2º; 201, §1º, I.

Permita-me transcrever esses últimos três dispositivos para você, a fim de que tenhamos um entendimento mais detalhado sobre o assunto.

 

REDAÇÕES DADAS PELA EC 94/16

 

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.        (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).  (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)   (Vide ADI 4425)

 

(…)

  • Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016)

 

REDAÇÕES DADAS PELA EC 103/19

 

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

(…)

 

  • 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

 

………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………

 

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

 

(…)

  • 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

 

I – com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

 

O primeiro caso, inserido em nosso ordenamento pela Emenda 94/16, não se refere ao objeto de nosso estudo no momento, mas apenas para que você saiba, trata-se da previsão constitucional dos chamados precatórios superpreferenciais. As pessoas com deficiência entram nesse tipo de superprioridade. A deficiência deve ser apurada, para tanto, na forma do art. 2º, §1º, da Lei nº 13.146/15, que institui “a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)”.

Vamos às previsões que mais nos interessam.

Os demais casos, expressados pelos artigos 40, §4º-A e 201, §1º, I, da Constituição, referem-se a duas alterações promovidas pela Emenda 103, última reforma da previdência.

A expressão “pessoas com deficiência” usada nesses dispositivos foi escorada no conceito adotado pela lei mencionada acima (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Foi por meio desse Estatuto que se abandonou a expressão “portadores de deficiência”, passando-se a adotar “pessoas com deficiência.

E essa alteração tem uma motivação de origem normativa internacional.

É que o Brasil é signatário da CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.

Essa Convenção foi assinada em Nova Iorque no ano de 2007, tendo sido incorporada ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

Cabe frisar que o Decreto Legislativo 186/08 – que, então, ratificou a assinatura do tratado pela República Federativa do Brasil – foi votado sob o rito de aprovação das emendas constitucionais. Por isso, a internalização da Convenção de Nova Iorque Sobre Pessoas com Deficiência no Brasil foi implicou que as normas desta sejam consideradas emendas constitucionais, integrando-se, pois, ao BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE.

Apenas para relembrar, esse tipo de internalização de tratados internacionais está previsto no art. 5º, §3º, de nossa Constituição, que assim diz:

 

Art. 5º. (…)

 

(…)

 

Nesse passo, o art. 1º da Convenção assinala a nomenclatura a ser usada, elegendo a expressão “pessoas com deficiência” como a terminologia constitucional a ser tomada como paradigma para as demais instâncias normativas.

 

Vejamos:

Artigo 1

Propósito

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

 

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

 

Por conta da norma acima, embora seis anos mais tarde, foi aprovada a Lei n. 13.146/15, momento a partir do qual passamos a usar definitivamente no plano infraconstitucional a expressão “pessoas com deficiência”, substituindo a anterior expressão “portadores de deficiência” ou “portadores de necessidades especiais”. Como disse no início do artigo a Lei n. 13.146/15 é “a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)”.

Antes da edição da LBI, cabe frisar, a própria Lei Complementar n. 142/13 já havia adotado a expressão “pessoas com deficiência”, na esteira da internalização da Convenção de Nova Iorque.

Além de dar normatização geral sobre as pessoas com deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência promoveu também alterações na Lei Orgânica da Assistência Social, a Lei n. 8.742/93, dando nova conformação ao conceito de deficiência para fins de percepção do benefício assistencial à pessoa com deficiência, benefício esse previsto constitucionalmente no art. 203, V, CF.

Na Lei n. 8.742/93, portanto, a LBI deu nova redação ao §2º, do art. 20, que assim passou a constar:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.  (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)  (Vide Lei nº 13.985, de 2020)

 

(…)

  • 2oPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

 

Como se vê, a redação dada ao §2º, do art. 20, da LOAS, é a cópia literal do disposto no art. 1º, da Convenção de Nova Iorque.

Ok, professor, já entendi que a mudança de nomenclatura decorreu de uma norma internacional, a Convenção de Nova Iorque. Mas por quais motivos foi feita essa alteração de nomenclatura?

Os motivos da alteração são, essencialmente, ligados ao máximo cuidado e respeito com as pessoas com deficiência, de modo a não discriminá-los e taxa-los como se estivessem condenados a “portar”, “carregar” ou “suportar” uma deficiência. A perspectiva negativa do uso da expressão “portadores” é que a deficiência em tal prisma legal passa a ser considerada pela sociedade, ao menos do ponto de vista normativo, tal como se fosse uma carga pesada.

Essa carga, a ser portada, então, acaba por imprimir, por tal viés conceitual, a ideia que sua existência obstaculiza e dificulta a dinâmica social e econômica de quem a “porta”, de quem a “carrega”. E o reflexo disso, ainda que subliminar, seria a segregação, ao contrário da inclusão social.

Aliás, interessante anotar que se tem preferido, ainda, um movimento conceitual de “inclusão” em substituição ao de “integração”. A INTEGRAÇÃO transmite a percepção de um movimento unilateral da pessoa com deficiência, pelo qual ela própria é que deveria per si se esforçar para se adaptar ao meio social proeminente, superando os obstáculos físicos, mentais, sensoriais, etc. Já a INCLUSÃO é um movimento mais amplo, calcado na bilateralidade de comportamentos que visem à total participação da pessoa com deficiência em todos os aspectos da sociedade. Pela inclusão, é a sociedade que deve se esforçar, em conjunto com a pessoa com deficiência, para que aqueles obstáculos sejam assimilados. A diferença de capacidades é respeitada, afastando-se qualquer estigmatização das pessoas com deficiência. Eventual distinção no potencial físico, mental e sensorial dessas pessoas deve ser considerada dentro do respeito à diferença, bem como do respeito à individualidade. Por meio de uma política em nível inclusivo, portanto, damos mais concretude à proteção constitucional da dignidade da pessoa humana.

 

A própria Lei n. 13.146/15 usa o conceito de “inclusão”, instituindo a “Lei Brasileira de INCLUSÃO da Pessoa com Deficiência”. Veja, nesse sentido, seu art. 1º, caput:

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

 

Ademais, o art. 37, da LBI, demonstra que o conceito de inclusão repercute na “colocação competitiva” das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em “igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária”. Para essa colocação competitiva, em igualdade de condições, devem ser atendidas as regras de acessibilidade, com eventual fornecimento de tecnologia assistiva (por exemplo: leitor robótico de tela de computador), buscando-se, sempre a adaptação razoável no ambiente de trabalho, pois somente assim é que haverá igualdade de oportunidades.

 

Por fim, no aspecto que mais nos interessa no presente artigo, temos que o art. 41, da LBI, diz que a “pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem direito à aposentadoria nos termos da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013”. Com isso, temos as seguintes percepções em relação à aposentadoria especial da pessoa com deficiência:

 

  • a NORMA-MATRIZ PREVIDENCIÁRIA das pessoas com deficiência é encontrada, hoje, e desde a EC 103, nos artigos 40, §4º-A e 201, §1º, I, ambos da Constituição, respectivamente, para os servidores públicos e para os segurados do RGPS;
  • a norma-matriz previdenciária das pessoas com deficiência encontrada em tais dispositivos constitucionais determina que é a LEI COMPLEMENTAR que indicará com precisão quais são os quantitativos de IDADE e TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO diferenciados para a aposentadoria de servidores com deficiência e de segurados do RGPS com deficiência.
  • tanto para os servidores públicos ( 40, §4º-A), quanto para os segurados em geral do RGPS (art. 201, §1º, I), exige-se que haja AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL REALIZADA POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E INTERDISCIPLINAR.

 

Vejamos o quadro-síntese:

APOSENTADORIA ESPECIAL

DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

(norma-matriz previdenciária)

Aposentadoria Especial de SERVIDORES com deficiência IDADE e TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO estabelecidos em Lei Complementar Deve ser feita avaliação biopsicossocial da deficiência, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar
Aposentadoria Especial de SEGURADOS DO RGPS com deficiência IDADE e TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO estabelecidos em Lei Complementar Deve ser feita avaliação biopsicossocial da deficiência, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar

 

Bom, como o assunto é complexo, vamos deixar essa primeira explanação apenas com as informações acima. Na próxima semana, eu continuo na explanação sobre as pessoas com deficiência, dando ênfase para a proteção previdenciária delas, no quanto relativo à aposentadoria, dando maiores detalhes sobre a aplicação da Lei Complementar n. 142/13.

 

Um abraço e até breve!

Frederico Martins.

Juiz Federal do TRF-1

Professor do Gran Cursos

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28 de Outubro de 2020