Olá pessoal, tudo certo?
O Supremo Tribunal Federal concluiu recentemente o julgamento acerca de um importantíssimo tema que divide parcela da doutrina. Refiro-me à natureza da competência para processamento e julgamento de feitos relacionados a infrações de menor potencial ofensivo pelos Juizados Especiais Criminais.
De acordo com a Procuradoria Geral da República, ao apresentar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5264, os JECRIM´s seriam dotados de competência absoluta, em razão da matéria, para processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo[1], pela qual é inderrogável e improrrogável pela aplicação de institutos de natureza infraconstitucional, como a conexão ou continência, para julgamento na Justiça Comum ou no Tribunal do Júri daquelas infrações.
Esse entendimento foi refutado pela Ministra Carmen Lúcia para quem “pelo princípio do juiz natural a competência para o processo dá-se em previamente designado na Constituição ou na lei, vedando-se, no sistema jurídico, juiz de exceção. Entretanto, não se determinou a exclusividade dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, mas a observância do procedimento célere e dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995”.
Sobre esse tema, a Ministra indica o estranhamento pelo fato de a PGR não impugnar a constitucionalidade de todas as normas que trazer modificação de competência do Juizado Especial para o comum na ADI. Afinal, se o entendimento é de que a competência é absoluta, ela seria incompatível com toda e qualquer possibilidade de prorrogação.
No entanto, o § 2º do art. 77 e parágrafo único do art. 66 da Lei n. 9.099/1995 trazem a previsão de outras duas causas modificativas da competência do Juizado Especial para o juízo comum, a saber, a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória e o réu não ser encontrado para a citação pessoal, situações essas que não foram impugnadas na ação.
Ademais, houve o registro de que os institutos despenalizadores não dependem do juízo em que tramita o processo, mas se constituem como garantia individual do acusado e, como tais, devem ser asseguradas independentemente do juízo em que tramitam os feitos envolvendo as infrações de menor potencial ofensivo.
Sobre o tema, Eugênio Pacelli advoga que “(…) a) nenhuma privatividade dos Juizados para o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, como facilmente se percebe da leitura do art. 98, I, CF; b) qualquer competência material, rigorosamente falando, isto é, em razão do direito material, que pudesse exigir a criação de uma Justiça especializada. O que é especializado nos Juizados é o rito procedimental e a possibilidade de transação penal, consoante os termos do art. 98, I, da Constituição. (…) É bem de ver, porém, que nos Juizados Criminais, pelo menos no que diz respeito à conceituação das espécies de jurisdição, não se exerce jurisdição especial, uma vez que o seu objeto é o Direito Penal comum, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a jurisdição eleitoral e a jurisdição militar. Naquela (a eleitoral), ainda que não se possa falar rigorosamente em Direito Penal especial, o fato é que o objeto e sua tutela é inegavelmente específico, o que, a nosso aviso, permite, ao lado das especificidades ocorridas também na formação de seus órgãos jurisdicionais, a denominação de jurisdição especial. Em razão disso, quando presente o concurso de infrações, a reunião de processos ocorrerá fora dos Juizados, segundo os critérios do citado art. 78 do CPP. E se já pensávamos assim desde as primeiras edições deste Curso, agora ficamos na confortabilíssima companhia da Lei. De fato, a Lei 11.313/06, como vimos, alterando a redação do art.60, parágrafo único, da Lei 9.099/95, e, também, do art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01, ressalva expressamente a (in)competência dos Juizados Criminais quando as referidas infrações forem conexas e/ou continentes om outras, da competência do juízo comum ou do tribunal do júri. E, acrescentaríamos nós: também de qualquer outra jurisdição ressalvada em Lei ou na Constituição da República. Nessas situações, nada impedirá a aplicação das normas mais favoráveis previstas na Lei n. 9.099/95, adotando-se, se for o caso, a unidade apenas do juízo e não do processo. Assim, reunidos diversos e diferentes procedimentos (e crimes), nada obstará, no mesmo juízo, a adoção da transação penal, se for o caso, para o processo originariamente da competência dos Juizados”[2].
Segundo a Ministra, “se praticada infração penal de menor potencial ofensivo em concurso com outra infração penal comum e deslocada a competência para a Justiça Comum ou Tribunal do Júri, não há óbice, senão determinação constitucional, à aplicação dos institutos despenalizadores da transação penal e da composição civil dos danos quanto à infração de menor potencial ofensivo, em respeito ao devido processo legal”. Vale dizer ainda que não se deve somar à pena máxima da IMPO com a da infração conexa (de maior gravidade) para excluir a incidência da fase consensual e ser invocada como fator impeditivo da transação penal ou composição civil dos danos.
A conclusão da Ministra Relatora, na qual foi seguida à unanimidade pelos Ministros da Suprema Corte, foi no sentido de que os JECRIM´s ostentam competência relativa para julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, pela qual se permite que essas infrações sejam julgadas por outro juízo com vis atractiva para o crime de maior gravidade, pela conexão ou continência, observados, quanto àqueles, os institutos despenalizadores, quando cabíveis.
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!
Vamos em frente.
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] “Consideram infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulado ou não com multa”.
[2] Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2012. p. 563 e 571.
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