Jurisprudência 5 – O Direito de retirada de sócio – incidência da apuração de haveres

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Informativo de Jurisprudência
Informativo n. 0608
Publicação: 30 de agosto de 2017

PROCESSO REsp 1.332.766-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 1/6/2017, DJe 1/8/2017.
RAMO DO DIREITO DIREITO EMPRESARIAL
TEMA Ação de dissolução parcial de sociedade limitada. Sócio que detém parte das quotas sociais empenhadas. Apuração de haveres. Deferimento apenas àquelas livres de ônus reais, com exclusão de qualquer possibilidade de participação do sócio retirante.

 

DESTAQUE
A dissolução parcial de sociedade limitada por perda da affectio societatis pode ser requerida pelo sócio retirante, limitada a apuração de haveres às suas quotas livres de ônus reais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão controvertida consiste em saber se é possível, em ação de dissolução parcial de sociedade limitada, para o exercício do direito de retirada do sócio, por perda da affectio societatis, o requerimento de haveres correspondentes apenas às quotas livres de ônus reais, em vista da existência de penhor de parte das quotas do sócio retirante. Ressalta-se que a peculiaridade do caso reside no fato de o sócio retirante deter 13,68% do capital social, sendo que 6,08% se encontram empenhadas em favor de terceiros, que não são parte no feito de dissolução. Segundo a doutrina, para a constituição do penhor, a lei requer a tradição da coisa empenhada, a posse por parte do credor do bem dado em garantia da obrigação assumida pelo devedor, não permitindo que se aperfeiçoe o penhor pelo constituto possessório, isto é, ficando a posse da coisa com o devedor. Somente nos casos especiais, mencionados no Código Civil, é admitido o penhor com a cláusula constituti: no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, por efeito da cláusula constituti. Com efeito, em linha de princípio, não caracterizando modalidade prevista em lei de penhor especial (hipóteses supramencionadas), não parece mesmo possível ao dador requerer a dissolução parcial da sociedade limitada, para apurar também os haveres correspondentes às quotas sociais empenhadas, pois, pelo penhor, ocorre a transferência da posse, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente. É pertinente rememorar que, à luz do art. 14 do CPC/1973, são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé [art. 5º do NCPC]. Nessa esteira de raciocínio, não se mostraria razoável o pleito para apuração de haveres das quotas empenhadas, por aquele que delas não pode dispor, pois caracterizaria verdadeira defraudação do instituto de garantia real.

 
Vamos analisar as regras!
É importante ressaltar que as regras da sociedade limitada estão adstritas nos arts. 1.057 a 1.087 do CC. Caso não haja regra própria regulada nos arts. 1052 a 1087, deve-se observar a regra do art. 1053 do CC, que dispõe o seguinte:
Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
A sociedade limitada é uma sociedade contratual e, por isso, um dos seus elementos internos de composição é a affectio societatis ou bona fideis societatis, que corresponde ao elemento subjetivo, intencional, que denota a vontade, por parte do sócio, de contrair a sociedade.
O direito de retirada ou recesso ocorre quando o sócio não deseja mais se manter nos quadros societários (quebra da affectio societatis). Assim, o sócio retirante solicita à sociedade a liquidação de suas quotas. Esse direito pode surgir na impossibilidade de cessão de suas quotas a outrem ou quando for sócio dissidente, por se tratar de um direito potestativo (BERTOLDI, 2011, p. 208).
Motivos de retirada da sociedade:
O art. 1.077 do CC prevê que “quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031”. Deve ser incluído no dispositivo o direito de recesso em caso de cisão da sociedade (AQUINO, 2015, p. 234).
Caso o contrato seja omisso à regência supletiva, devem ser aplicadas as regras da sociedade simples (art. 1.053 do CC); em especial, o art. 1.029 do CC, que dispõe:
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.
O dispositivo consagra o recesso imotivado em sociedade por prazo indeterminado. Entretanto, se a sociedade for por prazo determinado, a retirada não pode se efetuar imotivadamente, sendo, ao contrário, necessário que o sócio fundamente seu pedido em justa causa (que diz respeito às obrigações dos sócios com a sociedade).
Dessa forma, para que o sócio de uma sociedade por prazo determinado possa pleitear a retirada com fulcro no art. 1.029 do CC, é primordial demonstrar que o contrato social, firmado com os demais membros, não está sendo devidamente cumprido, ao menos em relação a ele.
No caso em tela, a questão envolve situações de insubordinação em relação aos atos praticados pelos gestores, “tendo em vista sua participação original, pois viu sua posição – como presidente – desrespeitada, e os rumos da sociedade passaram a ser decididos pela Iansa e executados pela diretoria, sem que pudesse, como sócio, contrapor-se.”
E complementa que
Argumenta que entende que a gestão não condiz com os interesses da sociedade, havendo favorecimento de terceira sociedade empresária pertencente à controladora, em detrimento dos interesses sociais, e que a gestão empreendida vem resultando em passivos e necessidade de aportes de capital para investimentos – considerando-se “literalmente enganado pela IANSA”, que “infringiu regras expressas do Acordo de Acionistas, do Contrato Social e consequentemente do processo legislativo incidente”.
Na legislação aplicável ao caso, a regra seria:
Acenam que o Tribunal estava limitado a apreciar a possibilidade, ou não, da liquidação parcial das quotas e a procedência do pedido indenizatório, e, ao impor à recorrente Sófruta o ônus de tutelar as quotas do recorrido, acabou por violar os arts. 128 e 460 do CPC/1973.
Sustentam que o Decreto n. 3.708/1919, vigente por ocasião dos fatos, permitia à sociedade limitada adquirir as suas próprias quotas, contanto que houvesse acordo entre os sócios e fundos disponíveis para tanto, observando-se o capital estipulado no contrato.
Na atual legislação que regula a matéria (Código Civil e Código de Processo Civil), há a possibilidade de exercício do direito de retirada pela quebra da affectio societatis, bem como a forma de apuração dos haveres (liquidação das quotas).
Nas sociedades contratuais empresariais, em geral limitadas, existem três hipóteses de apuração de haveres, a saber: 1) por morte de sócio; 2) por retirada de sócio; 3) por exclusão de sócio.
Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário (Art. 1.031 do CC).
É importante ressaltar que, para evitar a liquidação das quotas, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria (art. 861, § 1º, do Novo CPC).
A solução conferida, no tocante às quotas empenhadas – consoante decidido pelo Tribunal de origem, permanecerão “em tesouraria”, em nada afetando a boa gestão social –, é equânime e se atenta às peculiaridades do caso, contemplando os interesses das partes e dos credores do autor, e tem esteio no princípio da conservação da empresa (evitando-se dissolução nem mesmo requerida para pagamento de haveres referentes às quotas empenhadas).
É salutar que o requerente do direito de retirada possa exercer o seu direito de saída com direito ao reembolso do efetivo direito de que é possuidor e proprietário, pois, se há quotas com restrições, como as dadas em garantia ou qualquer outro direito real, o seu titular não poderá livremente utilizá-las ou mesmo ser reembolsado dos valores delas, enquanto durar o direito real.
Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.
Os direitos reais de garantia consistem na atribuição ao credor de uma garantia real sobre bem que continua a ser de propriedade do devedor, tendo característica de acessoriedade, não subsistindo por si só, cessando, pois, sua existência com a extinção da obrigação garantida, visto que sua finalidade é responder pelo cumprimento da obrigação principal. (RIZZARDO, 2009, p. 1.024).
Nesse sentido, a decisão do STJ foi a seguinte:
Por um lado, cuida-se de ação de dissolução parcial de sociedade limitada para o exercício do direito de retirada do sócio, por perda da affectio societatis, em que o autor reconhece que parte de suas quotas sociais estão empenhadas, requendo os haveres correspondentes apenas àquelas que estão livres de ônus reais. Por outro lado, é um lídimo direito de sócio de sociedade limitada, por prazo indeterminado, o recesso, coibindo eventuais abusos da maioria e servindo de meio-termo entre o princípio da intangibilidade do pacto societário e a regra da sua modificabilidade.
Dessa forma, o direito de retirada está em harmonia com as regras contidas no Código Civil e no Código de Processo Civil, permitindo o direito de retirada por perda da affectio societatis, mas o direito à apuração dos haveres estará limitado às quotas livres e desimpedidas, o que significa que as quotas dadas em penhor para garantir determinada dívida serão mantidas em tesouraria da sociedade, o que ocasionará a não interferência do sócio retirante na gestão da empresa.
 
Uma eventual questão de concurso poderia abordar o assunto da seguinte forma:
Nelson, sócio da empresa Sófruta Indústria Alimentícia Ltda., deseja se retirar da sociedade e que sejam apurados os seus haveres, alegando quebra da affectio societatis. As suas quotas estão em parte gravadas por penhor. Sabe-se que a regência subsidiária da sociedade são as regras da sociedade simples. Diante da afirmação e segundo a jurisprudência do STJ, assinale a alternativa correta.

  1. A boa-fé atua como limite ao exercício de direitos, não sendo cabível cogitar-se em pleito vindicando a dissolução parcial da sociedade empresária, no tocante aos haveres referentes às quotas sociais que estão em penhor, em garantia de débito com terceiros.
  2. Deve ocorrer a apuração dos haveres em fase de cumprimento (arbitramento) considerando o valor real das quotas na data do ajuizamento de todas as quotas, inclusive aquelas vinculadas ao penhor.
  3. Para evitar a liquidação das quotas, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, distribuindo entre os sócios remanescentes, sendo proibido a manutenção das quotas em tesouraria.
  4. A entrega ficta da posse direta das quotas é constitutiva do penhor. Sem ela, não há direito real de garantia. Antes da entrega ficta das quotas, há apenas promessa de penhor, que constitui mera obrigação de fazer, de cunho estritamente pessoal.

 
Gabarito: A
Referência:
AQUINO, Leonardo Gomes de. Curso de direito empresarial: teoria da empresa e direito societário. Brasília: Editora Kiron, 2015.
BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BRASIL, STJ. REsp 1377908/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 01/07/2013
BRASIL, STJ. REsp 1178500/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/12/2012, DJe 18/12/2012
BRASIL, STJ. REsp 1377908/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 01/07/2013
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.


Leonardo Aquino –  Direito Empresarial – Advogado
Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.



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