A Constituição Federal assegura que nenhum brasileiro nato será entregue, pelo governo brasileiro, a nação estrangeira para que cumpra pena por eventuais crimes cometidos naquele território.
Não obstante, em respeito aos tratados, convenções ou acordos de reciprocidade com nações estrangeiras, não há essa garantia ao estrangeiro condenado em outro país que ingresse ao território nacional. Assim, o estrangeiro poderá ser extraditado a qualquer tempo e a qualquer país onde tenha transgredido a lei.
Para que isso se concretize, estabeleceu-se, no artigo 102, inciso I, alíneas g, da Constituição Federal, a competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento do processo de extradição.
Dessa feita, o processo extradicional tem início com uma nota verbal enviada pela embaixada do país requerente. Assim sendo, é recebida pelo Ministério da Justiça, que analisa os pressupostos de admissibilidade exigidos na lei e, posteriormente, a encaminha ao Supremo – por meio de ofício. Ao ministro-relator caberá a análise dos requisitos de procedibilidade do processo extradicional.
Dessarte, o primeiro ato do relator, hodiernamente, é determinar, automaticamente, a prisão preventiva do extraditando (PPE), uma vez que a custódia cautelar para extradição é, na visão do Supremo, pressuposto necessário do processo, o qual se iniciará somente após a detenção do procurado; porquanto, nesse sentido, não basta o extraditando responder ao processo, deve aguardar encarcerado, ficando à disposição da Corte Maior.
Esse entendimento fora firmado a partir da revogada Lei n. ° 6.815/1980, que dispunha:
Art. 81. O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal.
Dessa referida lei, extrai-se, em sentido complementar, o artigo 84, o qual concebia que:
Efetivada a prisão do extraditando (art. 81), o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único: A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue (destacou-se).
A partir desses dispositivos, gerou-se o, ainda vigente, art. 208, do Regimento Interno do STF (RISTF), a preceituar que: “não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal”; e, de igual modo, o art. 213 do RISTF, o qual estabelece que: “o extraditando permanecerá na prisão, à disposição do Tribunal, até o julgamento final”.
Nessa direção, o Plenário do Supremo pacificou, no julgamento do HC 71.172, de relatoria do Min. Celso de Mello, dentre outros[1], o seguinte entendimento:
[…] A prisão do súdito estrangeiro constitui pressuposto necessário ao regular processamento da ação de extradição passiva. A privação da liberdade individual do extraditando não está sujeita a prazos predeterminados em lei, devendo perdurar, ressalvada a hipótese excepcional de prisão preventiva (Lei nº 6.815/80, art. 82, parágrafos 2. e 3.), até o julgamento final da extradição pelo Supremo Tribunal Federal, vedada a admissão de modalidades substitutivas do regime prisional fechado. – A prisão ordenada em sede extradicional tem por finalidade específica submeter o extraditando ao poder de disposição do Supremo Tribunal Federal. […] (destacou-se).
Note-se, porém, que a revogada Lei 6.815, que disciplinava o processo extradicional, é de 1980 – a dizer, fora promulgada anteriormente a Constituição – ou seja, o sistema constitucional vigente não mais suporta a obrigatoriedade da prisão como condição sine quo non à procedibilidade de extradição[2]. Ainda, destaca-se que referida lei fora editada no contexto ditatorial, o que dispensa maiores esclarecimentos.
Em que pese o Supremo já haver concedido medidas alternativas à custódia, somente o faz em casos excepcionalíssimos[3]. Conforme alertado pelo Min. Gilmar Mendes, voz da liberdade na Corte, “apenar de sua especificidade e da necessidade das devidas cautelas em caso de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, é desproporcional o tratamento que vem sendo dado ao instituto”[4].
Ressalta-se, por oportuno, que tal prisão tem caráter cautelar – ou seja, deveria se observar os requisitos da lei processual penal antes da expedição do mandado de prisão. No entanto, olvida-se o Supremo que o estrangeiro, de igual modo ao nacional, é sujeito de direitos e, como tal, merece o direito de responder ao processo de extradição em liberdade – quando a prisão não for necessária -, pois não são raros os casos de indeferimento do pedido extradicional, após os trâmites legais.
Obtém-se à lição de Rodrigo Capez que a prisão “jamais pode ser a regra. Constitui a ultima ratio e, dado o seu caráter excepcional, somente dever ser adotada quando as medidas cautelares diversas se mostrarem inadequadas ou insuficientes, em face da situação de perigo criada pelo comportamento do imputado (periculum libertatis) ”[5].
Não por outra razão, o Poder Legislativo, embora tardiamente, promulgou a lei n. ° 13.445 de 25 de maio de 2017, conhecida como Lei de Migração. Sem embargo, atentou-se ao paradigma em relação à obrigatoriedade de prisão do extraditando e, em respeito aos mandamentos constitucionais, consagrou o valor devido ao direito à liberdade – ou seja, a prisão cautelar do estrangeiro deverá ser exceção e, ao decretá-la, o fará de forma fundamentada. Contempla-se dos noviços artigos:
Art. 84. Em caso de urgência, o Estado interessado na extradição poderá, previamente ou conjuntamente com a formalização do pedido extradicional, requerer, por via diplomática ou por meio de autoridade central do Poder Executivo, prisão cautelar com o objetivo de assegurar a executoriedade da medida de extradição que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, deverá representar à autoridade judicial competente, ouvido previamente o Ministério Público Federal.
§ 1° O pedido de prisão cautelar deverá conter informação sobre o crime cometido e deverá ser fundamentado, podendo ser apresentado por correio, fax, mensagem eletrônica ou qualquer outro meio que assegure a comunicação por escrito.
[…]
Art. 86. O Supremo Tribunal Federal, ouvido o Ministério Público, poderá autorizar prisão albergue ou domiciliar ou determinar que o extraditando responda ao processo de extradição em liberdade, com retenção do documento de viagem ou outras medidas cautelares necessárias, até o julgamento da extradição ou a entrega do extraditando, se pertinente, considerando a situação administrativa migratória, os antecedentes do extraditando e as circunstâncias do caso” (destacou-se).
Andou bem o legislador, uma vez que uma decisão de tamanha invasividade não poderia ser tomada por mera intuição, senão por uma decisão racionalmente justificada[6].
O Brasil, assim sendo, com a novel Lei de Migração, entra em sintonia com a Constituição, tratados e demais convenções, uma vez que se opta por uma medida de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo[7].
O Min. Rogerio Schietti, em lúcido magistério, citando Binder, diz que:
O poder penal é um poder violento, e como consequência disto existe o princípio de ultima ratio, que é próprio de um Estado de Direito em uma sociedade democrática, que indica o dever do Estado de utilizar o poder penal o menos possível. (…) devem-se definir os fins do processo, não só como gerador das condições para um castigo justo ou não-arbitrário, senão, e isto parece paradoxal, que devemos sustentar que sua finalidade é evitar o castigo, enquanto seja evitável, e minimizá-lo, enquanto seja minimizável. E isso não é mais do que uma manifestação desse princípio de ultima ratio (destacou-se).
Por tudo isso, é estarrecedor, contemporaneamente, mesmo com o avanço à prevalência dos direitos humanos, ainda haver prisões cautelares obrigatórias e automáticas; posto que o extraditando, em igualdade ao nacional, é titular de direitos fundamentais, devendo ser-lhe assegurado os direitos e liberdades básicas inerentes a todos os seres humanos.
Doravante, em razão da mudança legislativa, é essencial uma mudança na mentalidade em relação à prisão cautelar do estrangeiro, conforme bem sintetizado pela Min. Maria Thereza de Assis Moura, na ocasião da resistência de alguns atores jurídicos à aplicação de medidas cautelares:
Umas das principais alterações está na mudança de mentalidade em relação ao raciocínio que inspirou o Código de Processo Penal de 1940. Com a reforma, a liberdade, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, é a regra, nos termos do que dispõe, desde 1988, a Constituição da República (art. 5. °, LXVI), e a prisão, a exceção. Isto significa que a prisão preventiva tem caráter de subsidiariedade, somente sendo admitida quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 282, §6. °)[8] (destacou-se).
O dever de cooperação internacional, portanto, na repressão dos delitos, não exonera o país, tampouco o Supremo, de resguardar os diretos essenciais dos súditos estrangeiros, devendo-se estabelecer um novo paradigma às prisões cautelares nos processos de extradição, em consonância à nova Lei de Migração.
Fonte: Empório do Direito
Por: Alan Kardec Cabral e Rogério Leal
[1] Habeas Corpus n. 90.070, reI. Min. Eros Grau, DJ 30.03.2007.
[2] No mesmo sentido, ADPF n. 425/DF.
[3] Ext 974; Ext 1121; PPE 760.
[4] STF, DJ 14.mar.2008, HC 91657/SP, ReI. Min. Gilmar Mendes.
[5] Prisão e Medidas Cautelares Diversas: A individualização da Medida Cautelar no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 37.
[6] CAPEZ. Rodrigo. Prisão e Medidas Cautelares Diversas: A individualização da Medida Cautelar no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 39.
[7] LOPES JUNIOR, Aury. Prisões cautelares. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 19.
[8] Direito penal como crítica da pena. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 438.
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