Crimes Hediondos e Equiparados – O Histórico da progressão de regime de cumprimento de pena

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A antiga redação do art. 2º da Lei n. 8.072/1990 afirmava que a pena privativa de liberdade por crime previsto na lei deveria ser cumprida em regime integralmente fechado.
Em 1997, a Lei de Tortura inovou no ordenamento jurídico dispondo que era possível que o condenado por tal delito pudesse progredir de regime. Muitos sustentaram que tal possibilidade deveria ser dada aos demais crimes hediondos e equiparados. Contudo, o STF, por meio da Súmula n. 698, afirmou que não se estenderia aos demais crimes hediondos e equiparados a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.
A súmula perdeu a razão de ser com a declaração de inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime, prevista na Lei dos Crimes Hediondos, e a consequente alteração realizada pela Lei n. 11.464, de 2007.
Vale indicar que a antiga redação do art. 2º não encontrava perfeita sintonia com o princípio constitucional da individualização da pena. Assim, quase 16 anos depois da edição da Lei dos Crimes Hediondos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, no julgamento do HC n. 82.959, que a vedação de progressão de regime ofendia, em sua essência, a regra constitucional em estudo.

Pena. Regime de cumprimento. Progressão. Razão de ser. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semiaberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. Pena. Crimes hediondos. Regime de cumprimento. Progressão. Óbice. Art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990. Inconstitucionalidade. Evolução Jurisprudencial. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990. (STF – HC nº 82.959/SP, Pleno.)

Com o advento da Lei n. 11.464/2007, art. 2º, § 1º, a progressão do regime passou a ser expressamente admitida.
Assim, se o apenado for primário, a progressão ocorrerá após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena; se reincidente, após o cumprimento de 3/5 (três quintos).
Em 2012, o Plenário do STF declarou inconstitucional a obrigatoriedade do início do cumprimento da pena em regime fechado, no caso de condenação por crimes hediondos ou equiparados. Vejamos notícia extraída do sítio www.stf.jus.br, acesso em 12/07/2012:

“Condenado por tráfico pode iniciar pena em regime semiaberto, decide STF

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, durante sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (27), o Habeas Corpus (HC) 111840 e declarou incidentalmente* a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual prevê que a pena por crime de tráfico será cumprida, inicialmente, em regime fechado.

No HC, a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo pedia a concessão do habeas para que um condenado por tráfico de drogas pudesse iniciar o cumprimento da pena de seis anos em regime semiaberto, alegando, para tanto, a inconstitucionalidade da norma que determina que os condenados por tráfico devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado.

O julgamento teve início em 14 de junho de 2012 e, naquela ocasião, cinco ministros se pronunciaram pela inconstitucionalidade do dispositivo: Dias Toffoli (relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Em sentido contrário, se pronunciaram os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que votaram pelo indeferimento da ordem.

Na sessão de hoje (27), em que foi concluído o julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator, ministro Dias Toffoli, pela concessão do HC e para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. De acordo com o entendimento do relator, o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI).

E mais:

“Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena – 7

É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deferiu habeas corpus com a finalidade de alterar para semiaberto o regime inicial de pena do paciente, o qual fora condenado por tráfico de drogas com reprimenda inferior a 8 anos de reclusão e regime inicialmente fechado, por força da Lei 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição desse regime a crimes hediondos e assemelhados – v. Informativo 670. Destacou-se que a fixação do regime inicial fechado se dera exclusivamente com fundamento na lei em vigor. Observou-se que não se teriam constatado requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Ressaltou-se que, assim como no caso da vedação legal à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico – já declarada inconstitucional pelo STF –, a definição de regime deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração. Ademais, seria imperioso aferir os critérios, de forma concreta, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo. Consignou-se que a Constituição contemplaria as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena. Salientou-se que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que denegavam a ordem. HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27.6.2012. (HC-111840)”.

O Plenário do STF declarou inconstitucional a proibição de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos prevista no § 4º do art. 33 e no art. 44, ambos da Lei de Drogas. Assim, é possível que um pequeno traficante, se condenado, cumpra pena de prestação de serviços à comunidade, que é uma espécie de pena restritiva de direito. Lembrando que o tráfico de drogas na modalidade privilegiada deixou de ser crime equiparado ao hediondo, segundo os Tribunais Superiores.
Vale frisar que em 2015, segundo o Informativo n. 789 do STF, a 1ª Turma seguiu o entendimento do Min. Marco Aurélio e consideraram constitucional a disposição na Lei de Tortura que prevê que o condenado por delito de tortura deverá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Há quem sustente que é uma posição isolada e completamente minoritária do Min. Marco Aurélio, não devendo ser seguida para concursos públicos.
QUESTÃO COMENTADA
(CESPE/PC-PB/AGENTE DE INVESTIGAÇÃO E ESCRIVÃO DE POLÍCIA/2009/ QUESTÃO 40) Marcos foi condenado a 14 anos de reclusão pelo crime de homicídio qualificado, praticado em 8/8/2006, e está cumprindo pena no regime fechado. Com referência a essa situação hipotética, assinale a opção correta de acordo com a Lei de Execução Penal (LEP) e a Lei dos Crimes Hediondos.
a) Para receber o benefício da progressão de regime, o acusado deve preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), sendo obrigatória a realização do exame criminológico antes do deferimento da progressão de regime.
b) A novel legislação dos crimes hediondos estabeleceu prazos mais rigorosos para a progressão prisional, porém pode ser aplicada aos casos ocorridos anteriormente à sua vigência, por se tratar de legislação especial em relação à LEP.
c) Marcos deve cumprir a pena integralmente em regime fechado, por se tratar de crime hediondo.
d) Se Marcos for punido por falta grave, não pode perder o direito ao tempo remido, sob pena de ofensa ao direito adquirido.
e) Em caso de cometimento de falta grave pelo condenado, será interrompido o cômputo do interstício exigido para a concessão do benefício da progressão de regime prisional, qual seja, o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior.
A alternativa a está errada, pois o exame criminológico é facultativo, conforme dispõe a Súmula n. 439 do STJ, que diz: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.”
A alternativa b está errada, uma vez que a Lei n. 11.464/2007, que alterou a Lei n. 8.072/1990, trouxe prazos rigorosos para progressão de regime no caso de condenação por crimes hediondos e equiparados. Assim, a Lei n. 11.464/2007 não retroage e não atinge fato ocorrido antes de sua entrada em vigor.
A alternativa c está errada, pois, à época, o condenado por crime hediondo ou equiparado iniciava o cumprimento da pena em regime fechado, podendo progredir se cumpridos os requisitos previstos na Lei n. 8.072/1990. Vale lembrar que em 2012, o Plenário do STF declarou inconstitucional a obrigatoriedade de se iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. Vejamos:

É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei n° 8.072/1990 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: § 1° A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deferiu habeas corpus com a finalidade de alterar para semiaberto o regime inicial de pena do paciente, o qual fora condenado por tráfico de drogas com reprimenda inferior a 8 anos de reclusão e regime inicialmente fechado, por força da Lei n° 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição desse regime a crimes hediondos e assemelhados – v. Informativo 670. Destacou-se que a fixação do regime inicial fechado se dera exclusivamente com fundamento na lei em vigor. Observou-se que não se teriam constatado requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Ressaltou-se que, assim como no caso da vedação legal à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico – já declarada inconstitucional pelo STF –, a definição de regime deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração. Ademais, seria imperioso aferir os critérios, de forma concreta, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo. Consignou-se que a Constituição contemplaria as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei n° 8.072/1990, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena. Salientou-se que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que denegavam a ordem. HC 111.840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27/6/2012. (HC n° 111.840)

A alternativa d é falsa, uma vez que Marcos perderá os dias remidos se cometer falta grave e não haverá ofensa ao direito adquirido. A alternativa está de acordo com o que dispõe a Súmula Vinculante n. 9 do STF. Deve ser observado o que preconiza o art. 127 da Lei de Execução Penal:
Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.
A alternativa e está correta, pois Marcos praticou o crime antes da entrada em vigor da Lei n. 11.464/2007, que alterou a Lei dos Crimes Hediondos. Como a primeira é uma lei mais prejudicial ao condenado, Marcos progredirá de regime se cumprir ao menos 1/6 da pena, além do preenchimento dos demais requisitos.
Gabarito: e (desatualizado)
 


Sérgio Bautzer
Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal. Bacharel em Direito, Professor de Legislação Especial e Direito Processual Penal, Professor de cursos preparatórios, graduação e pós-graduação.
 
 
 


 

 
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