Doutrina OAB: Análise da recente decisão do STJ sobre o crime de extorsão.

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Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
A ameaça de uso de “forças espirituais e metafísicas” como forma de constrangimento no crime de extorsão.  Análise da recente decisão do STJ.
 
O crime de extorsão consta do art. 158 do Código Penal:

Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

1º – Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.

2º – Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.

3º – Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.

 
A conduta típica narrada é constranger, que significa obrigar, coagir alguém a fazer algo (a entregar dinheiro ou um bem qualquer, a realizar uma obra, a acompanhar o agente a shopping e pagar-lhe roupas e comida etc.), tolerar que se faça (permitir que o agente rasgue um contrato ou título que representa uma dívida etc.) ou deixar de fazer alguma coisa (não entrar em uma concorrência comercial, não ingressar com uma ação de execução ou cobrança etc.).
Sobre o tema, ensina Magalhães Noronha, “pelos próprios dizeres do dispositivo, verifica-se que a coisa, aqui, não é empregada no sentido usado nos crimes de roubo e furto, no sentido material de móvel, mas designa tudo aquilo que pode ser objeto de ação ou omissão, da qual resultará proveito indevido para o agente”.
Em suma, o crime de extorsão dá-se quando o agente almeja obter indevida vantagem econômica.
Segundo a doutrina tradicional, a característica básica desse crime sempre foi a existência de uma coação à vítima a fazer, não fazer, ou tolerar que se faça algo, mediante o emprego de violência ou grave ameaça.
Nessa linha, sempre houve o entendimento doutrinário e jurisprudencial que a expressão “grave ameaça” prevista no artigo 158 do CP seria a ameaça significativa, como, por exemplo, a ameaça de um mal físico (vida ou integridade física) ou a promessa da ocorrência do mal significativo à honra, como o caso de alguém que possui fotografias ou vídeos da vítima mantendo relação extraconjugal e exige-lhe dinheiro para não divulgar. Também, já se considerou a grave ameaça nas hipóteses de mal ao equilíbrio financeiro e a propriedade da vítima.
Todavia, em decisão unânime, a Sexta Turma do STJ decidiu, sob relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, no REsp n. 1299021 que a ameaça de uso de “forças espirituais” para constranger alguém a entregar dinheiro configura crime de extorsão previsto no artigo 158 do CP.  A turma negou provimento ao recurso de uma mulher condenada por extorsão e estelionato.
Assim, contrariando os ensinamentos doutrinários clássicos, ainda que não ocorrera a “violência física” ou a “grave ameaça”, restou tipificado o crime de extorsão para o STJ.
O processo teve sua origem em São Paulo. Segundo os autos, a vítima contratou os serviços da acusada para realizar “trabalhos espirituais de cura”.  A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio desses atos de curandeirismo, obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil reais.  Todavia, quando a vítima passou a se recusar a dar mais dinheiro, a mulher a ameaçou.
Segundo a denúncia do Ministério Público, a acusada pediu R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra seus filhos.
Para a defesa, não houve nenhum tipo de grave ameaça ou uso de violência que pudesse tipificar o crime de extorsão. Tudo não teria passado de “algo fantasioso, sem implicar mal grave apto a intimidar o homem médio”.
A ré foi condenada a 6 anos e 24 dias de reclusão, em regime semiaberto.
No STJ, a defesa pediu a absolvição da ré ou a desclassificação das condutas para o crime de curandeirismo, ou ainda a redução da pena e a mudança do regime prisional.
Em relação à desclassificação das condutas para curandeirismo, previsto no artigo 284 do Código Penal, Schietti destacou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo de que a intenção da ré era, na verdade, enganar a vítima e não curá-la de doença.
O STJ negou a revisão da pena pleiteada pela ré.
Veja parte da ementa do julgado:

“A alegação de ineficácia absoluta da grave ameaça de mal espiritual não pode ser acolhida, haja vista que, a teor do enquadramento fático do acórdão, a vítima, em razão de sua livre crença religiosa, acreditou que a recorrente poderia concretizar as intimidações de “acabar com sua vida”, com seu carro e de provocar graves danos aos seus filhos; coagida, realizou o pagamento de indevida vantagem econômica. […](REsp 1299021/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017)”.

No julgado, o ministro Rogerio Schietti do STJ sustentou que os fatos narrados foram suficientes para configurar crime de extorsão previsto no artigo 158 do Código Penal.
Seguem algumas palavras do ministro relator:
“Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e nenhuma força possuem para constranger o homem médio”.
Vislumbrou-se, com a nova decisão do STJ, que a ameaça de um mal sobrenatural também é forma de intimidação apta a tipificar a conduta do ilícito penal da extorsão.
Nessa linha, não há que se sustentar a inidoneidade do uso de ameaça de mal metafísico, pois a sua utilização também pode servir para constranger alguém a entregar vantagem econômica.
Assim, a extorsão restou configurada, pois, no crime em análise, tutela-se, sobretudo, a inviolabilidade patrimonial da vítima. Também, secundariamente objetiva-se a tutela, a tranquilidade e a liberdade pessoal. Trata-se de um crime complexo.
Por óbvio, controvérsias sobre a decisão do STJ irão surgir no campo jurídico, pois a ameaça no campo espiritual, por si só, não causa temor indistintamente a qualquer pessoa. Existem aqueles que são céticos e não se sentirão constrangidos diante de uma ameaça dessa natureza.
Por fim, entende-se que o critério do homem médio não seria a melhor solução ao caso, mas sim o campo subjetivo da própria vítima. Assim, a ameaça capaz de caracterizar o crime do artigo 158 do CP seria aquela grave o suficiente para intimidar a vítima que o criminoso pretendeu constranger, no âmbito do caso posto em juízo.
Atualize-se e sucesso na prova da OAB!
 


José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
 
 


 

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