Direito Constitucional
GABARITO
Por Aragonê Fernandes
Questão 1
Suponha a seguinte situação hipotética: determinada Emenda Constitucional, promulgada em março de determinado ano, altera o regime das coligações eleitorais dos partidos políticos.
Nos atos das disposições transitórias, a própria Emenda Constitucional estabelece que as novas regras atinentes às coligações partidárias já deverão ser observadas nas próximas eleições, que ocorrerão em outubro do mesmo ano.
Com base no fragmento acima, responda, fundamentadamente, aos itens abaixo:
A) A referida Emenda Constitucional apresenta alguma violação aos limites constitucionais impostos ao Poder Constituinte Derivado Reformador? Justifique.
B) No âmbito do ordenamento constitucional brasileiro, é correto afirmar que ainda vigora a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias? Justifique.
A) Houve violação à Constituição Federal. Isso porque as Emendas à Constituição são fruto do Poder Constituinte Derivado Reformador, devendo observar limitações de ordens variadas impostas pelo Constituinte Originário.
Dentre essas limitações encontramos a circunstancial, a formal, a implícita e a material. Esta última diz respeito a algumas matérias que não poderiam ser objeto de deliberação tendente a abolir. São as chamadas de cláusulas pétreas – artigo 60, § 4º, da CF.
Continuando, entre as cláusulas pétreas (limitação material) estão os direitos e garantias individuais. Segundo já decidiu o STF, estariam dentro desse grupo os artigos 5º, 16 e 150 da Constituição.
É exatamente no artigo 16 que se encontra o princípio da anterioridade/anualidade eleitoral, segundo o qual a lei que alterar o processo eleitoral entra em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra em até um ano.
A razão de ser do artigo 16 é evitar casuísmos, verdadeiras ‘viradas de mesa’ feitas por aqueles que, estando no Poder, vislumbrassem uma possível derrota e, utilizando-se da legislação, alterá-la para a perpetuação do mesmo grupo.
Ainda, o STF entende que a expressão “a lei” deve ser interpretada no sentido de “a norma”, o que abarcaria também as Emendas à Constituição. Foi dentro dessa premissa que se declarou a inconstitucionalidade da EC 52/2006, no ponto em que previa a aplicação das alterações introduzidas já nas eleições daquele ano. Vale ressaltar que essa Emenda foi promulgada no dia 8.3.2006. Considerando que as eleições ocorrem no mês de outubro, não teria sido respeitado o prazo constitucional.
B) Como dito, a EC 52/06 alterou as regras eleitorais, faltando cerca de sete meses para o pleito daquele ano.
A modificação extinguiu a verticalização, de modo que não há mais exigência no sentido de que as coligações nas diferentes esferas guardem coerência.
Na prática, permite-se que dois partidos, formalmente, estejam coligados no plano estadual (ex: PT – PSDB), enquanto no cenário de disputa da Presidência da República sejam opositores.
Volto a lembrar que, por violação à regra do artigo 16 da Constituição (princípio da anterioridade eleitoral), a referida Emenda não foi aplicada às eleições de 2006, valendo a partir do pleito realizado em 2008.
Prestigiou-se a plena autonomia dos partidos políticos, um dos princípios constitucionais – artigo 17, § 1º, da Constituição.
Questão 2
Roberto, servidor público estadual, após se aposentar, surpreende-se com o corte do auxílio-alimentação que recebia quando em atividade. Indignado, requer à Administração que o referido benefício seja reinserido, já que o direito à alimentação integra o conceito de mínimo existencial.
Todavia, ao negar o pedido, a Administração, alegando crise orçamentária, informa que esse direito, embora constitucionalmente previsto, é sempre hierarquicamente inferior aos demais direitos estabelecidos no rol de direitos fundamentais sociais, não tendo o Estado, portanto, o dever de contemplá-lo.
Inconformado com a resposta, Roberto procura um(a) advogado(a) para que esclareça os itens a seguir.
A) Diante do que informa o sistema jurídico-constitucional brasileiro e das informações acima apresentadas, há elementos jurídicos para reverter judicialmente a decisão administrativa do corte do auxílio-alimentação?
B) Independentemente da possibilidade ou impossibilidade jurídica do corte do auxílio-alimentação, a questão hierárquico-normativa suscitada pela Administração Pública pode ser considerada um argumento reconhecido pelo sistema jurídico-constitucional brasileiro?
A) Novamente é hora de bater na tecla relativa à necessidade de o Examinando estar afiado com as Súmulas, em especial, as Vinculantes. Elas são em pequeno número, e de enorme relevância para as provas.
Vamos lá!
O tema está contemplado na SV 55, segundo a qual o direito ao auxílio alimentação não deve ser estendido aos servidores inativos, situação do cliente.
Nesse compasso, agiu acertadamente a Administração, ao seguir o entendimento consagrado na Súmula Vinculante, negando o benefício. Ela vincularia os demais Órgãos do Poder Judiciário (não o STF) e também a Administração Pública Direta e Indireta em todas as esferas (Executivo federal, estadual, distrital e municipal). Fica de fora o Legislativo na sua função típica de legislar, como forma de evitar a chamada fossilização da Constituição.
B) No atendimento dos direitos sociais dos cidadãos (e dos servidores), o Estado possui conhecidas limitações de ordem orçamentária.
Surge, assim, a teoria da reserva do possível, segundo a qual o Estado atenderá a todos, na medida do possível.
Essa teoria, por sua vez, é freada pela teoria do mínimo existencial (ou “limites dos limites” ou “restrições das restrições”). Ela defende que o núcleo essencial para que o cidadão tenha uma vida digna não pode ser violado.
Seja como for, para a solução da controvérsia colocada na questão seria necessário se fazer uma ponderação de interesses, técnica adotada diante da colisão entre direitos fundamentais.
Quando o conflito envolve regras, recorre-se aos critérios tradicionais (hierárquico, cronológico e especialidade), sendo que se resolve no “tudo ou nada”. Ou seja, uma regra será válida e outra inválida.
Já quando o conflito envolve os princípios, a ponderação verificará caso a caso qual daqueles, na hipótese concreta, deverá se sobrepor ao outro, não havendo uma hierarquização pré-disposta.
Toda essa explanação foi trabalhada durante a teoria geral dos direitos fundamentais e também como introdução aos direitos sociais.
Voltando para o comando da questão, não se pode, de saída, dizer que o direito à alimentação (auxílio alimentação) se sobreponha aos outros que estarão em discussão.
Questão 3
A Câmara de Vereadores do município Beta aprova projeto de lei que divide o mencionado município em dois, sem qualquer espécie de consulta pública à população e sem realizar qualquer estudo prévio de viabilidade do novo ente federativo.
O prefeito de Beta veta o referido projeto e a Câmara derruba o seu veto, promulgando a lei.
Logo em seguida, o prefeito de Beta, inconformado com a norma aprovada, decide realizar um referendo a fim de saber a opinião da população local, a qual, após a consulta, manifesta-se favoravelmente ao desmembramento.
A partir da situação narrada, responda aos itens a seguir.
A) A referida norma municipal é constitucional? Justifique.
B) À luz do sistema constitucional vigente, seria possível a fusão do município Beta com o Município vizinho Alfa? Justifique.
A) Na aula relativa à organização político-administrativa foi trabalhada a possibilidade de Formação de novos Estados ou Municípios. Quanto a estes, especificamente, o artigo 18 da Constituição cuida de elencar algumas etapas a serem seguidas, obrigatoriamente.
É de ver que a primeira etapa foi introduzida pela EC 15/96, surgida a partir da necessidade de se frear a proliferação de muitos Municípios, os quais não tinham condições de se sustentarem.
Prosseguindo, pela EC 15/96 se previu que somente dentro do período aberto por lei complementar federal poderiam ocorrer as fusões, incorporações ou desmembramentos de municípios.
O problema é que essa LC Federal ainda não existe – ela chegou a ser feita pelo Congresso Nacional, mas foi vetada pela então Presidente Dilma Rousseff, sob o fundamento de que seriam substanciosos os gastos daí decorrentes.
Em outras palavras, sequer há período aberto. Desse modo, não há como se seguir com os outros passos – estudo de viabilidade municipal; plebiscito com a população envolvida; e efetiva criação por meio de lei ordinária estadual.
Assim, não há dúvidas quanto à INCONSTITUCIONALIDADE da norma municipal, até porque, mesmo que houvesse a LC Federal mencionada, a criação efetiva seria operada por meio de lei ordinária estadual, e não municipal.
B) Em decorrência da fundamentação levada a efeito no item antecedente, especialmente no que se refere à inexistência de LC Federal abrindo período dentro do qual essas alterações poderiam ser feitas, não seria possível a fusão dos municípios em questão.
Sobre o tema, volto a dizer que o artigo 18, § 4º, da Constituição prescreve um ritual a ser seguido. Caso haja inobservância, a lei de criação do novo Ente Federado será inconstitucional, por vício formal.
Vale acrescentar, por fim, que a EC 57/08 convalidou os Municípios criados de forma irregular até 31.12.2006. Ela, no entanto, não autorizou a criação de outros Entes dali em diante.
Questão 4
Em 1975, o Presidente da República estabeleceu, por decreto, que a localização da nova usina nuclear seria o Município Alfa.
O Decreto de 1975 seguiu todas as prescrições legais então vigentes, sem nenhum tipo de violação à Constituição da época.
Não obstante, tendo em vista diversos fatores econômicos, políticos e sociais, o início dos trabalhos ficou adiado para uma nova oportunidade.
Com o advento da Constituição de 1988, o texto constitucional passou a determinar que a localização de usinas nucleares seja autorizada por Lei Federal.
Diante da narrativa acima, responda aos itens a seguir.
A) O Decreto do Presidente da República, editado em 1975, foi recepcionado pela nova Constituição? Justifique.
B) O atual Presidente da República pode, por Decreto Presidencial, alterar a localização da usina nuclear para o município Beta, no lugar de Alfa? Justifique.
A) As normas editadas APÓS a promulgação da Constituição em vigor passarão por análise de constitucionalidade/inconstitucionalidade, dentro da qual será verificada a existência de vício material (conteúdo, nomoestático) ou vício formal (no procedimento, nomodinâmico).
Já no que se refere às normas editadas ANTES do texto constitucional em vigor (juízo de recepção/revogação), exige-se apenas que eles sejam compatíveis do ponto de vista material (conteúdo) frente à nova Constituição.
Em outras palavras, o aspecto formal não precisa estar de acordo com a nova Constituição, embora seja necessário que ele observasse as prescrições da Constituição em vigor à época em que a norma foi editada.
Exemplificando, o nosso Código Penal, do ano de 1.940, foi materializado pelo Decreto-Lei nº 2.848. Ele foi, em larga medida, recebido pela Constituição de 1.988, mesmo não existindo mais a figura do decreto-lei (substituído pelas Medidas Provisórias). Hoje em dia, para se tratar acerca de direito penal é necessária a edição de lei ordinária, havendo, inclusive, proibição expressa relativa à edição de medidas provisórias quanto a essa matéria (artigo 62, § 1º, da Constituição).
De igual modo, o Código Tributário Nacional – Lei Ordinária nº 5.172/66 – foi recebida pela nova ordem constitucional, muito embora se preveja atualmente a necessidade de edição de lei complementar para tratar das normas gerais sobre direito tributário.
Em ambos os casos, para que haja a alteração dessas normas, seria indispensável a elaboração de normas de acordo com a Constituição em vigor. Ou seja, para que não houvesse vícios formais ou materiais, o CP e o CTN deveriam ser modificados, respectivamente, por leis ordinárias e complementares.
Voltando para o comando da questão, tendo em vista que só se verificam os aspectos materiais (conteúdo) da norma em debate – decreto presidencial sobre a localização de usina nuclear –, pode-se afirmar que houve a recepção pela nova ordem constitucional.
B) A partir do advento da Constituição de 1988, não pode o Presidente da República dispor da matéria em questão por meio de decreto. Isso porque o artigo 225, § 6º, da Constituição Federal exige a edição de lei ordinária federal.
E, mesmo se tratando, de norma que originariamente nasceu sob a roupagem de decreto (o que era permitido pela Constituição em vigor àquela época), a sua alteração só poderia ser viabilizada por lei em sentido formal.
Em outras palavras, o decreto presidencial foi recepcionado pela nova ordem constitucional, por ser compatível do ponto de vista material, mas sua alteração exige a edição de lei, com aprovação pelas Casas do Congresso Nacional, além da sanção, promulgação e publicação.
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Bom dia, Grupo de Direito Constitucional:
Muito bons os comentários das questões do XXIIª Prova Prática de Constitucional.
Não passei pq entendi que não poderia ser ” Mandado de Injunção”.
O que achei mais razoável foi garantir um” Direito Líquido e certo”, através de um Mandado de Segurança. Foi este meu entendimento, pq todos os trabalhadores, já possuem direito ao horário Noturno ( incluindo até o Homem do Campo nas atividades Pecuaristas);
– Direito a remuneração por trabalho Noturno, já existe está na CLT, ( portanto, não precisa Lei nem Mandado de Injunção).
– O Governo do Estado não pode legislar sobre Direito do Trabalho, pois é competência da União, e se o fizer estará usurpando o Direito da União;
– O Endereçamento da Peça no Mandado de Injunção é para o Supremo Tribunal Federal ( no caso teria que ser para o Tribunal de Justiça, porque a “Peça” pedia para Governo do Estado fazer a Lei de Dir. Trabalho, e isso seria Usurpação;
– Dessa forma, entendi que a Peça teve problemas na elaboração, o que serviu para confundir os examinandos;
Fui fazendo por eliminação e sobrou, embora que pouco correto,” Mandado de Segurança Coletivo”.
Se possível, gostaria de receber julgamento de minha interpretação,
Atenciosamente, agradeço a atenção.
Prezada Drª Rosely, como está?
Realmente a questão impõe dois tipos de peças: MI ou MS Coletivos.
Como deve ter visto o comunicado de ontem da FGV, estão abrindo prazos para novos recursos, o que entendo que deve fazê-lo com urgência.
Seus argumentos são muito satisfatórios e acredito fortemente que sua peça será bem corrigida como MSC. Terá sucesso.
Não perca o prazo. Conte conosco.
Saudações
Prof. Marcelo Borsio
Coordenador Geral Científico do Projeto Exame de Ordem