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Por Flávia Teixeira Ortega
O que é a indignidade, no Direito Civil?Indignidade são situações previstas no Código Civil nas quais o indivíduo que normalmente iria ter direito à herança, ficará impedido de recebê-la em virtude de ter praticado uma conduta nociva em relação ao autor da herança ou seus familiares. Trata-se, portanto, de uma causa de exclusão da sucessão.
A indignidade é considerada uma punição, uma “pena civil” aplicada ao herdeiro ou legatário acusado de atos reprováveis contra o falecido.
Hipóteses de indignidade: As situações que configuram indignidade estão previstas no art. 1.814 do Código Civil.
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Este rol é taxativo (numerus clausus).
Inciso I
Sobre a hipótese do inciso I acima, vale uma observação: para que se ajuíze a ação de indignidade, não se exige prévia condenação no juízo criminal. Mesmo que o processo criminal esteja ainda tramitando, o interessado pode ingressar com a ação de indignidade, até mesmo porque esta demanda tem prazo decadencial de 4 anos.
Vale ressaltar, no entanto, que o autor da ação de indignidade deverá provar, neste processo cível, a ocorrência da situação prevista em algum dos incisos do art. 1.814 do CC. Assim, o autor da ação terá que provar, com testemunhas, perícia etc., que o indigno praticou o homicídio doloso.
Como é feita a exclusão do indivíduo que praticou ato de indignidade
Para excluir um herdeiro ou legatário que praticou ato de indignidade, é necessária a propositura de ação judicial de indignidade.
Assim, a exclusão do herdeiro ou legatário deverá ser declarada por sentença (art. 1.815), que irá reconhecer que o indivíduo praticou o ato de indignidade.
Existe, inclusive, um prazo para que essa ação seja proposta. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão (art. 1.815, parágrafo único). Vale ressaltar que se houver herdeiros menores, o prazo só se inicia depois que atingirem a maioridade.
Quem tem legitimidade para ajuizar a ação de indignidade?
A ação de declaração de indignidade pode ser proposta por qualquer interessado na sucessão.
E o Ministério Público, possui legitimidade para ajuizar ação de indignidade?
O que diz a doutrina:
A doutrina majoritária, mesmo antes da Lei nº 13.532/2017, já defendia o entendimento de que o Promotor de Justiça tem legitimidade para propor esta ação, desde que presente o interesse público. Nesse sentido:
Enunciado 116 – Jornada de Direito Civil: O Ministério Público, por força do art. 1.815, desde que presente o interesse público, tem legitimidade para promover ação visando à declaração de indignidade de herdeiro ou legatário.
Exemplo de situação em que há interesse público e que, portanto, o MP teria legitimidade para propor a ação de indignidade: se os herdeiros interessados forem incapazes.
O que diz o Código Civil: Não havia previsão expressa no Código Civil autorizando que o Ministério Público ajuizasse ação de indignidade.
A Lei nº 13.532/2017 acrescentou um parágrafo ao art. 1.815 prevendo expressamente a legitimidade do MP em um caso específico:
Art. 1.815 (…) § 2º Na hipótese do inciso I do art. 1.814, o Ministério Público tem legitimidade para demandar a exclusão do herdeiro ou legatário.
Assim, de acordo com a atual redação do Código Civil, o Ministério Público pode ajuizar ação pedindo a declaração de indignidade caso o herdeiro ou legatário tenham sido:
1. Autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso (consumado ou tentado)
2. Praticado contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente.
Caso Suzane Richtofen: A presente alteração legislativa foi inspirada pelo famoso caso Suzane Richtofen, que, em 2002, matou os pais, com a ajuda do seu namorado. Os três foram condenados e cumprem pena por isso. A garota recebeu 38 anos de reclusão. A situação de Suzane poderia ser enquadrada no inciso I do art. 1.814 do CC. Assim, ela poderia ser excluída da sucessão e não receber a herança dos seus pais. Ocorre que, para isso acontecer, o outro herdeiro (seu irmão, Andréas Von Richtofen) teve que propor ação de indignidade contra Suzane. Caso Andréas não tivesse proposto a ação, Suzane, mesmo tendo matado os pais, em tese, receberia a herança. Isso parece extremamente injusto e contrário à ética geral.
Vale ressaltar que, antes da Lei nº 13.532/2017, mesmo se adotássemos a posição doutrinária presente no Enunciado 116-CJF/STJ, seria discutível e polêmica a possibilidade de o Ministério Público ajuizar a ação de indignidade por três motivos:
1) não havia previsão legal;
2) receber herança (direito patrimonial) está muito mais ligado a interesses privados do que interesse público;
3) o outro herdeiro, em tese, poderia perdoar a pessoa indigna.
Pensando nisso, a Lei nº 13.532/2017 acrescentou expressamente a possibilidade de o MP propor a ação de indignidade neste caso.
Assim, se o caso Suzane Richtofen tivesse acontecido após a Lei nº 13.532/2017, o Promotor de Justiça poderia ajuizar a ação de indignidade mesmo sem a iniciativa ou concordância de Andréas, outro herdeiro.
Discussão quanto à constitucionalidade da Lei nº 13.532/2017
Vislumbro a discussão sobre a (in) constitucionalidade da Lei nº 13.532/2017.
Para uma primeira corrente, a inovação legislativa seria inconstitucional por violar o art. 127 da CF/88. Acompanhe o raciocínio. Sendo a ação de indignidade julgada procedente, o indigno ficará excluído da herança e a sua parte será redistribuída aos demais herdeiros. Dessa forma, é fácil perceber que o que se discute na ação de indignidade são direitos patrimoniais (direito à herança). Não se discute prisão, cumprimento de pena, ressocialização, prevenção de crimes etc. Discute-se dinheiro pertencente, em regra, a particulares. Os outros aspectos relacionados com o fato serão debatidos no respectivo processo criminal. Por essa razão, mesmo que uma situação como a da Suzane Richtofen cause enorme clamor popular e justificada revolta, o certo é que, tecnicamente, a discussão se ela tem ou não direito à herança envolve um debate patrimonial e de índole disponível.
Por exemplo, se Andréas resolve perdoar a irmã, isso não terá efeito direto no processo criminal. Tecnicamente, ela não poderia ser absolvida por conta disso. No entanto, nada impediria que ele, ao perdoar a homicida, resolvesse dividir sua herança com ela. Tem ele total disponibilidade sobre isso por se tratar do seu patrimônio.
Diante desse cenário, poder-se-ia cogitar sobre a inconstitucionalidade da nova previsão. Isso porque impõe-se ao Ministério Público a atribuição de envolver-se em uma disputa de interesses patrimoniais disponíveis, ignorando, inclusive, a eventual vontade do titular desse direito.
A lei pode prever novas atribuições ao Ministério Público, mas para isso elas devem estar de acordo com o art. 127 da Constituição Federal, que preconiza:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Pelo comando constitucional, o Ministério Público somente pode desempenhar atribuições que estejam relacionadas com a defesa: • da ordem jurídica; • do regime democrático; • dos interesses sociais; e • dos interesses individuais indisponíveis.
Logo, em um primeiro entendimento, o MP não poderia ajuizar ação de indignidade porque isso representaria tutelar interesses individuais disponíveis (herança), o que não é autorizado pelo art. 127 da CF/88.
Por outro lado, para uma segunda corrente, a Lei nº 13.532/2017 não seria inconstitucional. Na verdade, ela refletiria o entendimento majoritário da doutrina e a correta interpretação do art. 127 da CF/88. Isso porque o Ministério Público, ao propor ação de indignidade no caso do art. 1.814, I, do Código Civil (homicídio envolvendo o autor da herança ou seus familiares), está defendendo a ordem jurídica, um dos valores previstos no art. 127 da Constituição. É a posição, por exemplo, de Maria Berenice Dias que, mesmo antes da novidade legislativa, defendia este entendimento. Confira:
“(…) Quando o ato de indignidade constitui crime de ação pública incondicionada, possível conceder legitimação extraordinária ao agente ministerial. (…)” (DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: RT, 2013, p. 318).
Fonte: amodireito
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