Olá, futuras e futuros colegas que acompanham o momento filosofia para OAB, vamos dar continuidade ao problema das lacunas no direito? Como já dissemos antes, esse é um tema de extrema relevância prática, sendo, portanto, recorrente nos exames da ordem e nos mais variados concursos públicos.
Já tivemos a oportunidade de transitar no tempo, passando pelas mais variadas escolas jusfilosóficas, iniciando com a Escola da Exegese, que defendia a plenitude hermética do ordenamento jurídico e a inexistência de lacunas na lei. Tal dogma foi paulatinamente sendo contestado tanto pela realidade quanto pela teoria e tivemos oportunidade de falar sobre o problema da lacuna no direito para as Escolas Histórica, Finalista, da Livre Investigação e do Direito Livre.
Retomando, de certa maneira, o formalismo do positivismo jurídico, Hans Kelsen elabora a sua Teoria Pura do Direito, considerada o ápice do monismo jurídico, o apogeu da positivação do direito. Já falamos por diversas vezes da Teoria Pura no momento filosofia, mas hoje vamos nos deter ao problema da lacuna: o que Kelsen pensava a respeito dessa problemática?
Kelsen também defendia a existência da plenitude hermética do ordenamento jurídico, ou seja, quando uma ordem jurídica não estatui qualquer vedação a um indivíduo de realizar determinada conduta, permite esta conduta. Ou seja, “o que não é juridicamente proibido é juridicamente permitido” (KELSEN, 2000, p. 270).
Sendo assim, não existiriam lacunas “reais” no ordenamento jurídico, dito de outra forma, a existência de uma lacuna só é pressuposta quando a ausência de uma norma jurídica é considerada indesejável pelo órgão aplicador do direito, do ponto de vista da política jurídica e, por isso, afasta-se a aplicação do direito vigente, que permite aquela conduta, por ser considerada pelo órgão aplicador do direito como não equitativa ou desacertada (KELSEN, 2000, p. 273-274).
Um exemplo: em um determinado estabelecimento comercial há uma placa com a seguinte “proibido entrada de gatos e cachorros”. Maria tem um porco de estimação. Aplicando a lógica da plenitude hermética, não existe norma expressa proibindo a entrada do porco de Maria no estabelecimento comercial, sendo sua entrada, portanto, PERMITIDA. Essa situação, contudo, gera uma certa sensação de desconforto, de injustiça, não? Por qual razão o porquinho de Maria pode entrar no estabelecimento e o meu cachorrinho não pode? Segundo Kelsen, nesses casos o órgão responsável pela interpretação/aplicação da norma toma uma decisão política/ideológica, reconhecendo uma lacuna que não é real, de forma a superar esse sentimento de não equidade.
Sendo assim, quando o órgão responsável pela decisão afirma que existe uma lacuna no direito, ele está tomando uma decisão política, pois do ponto de vista jurídico, o ordenamento é hermético, fechado e pleno.
REFERÊNCIAS
GUIBOURG, Ricardo A. Derecho sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1986.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Bem, por hoje ficamos por aqui.
Até a próxima semana.
Chiara Ramos
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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