Ajuizar ação “fraudulenta” caracteriza estelionato, se houver nítido propósito de obter vantagem econômica?

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Olá pessoal, tudo certo?

Esse é um tema que vez por outra chega em minhas redes sociais e, por esse motivo, resolvi escrever aqui no blog do Gran.

Afinal, será que o ajuizamento de ação fraudulenta pode caracterizar estelionato? E se esse comportamento tiver nítido propósito de obter vantagem econômica?

Para responder a essa indagação, vamos trazer um exemplo hipotético.

Imagine que Antônio tenha ajuizado ação indenizatória em face de Maria, narrando fato inverídico a justificar o pleito de reparação civil, ou seja, havia nítido propósito de obter vantagem indevida. Ao final do processo, culminando com sua improcedência, Maria narrou os fatos ao membro do Ministério Público, caracterizando o atendimento à condição de procedibilidade da representação da vítima em relação ao crime de estelionato, requerendo a apresentação de ação penal em virtude da tentativa desse delito (art. 171 c/c art. 14, II do CPB[1]).

Estamos diante do chamado ESTELIONATO JUDICIAL. Trata-se, basicamente, da utilização de processo judicial com o fito de auferir vantagem indevida, mediante fraude ou ardil para ludibriar o Poder Judiciário, SABENDO PLENAMENTE da inidoneidade da demanda.

Certo, Pedro. Mas esse tal “estelionato judicial” é CRIME???

NÃO! Segundo o STJ, a leitura das elementares do art. 171, caput, do Código Penal deve estar em consonância com a garantia constitucional da inafastabilidade jurisdicional (CRFB, art. 5º, XXXV), do que decorre o entendimento segundo o qual o direito de ação é subjetivo e público e abstrato, em relação ao direito material. Desse modo, verifica-se atipicidade penal da conduta de invocar causa de pedir remota inexistente para alcançar consequências jurídicas pretendidas, mesmo que a parte ou seu procurador tenham ciência da ilegitimidade da demanda.

Ou seja, desde que esses meios de indução a erro do Poder Judiciário não se constituam como crimes autônomos (ex.: falso testemunho), não haverá punição criminal do chamado “estelionato judiciário”, apenas cabendo a responsabilização na esfera cível e administrativa eventualmente.

Acertadamente, afirma a Corte Superior que, “em princípio, os meios de induzir a erro o julgador podem ensejar a subordinação típica a crimes autônomos. Cite-se, exemplificativamente, a hipótese de o advogado valer-se de testemunha ou de qualquer auxiliar da justiça para falsear a verdade processual, na forma dos arts. 343 ou 344; produzir ou oferecer documento falso, material ou ideologicamente (CP, arts. 297 e 304 do CP). No processo, há produção de provas e condução pelo juiz, de forma que, se prejuízo houver, advirá da sentença e não da atitude de qualquer das partes. Pode-se até falar em erro judiciário, porém não em estelionato judiciário, o que enseja, inclusive a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com fundamento no art. 966, VI e VII, do Código de Processo Civil[2].

Vale registrar, porém, que parcela minoritária da doutrina que sustenta a existência de estelionato judicial traz a ideia de que esse crime teria como vítima o Poder Judiciário, o que justificaria o nome de “estelionato judicial”, quando de utilização de manobras inverídicas com o objetivo de induzir o juízo em erro.

Entretanto, como sinalizado adrede, é uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores refutando a tipicidade dessa conduta. Tal qual apontado pela 5ª Turma, o STJ também se posiciona nessa linha a 6ª Turma. Vejamos:

(…) 2. Não configura “estelionato judicial” a conduta de fazer afirmações possivelmente falsas, com base em documentos também tidos por adulterados, em ação judicial, porque a Constituição da República assegura à parte o acesso ao Poder Judiciário. O processo tem natureza dialética, possibilitando o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis, não se podendo falar, no caso, em “indução em erro” do magistrado. Eventual ilicitude de documentos que embasaram o pedido judicial são crimes autônomos, que não se confundem com a imputação de “estelionato judicial”. 3. A deslealdade processual é combatida por meio do Código de Processo Civil, que prevê a condenação do litigante de má-fé ao pagamento de multa, e ainda passível de punição disciplinar no âmbito do Estatuto da Advocacia. 4. Ordem concedida, ex officio, para reconhecer a atipicidade do delito de estelionato, trancando, por conseguinte, a ação penal, por falta de justa causa, sem prejuízo da apuração de outros crimes porventura existentes (RHC n. 88.623/PB, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 26/3/2018).

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

Alguns doutrinadores defendem que, se a pessoa, em uma relação processual na seara cível, por exemplo, usar de expedientes e manobras de inverdades, entre outras condutas, com o objetivo de induzir ou manter o juízo cível em erro, poderia responder pelo crime de estelionato, previsto no art. 171, do CP. Como a vítima seria o próprio Poder Judiciário, a isso chamaram de “estelionato judicial”.

[1] Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (…) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I – a Administração Pública, direta ou indireta; II – criança ou adolescente; III – pessoa com deficiência mental; ou IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 14 – Diz-se o crime: (…) II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

[2] HC n. 419.242/MA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 12/12/2017, DJe de 19/12/2017.


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