Entenda o contexto jurídico acerca das notícias envolvendo o Presidente da República
Olá, querido leitor.
Diante das recentes notícias envolvendo o Grupo JBS e o Presidente da República, recebi muitas perguntas acerca do que poderia acontecer com o Chefe do Poder Executivo Federal, bem como dos desdobramentos sobre a forma pela qual deveria haver a escolha de um novo Presidente, se fosse o caso. Com isso, a fim de esclarecer esses e outros pontos importantes, resolvi comentar aqui as principais dúvidas que recebi.
Ah! É importante destacar que nossa análise será estritamente jurídica, sem viés algum de cunho político-partidário, ok?
Vamos lá!
Pergunta 1 – As gravações ambientais realizadas são consideradas provas lícitas ou ilícitas?
Resposta – Segundo a jurisprudência dominante do STF, esse tipo de gravação é considerada prova lícita, mesmo não tendo havido prévia autorização judicial autorizando a gravação.
Na verdade, para a gravação ambiental (ou clandestina) não se exige essa autorização. Somente se se tratasse, por exemplo, de interceptação telefônica, é que haveria necessidade de prévia autorização judicial, em decorrência da cláusula de reserva de jurisdição contida no inciso XII do artigo 5º.
Veja algumas ementas de decisões do STF sobre o tema da licitude da gravação ambiental.
Ação penal. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. [RE 583.937 QO-RG, rel. min. Cezar Peluso, j. 19-11-2009, P, DJE de 18-12-2009, com repercussão geral.] = Inq 2.116 QO, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 15-9-2011, P, DJE de 29-2-2012.
A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita. [AI 578.858 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 4-8-2009, 2ª T, DJE de 28-8-2009.] = RE 630.944 AgR, rel. min. Ayres Britto, j. 25-10-2011, 2ª T, DJE de 19-12-2011.
Conversa gravada por um dos interlocutores. Precedentes do STF. Agravo regimental improvido. Alegação de existência de prova ilícita, porquanto a interceptação telefônica teria sido realizada sem autorização judicial. Não há interceptação telefônica quando a conversa é gravada por um dos interlocutores, ainda que com a ajuda de um repórter. [RE 453.562 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 23-9-2008, 2ª T, DJE de 28-11-2008.]
Pergunta 2 – É possível haver a responsabilização do Presidente da República no curso do mandato?
Resposta – Sim.
Considerando que os fatos relatados datam de março de 2017, é possível haver a responsabilização tanto no campo penal (por crime comum), quanto no político, por crime de responsabilidade.
Em tese, somente não poderia haver a responsabilização, durante o mandato, por atos praticados antes da investidura no cargo de Presidente da República, em virtude da cláusula de irresponsabilidade penal temporária. Nesse sentido, nos termos do § 4º do artigo 86, o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções.
Pergunta 3 – Qual o procedimento para a instauração de processo contra o Presidente da República?
Resposta – Nos termos do Artigo 86, admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Note que antes de o Presidente ser processado, deve haver um juízo de admissibilidade do processo pela Câmara dos Deputados, a qual possui competência para autorizar o processo por 2/3 de seus membros.
Nos crimes comuns, havendo autorização da CD, caberá ao STF decidir pelo recebimento ou não de denúncia. Se houver o recebimento, o Presidente torna-se réu em ação penal. Com isso, ocorrerá o seu afastamento por 180 dias.
Nos casos de crimes de responsabilidade, segundo o art. 14 da Lei 1.079/1950, “é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados”.
Nesse caso, o STF entende que o presidente da Câmara dos Deputados tem competência para fazer o exame inicial dessa representação, podendo, inclusive, rejeitá-la, caso entenda que a acusação é patentemente inepta ou despida de justa causa, sujeitando-se, contudo, ao controle do Plenário da Casa, mediante recurso [MS 20.941-DF].
Havendo o aceite da representação pelo Presidente da Câmara, deve ser feita a votação para escolha da comissão especial para elaboração de parecer a ser, ulteriormente, submetido ao Plenário da Casa, para a autorização da CD.
Se houver a autorização da CD (por 2/3 de seus membros – 342 deputados), o processo deverá ser submetido ao Senado, ao qual competirá decidir se instaurará ou não o processo, por maioria simples.
Havendo a instauração do processo, ocorrerá o afastamento do presidente da República por 180 dias.
A condenação no Senado exige voto favorável de 2/3 de seus membros.
Pergunta 4 – Se o Presidente perder o cargo ou renunciar ao mandato, quem o substituirá, já que ele não possui vice?
Resposta – Nesse caso, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Esses são os substitutos eventuais, os quais assumirão a Presidência temporariamente até a eleição dos novos Presidente e Vice.
Pergunta 5 – Se o Presidente perder o cargo ou renunciar, haverá eleições diretas ou indiretas?
Resposta – Considerando que já estamos nos dois últimos anos do mandato, a eleição para ambos os cargos seria indireta, feita trinta dias depois da abertura da vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Lembrando que os eleitos deveriam apenas completar o período de seus antecessores. Esse é o mandato “tampão” (art. 82).
Destaca-se que qualquer cidadão que cumpra as condições de elegibilidade para ocupar o cargo de Presidente da República poderia concorrer à eleição.
Constitucionalmente, não há espaço para eleições diretas nesse contexto. Nada impede, no entanto, que a norma constitucional seja alterada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), estabelecendo regramento diferente.
Pergunta 6 – O Presidente da República pode ser preso, diante dos fatos noticiados?
Resposta – Enquanto não sobrevier sentença (penal) condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito à prisão. Fique atento!!! Pela literalidade do texto constitucional (Art. 86, § 3º), o Presidente não pode ser preso cautelarmente, ou seja, não pode haver prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária ou qualquer outro tipo de prisão antes da condenação penal proferida pelo STF. Essa é uma espécie de imunidade formal quanto à prisão.
Por enquanto, é isso.
À medida que surgirem novos fatos, vamos comentando aqui.
Sucesso na jornada.
Wellington Antunes
Wellington Antunes
Professor de Direito Constitucional. Licitações, Contratos e Convênios. Servidor Efetivo do MPU. Aprovado para Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados/2014 (aguardando nomeação) Aprovado para Analista de Finanças e Controle da CGU (aguardando nomeação). Graduado em Administração Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo no IDP (Especialista). Instrutor interno do MPU (atuante na área de Licitações e Contratos, entre outras funções – pregoeiro, elaboração de Editais, Projetos Básicos e Termos de Referência, instrução de processos de dispensa e de inexigibilidade)
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