A quem compete processar e julgar questão envolvendo manutenção de plano de saúde de ex-empregado?

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02 de agosto3 min. de leitura

Nas sociedades modernas, diante da multiplicidade e variedade de conflitos submetidos ao Estado, é impossível que somente um órgão exercite integralmente a função jurisdicional do Estado. Com efeito, nas palavras de Athos Gusmão Carneiro, tornou-se necessário encontrar critérios a fim de que as causas sejam adequadamente distribuídas aos juízes, de conformidade não só com o superior interesse de uma melhor aplicação da Justiça, como, também, buscando na medida do razoável atender ao interesse particular e à comodidade dos litigantes.

O fracionamento da jurisdição, segundo as regras de competência, atende basicamente a três finalidades: (i) a primeira delas é racionalizar a administração da justiça, assegurando-lhe eficiência operacional, por meio da especialização de cada órgão jurisdicional no julgamento de determinados tipos de causas; (ii) a segunda finalidade é facilitar o acesso à justiça e o exercício do direito de defesa pelos litigantes, vinculando a jurisdição ao juízo da área geográfica mais próxima das partes, dos bens ou dos fatos a ela submetidos; (iii) por fim, a terceira finalidade da distribuição da jurisdição entre os diversos órgãos judiciais consiste na preservação da estrutura hierárquica e piramidal do Poder Judiciário, em cuja base estão os órgãos mais numerosos e que realizam o primeiro exame de praticamente todas as causas.

É preciso observar que, não obstante a necessária distribuição de competência, todos os juízes exercem jurisdição, mas a exercem, segundo Athos Gusmão Carneiro, numa certa medida, obedientes a limites preestabelecidos.
Assim, a competência é uma fração de um todo chamado jurisdição. Nessa ordem de ideias, pode um juiz ter jurisdição e não ter competência, mas não é possível que tenha competência sem ter jurisdição.

Com isso, pode-se afirmar que a competência não deve ser confundida com jurisdição. Enquanto esta última é um poder, a primeira constitui capacidade para exercê-lo. Nessa trilha, adverte Daniel Mitidiero que não se trata propriamente de medida da jurisdição, como comumente se apregoa. O conceito de competência é qualitativo e não quantitativo.

Especificamente sobre a competência para processar e julgar questão envolvendo manutenção de plano de saúde de ex-empregado há decisões que consideram competente a Justiça do Trabalho para apreciar demanda que envolva a manutenção dos empregados, com supedâneo na Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

Contudo, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência no REsp nº 1.799.343/SP, julgado em 11 de março de 2020, o Eg. STJ firmou tese de que “Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for regulado em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador” (STJ, Segunda Seção, IAC nº 5 proposto no Recurso Especial nº 1.799.343/SP, Relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, DJ-e de 18/03/2020).

A tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, portanto, apenas possibilita a consideração de competência da Justiça do Trabalho quando cumuladas duas condições, quais sejam: a) a existência de autogestão empresarial (instituída e gerida pela própria empregadora); e b) que seja regulado no contrato de trabalho, ou por convenção ou acordo coletivo.

Cabe destacar que o IAC do STJ detém a possibilidade de a eficácia vinculante do julgado se projetar para além da área de jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de precedente qualificado que irá orientar as instâncias ordinárias, bem como deverá ser aplicada em todo o território nacional e a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

Assim, o julgamento do apontado precedente qualificado é relevante porque tende a eliminar o grande desperdício de tempo, causado pela repetição de atos processuais quando há declinação de competência para a Justiça do Trabalho em ação sobre plano de saúde que seria da competência da Justiça comum.

Em recente caso julgado, em pedido formulado por Sindicato, objetivando a manutenção na apólice do seguro saúde dos empregados substituídos (dispensados imotivadamente ou aposentados), com fundamento na Lei nº 9.656/98, o TST entendeu que a pretensão de competência da Justiça do Trabalho ia de encontro à tese firmada no IAC 5 do STF, que concluiu que a pretensão de ex-empregado de manutenção no plano de assistência à saúde, fornecido pela ex-empregadora, não se adequa ao ramo do Direito do Trabalho, em virtude da autonomia jurídica da saúde complementar após o surgimento da Lei nº 9.656/1998 (reguladora dos planos de saúde), da Lei nº 9.961/2000 (criadora da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar) e da Lei nº 10.243/2001 (que deu nova redação ao § 2º do art. 458 da CLT).

Além do mais, o caso concreto julgado não cuidava de plano de saúde de autogestão empresarial (modalidade em que a operação do plano de saúde é realizada pelo departamento de recursos humanos da própria empresa que contratou o trabalhador), pois tratava-se de seguro saúde operado por seguradora especializada em saúde, qual seja, Bradesco Saúde S.A.

Por isso, o Recurso de Revista foi provido para declarar a incompetência material da Justiça do Trabalho para apreciar a causa, razão pela qual os autos foram remetidos à distribuição dos feitos da Justiça Comum, com lastro do art. 64, § 3º, do CPC (RR-608-11.2017.5.05.0463, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/07/2021).

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