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Por João Ozorio de Melo
Ao se preparar para defender um caso nos tribunais superiores, incluindo a Suprema Corte dos EUA, muitos advogados supõem que os juízes vão se ater à aplicação da lei, no julgamento do processo. No entanto, a história tem demonstrado que se saem melhor os advogados que sabem explorar as tendências “progressistas” da elite jurídica do país – ou o que os juízes consideram, em sua época, politicamente correto.
O professor de Direito Constitucional Rob Natelson, autor do livro The Original Constitution: What It Actually Said and Meant (A Constituição original: o que ela realmente disse e quis dizer), afirma em um artigo para o The Hill que é mais fácil para um advogado ter sucesso nos tribunais superiores, se ele estruturar a defesa com base em fatos que sustentam os valores sociais e culturais da elite jurídica, à época, do que puramente no arcabouço jurídico.
Obviamente, o pensamento progressista da moda muda com os anos, ele diz. Na virada do século, quando a economia do livre mercado se tornou o politicamente correto da época, se tornou mais fácil conseguir que a Suprema Corte declarasse inconstitucional leis que regulavam a atividade empresarial. Antes disso, nas décadas de 30 e 40, quando o pensamento coletivista prevalecia, isso era quase impossível.
Em 2015, os valores sociais e culturais induziram a Suprema Corte, mais do que qualquer argumentação jurídica, a decidir que a Constituição requer que os estados reconheçam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, diz Natelson.
Duas decisões recentes da Suprema Corte ilustram o sucesso e o fracasso de advogados que se valeram – ou não – das tendências “progressistas” da elite jurídica, à qual pertencem os ministros. No caso Murr v. Wisconsin, a família Murr alegou que as regulamentações de zoneamento autorizado pelo estado os privou de direitos de propriedade, sem a justa compensação, tal como estipula a Constituição.
No caso Trinity Lutheran Church v. Comer, a igreja alegou que o estado lhe negou acesso a um programa de subvenção, contrariando a Constituição. Segundo o professor, como o significado original da Constituição nem sempre prevalece nas decisões, a Suprema Corte decidiu contra a família Murr e a favor da Igreja Luterana.
Uma das razões da decisão desfavorável à família Murr, segundo Natelson, foi a de que seus advogados não apelaram para a “grandfather clause” (chamada “cláusula do vovô” por antiga), que “isenta certas classes de pessoas ou coisas das exigências de uma nova legislação que afeta seus direitos, privilégios ou práticas anteriores” — ou como todos sabem, viola direitos adquiridos.
Uma das razões que a Igreja Luterana ganhou foi a de que reclamou a concessão de verbas estaduais para garantir proteção às crianças — e não para ajudar a igreja. A igreja havia pedido ao estado dinheiro para colocar um revestimento de borracha, feito com a reciclagem de pneus velhos, no solo do parque infantil de sua escola. O estado negou, alegando que a verba só deveria favorecer escolas públicas.
A família Murr perdeu por 5 votos a 3, mesmo com ministros conservadores, que sempre votam a favor da propriedade, votando contra. A Igreja Luterana ganhou por 7 a 2, mesmo com ministros liberais, que costumam votar a favor da separação da Igreja do Estado, votando a favor da igreja.
As alegações da família Murr no processo não conseguiram superar alguns pontos antipáticos às tendências progressistas da elite jurídica. Tratava-se de uma propriedade privada de terra, em oposição ao interesse público. A terra se situa em uma área que o governo estadual e o governo federal consideram de conservação ambiental. A ação teve a ousadia de desafiar uma lei municipal criada para proteger o meio ambiente. Seu objetivo era desenvolver a propriedade para venda e pelo lucro.
As alegações da Igreja Luterana foram mais satisfatórias, no que se referem ao “politicamente correto”:
- Diferentemente da família Murr, o caso não envolvia puramente a liberdade individual; envolvia a liberdade de receber concessões governamentais para um público infantil;
- O programa de concessões de verbas estaduais se limita a organizações sem fins lucrativos; a organização da igreja era uma delas e não havia “lucro” na operação do parque infantil;
- O programa se dedica a uma causa ambiental — a reciclagem de pneus; a organização religiosa promovia a reciclagem e propagava a ideologia ambiental;
- O programa do estado é financiado pelos contribuintes, entre os quais as famílias dos usuários do parque;
- O programa garante pontos extras para parques infantis situados em áreas pobres e esse era o caso da escola e do parque infantil da igreja;
- O programa poderia ajudar a organização a cumprir as regulamentações federais que favorecem pessoas com deficiências físicas;
- O parque infantil não era frequentado apenas pelos filhos dos congregados da igreja, mas aberto a todas as crianças da comunidade, o que retira o caráter de privado.
Em outras palavras, os advogados da igreja exploraram elementos sociais, muitos deles comumente defendidos pela esquerda, como “sem fins lucrativos”, “reciclagem”, “financiado pelo contribuinte”, “pobreza”, “deficiência física”, “meio ambiente” e o mantra mais bem-sucedido de sempre, “comunidade”.
A lição para os advogados, diz o professor, é a de que as alegações jurídicas são necessárias, mas nem sempre são as ganhadoras na Suprema Corte dos EUA e outros tribunais superiores. Os valores sociais e culturais da época exercem um papel determinante, em muitos casos. Mas essas convicções são as dos ministros (ou da elite jurídica do país) e não as convicções pessoais do advogado. Às vezes o advogado tem de defender ideias que contradizem suas convicções pessoais, para obter um resultado positivo para seu cliente.
Fonte: conjur.com.br
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