Bancas e Editais: diferenças e cuidados

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Por: Dino Santos

Certa feita, um candidato bem preparado ficou pálido, absolutamente atônito diante do comando da prova discursiva, que dizia: num texto em prosa, discorra sobre… “Prosa” pareceu ao candidato, naquele instante, uma palavra do outro mundo, linguagem de marciano, motivo para inquietação. Se tivesse visitado a página da banca realizadora do concurso, provavelmente não se surpreenderia e entenderia que praticamente todos os textos são escritos em prosa, salvo os poemas e as poesias – sim, e as receitas de bolo ou macarrão.

Ao longo de mais de quinze anos lecionando redação para concursos e vestibulares, já vimos e ouvimos algumas histórias como essa, que podem parecer brincadeira, mas revelam a necessidade de os candidatos prestarem atenção nas diferenças entre cada banca e nos cuidados necessários na confecção de cada texto. O melhor, nesse sentido, é sempre visitar as páginas da banca organizadora e ver outras provas de concursos semelhantes ao que vai ser prestado pelo candidato. Comparar os editais é fundamental.

A primeira tarefa é entender exatamente que tipo de prova vai ser demandada pela Banca. Vejamos, por exemplo, o que consta do edital do concurso do Supremo Tribunal Federal: O edital do concurso do STF, realizado pelo CESPE, diz:

9 DA PROVA DISCURSIVA

9.1 A prova discursiva valerá 30,00 pontos e consistirá de:

a) para as especialidades das áreas Judiciária e Administrativa do cargo de Analista Judiciário, texto dissertativo, de até 30 linhas, abordando temas relacionados aos conhecimentos específicos do respectivo cargo/área/especialidade, constantes do subitem 13.2.1.2 deste edital;

b) para as especialidades/ramos da área Apoio Especializado do cargo de Analista Judiciário, estudo de caso, de até 30 linhas, abordando temas relacionados aos conhecimentos específicos do respectivo cargo/área/especialidade/ramo, constantes do subitem 13.2.1.2 deste edital;

Por outras palavras, o edital está com um recorte mais técnico, o que se revela no item 13.2.1.2, em que se encontra todo o conteúdo específico de cada cargo. Quando a Banca adota esse tipo de edital, a probabilidade maior é ter uma prova que praticamente faz um decalque de algum item do edital, para cada área, por exemplo:

Num texto de 30 linhas, discorra sobre:

  • Função do órgão de recursos humanos;
  • Atribuições básicas e objetivos;
  • Políticas e sistemas de informações gerenciais.

Num texto de 30 linhas, discorra sobre:

  • arquitetura de aplicações para ambiente web;
  • arquitetura em camadas; arquitetura de microsserviços;
  • arquiteturas de integração.

Ou, num texto de 30 linhas, discorra sobre os seguintes conceitos: provimento; vacância; remoção; redistribuição; e substituição.

O concurso para o Tribunal Superior Eleitoral, realizado pela Consulplan em 2012, trazia o seguinte: “8.1 A prova discursiva para o cargo de Analista Judiciário valerá 10,00 (dez) pontos e consistirá na elaboração de texto de, no mínimo, 30 (trinta) e, no máximo, 35 (trinta e cinco) linhas, que versará sobre tema da atualidade”.

Quando verificamos a prova, para analista judiciário, vemos que, de fato, a Banca propôs um tema da atualidade: “considerando os textos de referência, discorra sobre a participação social através do voto, instrumento prático de cidadania, tendo em vista os direitos e deveres do eleitor e do eleito.” Aqui há um dado curioso, porque, no lugar dos itens, mais comuns no CESPE, a Banca apresenta o roteiro no próprio tema, ou seja, quer saber os direitos e deveres do eleitor e do eleito.

Mais do que se preocupar com algumas diferenças entre as provas discursivas das diversas Bancas Examinadoras, o candidato deve dar atenção especial à modalidade de texto que terá de produzir, sobre tema da atualidade ou sobre conteúdo específico. Neste, o desafio é conseguir exaurir o conteúdo, mostrando que tem domínio sobre a expressão escrita; naquele, a tarefa envolve pensamento crítico e capacidade de formulação sobre os temas mais recorrentes na agenda nacional.

Afora essas duas modalidades, o candidato deve ficar atento aos estudos de caso, como tem ocorrido sobretudo em concursos de grande envergadura. Trata-se de uma modalidade de texto em que o candidato precisa aplicar os conhecimentos à análise de uma situação hipotética ou real.

No concurso para gestor realizado pela ESAF em 2013, os candidatos tinham um longo texto, com a narrativa de uma série de episódios a respeito de problemas de gestão na Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE) e, em seguida, um conjunto de pontos sobre os quais precisavam se posicionar:

a) apresente o conceito de racionalidade substantiva. Em seguida – e à luz da racionalidade substantiva –, explique as consequências desta prática de gestão governamental que resultou em uma ação que aplicou 90% do recurso para material gráfico ao combate do trabalho b) considerando os sistemas de incentivos e responsabilização, e o cotidiano racional legal predominante nas formas de gestão de serviços públicos, explique as escolhas do gestor responsável pela ação local de erradicação do trabalho escravo à luz da racionalidade adotada. c) indique uma metodologia de desdobramento das estratégias no planejamento estratégico que se adequa ao MPT, visando romper o desafio da CONAETE. Em adição, explique e justifique a escolha da metodologia.

O CESPE, por sua vez, tem surpreendido os candidatos de alguns concursos com uma prova discursiva na modalidade estudo de caso, embora isso não fique claro na leitura do edital. No concurso para escrivão da Polícia Federal, por exemplo, o edital dizia: “7 DA PROVA DISCURSIVA 7.1 A prova discursiva, de caráter eliminatório e classificatório, valerá 13,00 pontos e consistirá na elaboração de texto narrativo, dissertativo e/ou descritivo, com, no máximo, 30 linhas, com base em tema formulado pela banca examinadora”.

Com esse tipo de comando, o mais provável era ter uma prova sobre tema da atualidade, mas não foi isso o que ocorreu. O CESPE apresentou um estudo de caso, o que deve ter pego quase todos de surpresa, porque, o costume é dizer no edital que a prova será nessa modalidade. Não é a primeira vez que o CESPE faz isso. Vamos ao exemplo da prova de escrivão.

Juca, brasileiro, maior, capaz, após viagem ao Uruguai, ingressou no território nacional trazendo em sua bagagem dezesseis equipamentos de informática de origem estrangeira, especificamente placas e processadores para microcomputadores, desacompanhados da documentação legal, sem pagamento de tributos devidos e sem autorização da autoridade competente para ingresso dos bens no país.

Juca pretendia montar máquinas caça-níqueis. Ao desembarcar no aeroporto internacional de Brasília, Juca foi abordado por agentes da Receita Federal e da Polícia Federal, em operação conjunta, e, após diligências preliminares, com apreensão dos equipamentos e autuação na esfera administrativa/fiscal, foi imediatamente conduzido e apresentado à Delegacia da Polícia Federal para a consecução dos procedimentos legais, juntamente com toda documentação e objetos referentes ao caso. Os bens foram avaliados pela autoridade fiscal em R$ 40.000,00, cujos impostos devidos equivaleriam ao montante de R$ 18.000,00.

Na Delegacia da Polícia Federal, Juca declarou que os bens apreendidos seriam de propriedade de terceiros e receberia a quantia de R$ 500,00 apenas pelo transporte e entrega. Por ser pessoa sem recursos financeiros, solicitou ao delegado assistência jurídica da Defensoria Pública, tendo o defensor plantonista prontamente comparecido ao local. Este, ao tomar conhecimento da situação, informou ao delegado a impossibilidade de se efetivar, por ora, qualquer procedimento contra Juca, tampouco a autuação do indivíduo, em face da ausência de conclusão do procedimento administrativo fiscal, devendo ser ordenada a liberação imediata do acusado. Caso o delegado assim não proceda, a autoridade policial e o escrivão podem ser responsabilizados criminalmente, ante a advertência apresentada, em especial, o escrivão, por cumprir ordem manifestamente ilegal.

Considerando a situação hipotética acima apresentada, redija um texto dissertativo, respondendo, necessariamente e de maneira justificada, aos questionamentos a seguir. Em seu texto, dispense fatos novos.

  • O simples ingresso, em território nacional, dos bens descritos na situação hipotética constitui crime? Em caso afirmativo, qual(is) seria(m) a(s) infração(ões) penal(is) cabível(is)? [valor: 2,40 pontos]
  • Admite-se a lavratura do auto de prisão em flagrante? Há necessidade de instauração de inquérito policial? [valor: 5,00 pontos]
  • O escrivão poderá ser responsabilizado caso cumpra determinação da autoridade policial para realizar a lavratura dos documentos pertinentes ao caso? [valor: 5,00 pontos]

Portanto, na preparação para os concursos, os candidatos devem ter a preocupação de ler atentamente os editais e de ver as provas de outros certames já aplicadas pela mesma Banca. É preciso estar preparado para tudo, inclusive variações e formatos diferenciados do usual, com ou sem, apresentação de textos motivadores. A ordem é interagir com a prova e produzir o texto com base no comando da discursiva. Para isso, o candidato precisa de treino e orientação de um profissional habilitado.

O Professor Dino é consultor legislativo da Câmara Legislativa do DF, autor do livro Provas Discursivas: Estratégias e professor do Gran Cursos.

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