O enquadramento do imóvel residencial em que habita o devedor como bem de família já foi há muito tempo sedimentado no âmbito normativo (Lei n. 8.009/1990) e consolidado em sede jurisprudencial.
Aliás, o art. 1º do referido diploma informa: “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.
Entretanto, sempre ressurge a discussão sobre a manutenção dessa impenhorabilidade quando se trata de bem imóvel luxuoso ou suntuoso, cuja alienação em execução trabalhista permitiria que o antigo proprietário quitasse suas dívidas exequendas e, ainda assim, com o valor remanescente, não ficasse privado da proteção à família que o legislador busca assegurar.
De fato, para a corrente que não admite a presunção absoluta de impenhorabilidade, desde que preservada a possibilidade de o executado adquirir nova moradia de padrão médio com os valores restantes decorrentes da utilização do produto da alienação judicial de bem suntuoso, nada obstaria a constrição desse imóvel de alto padrão. Nessa direção, mencionamos o seguinte julgado do TRT da 1ª Região:
BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL SUNTUOSO. PRESERVAÇÃO DA MORADIA DO EXECUTADO, SEM PREJUÍZO DO CRÉDITO ALIMENTAR TRABALHISTA. CONFLITO APARENTE, POIS A ANÁLISE FÁTICA DEMONSTRA A DESPROPORÇÃO ENTRE O VALOR DO BEM E O CRÉDITO TRABALHISTA. Considera-se que, tratando-se de imóvel suntuoso, o crédito trabalhista, ante sua natureza alimentar, é preferencial, autorizando a penhora, desde que preservada a possibilidade de o devedor adquirir bem de igual natureza. (Proc. 02058004920005010009. Agravo de Petição. Publicação: 28/04/2016. Órgão Julgador: 7ª Turma)
Esse entendimento realmente parece muito atraente para parte da doutrina, porquanto o próprio legislador já havia acenado para a possibilidade de penhora de bens móveis integrantes da residência que ultrapassassem as necessidades médias do ser humano, conforme art. 833 do CPC: “São impenhoráveis: II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida”.
Aliás, vale lembrar que o art. 2º, caput, da Lei n. 8.009/1990 explana: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. Embora o preceito também se refira a bens móveis, a regra evidenciaria a intenção do legislador de afastar bens de valor que excedam as necessidades médias do ser humano, o que poderia, segundo a corrente mencionada, ser aplicado no raciocínio referente à impenhorabilidade de imóveis.
Ademais, os princípios da redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII, CF) e da função social da propriedade (art. 170, III, CF) orientam a ordem econômica, a qual, conforme preceitua o art. 170, caput, está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e visa assegurar a todos existência digna, de acordo com a justiça social. Nesse contexto, tendo em vista essa premissa e considerando a natureza alimentar do crédito trabalhista, haveria, para essa posição, a possibilidade de penhora da residência que fosse luxuosa ou suntuosa.
Entretanto, não tem sido essa a orientação do Tribunal Superior do Trabalho, o qual tem reconhecido que a Lei n. 8.009/1990 não especificou essa exceção. Transcrevemos os seguintes julgados do TST:
(…) III – RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DE VALOR ELEVADO. UTILIZAÇÃO PARA FINS RESIDENCIAIS DO EXECUTADO E SUA FAMÍLIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. A decisão regional entendeu que não pode prevalecer a proteção do bem de família suntuoso em detrimento do crédito alimentar/trabalhista, pois o valor do imóvel é excessivo, podendo os executados adquirir outro imóvel com o valor remanescente da hasta pública. O bem de família, tal como prevê a Lei nº 8.009/90, é um instituto de caráter social, cuja finalidade é assegurar a integridade dos bens indispensáveis à normal sobrevivência. A Lei nº 8.009/90 assim disciplina e define o bem de família: “Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. O Tribunal Regional constatou ser incontroverso que os executados, sócios da empresa ré (já falida), moram no imóvel sobre o qual se pretende a penhora, com familiares, sendo o mesmo endereço no qual os executados foram citados, não se verificando, além do elevado valor, o seu enquadramento nas exceções legais. Esta Corte Superior tem entendido que o fato de o imóvel ser de alto valor não inviabiliza nem retira a proteção legal que determina a impenhorabilidade do bem de família que é utilizado como a residência da família. Recurso de revista conhecido e provido.
(RR – 1771200-75.2005.5.09.0028. Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann. Data de Julgamento: 05/10/2016. 2ª Turma. Data de Publicação: DEJT 14/10/2016) (Negrito nosso.)
(…) III – RECURSO DE REVISTA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA DE VALOR ELEVADO. O art. 5º, XXII, da Constituição da República consagra o direito de propriedade e o art. 6º garante a moradia do indivíduo como um direito social. O art. 1º da Lei nº 8.009/90 prevê a impenhorabilidade do bem de família, protegendo o núcleo familiar e a sua residência. Essa regra comporta exceções previstas taxativamente no art. 3º do referido diploma legal. No caso dos autos, o e. TRT manteve a penhora sobre bem de família, considerando que “não pode prevalecer a proteção de bem de família ‘suntuoso’ em detrimento do crédito alimentar/trabalhista, o que justifica a constrição judicial”. Tal modalidade de penhora não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 3º da Lei nº 8.009/90, sendo que a manutenção da constrição judicial afeta o direito à moradia garantido na Constituição da República. Desse modo, há que se reconhecer a impenhorabilidade do bem de família. Recurso de revista conhecido por violação dos arts. 5º, XXII e 6º, da Constituição da República e provido.
(RR – 95700-83.2006.5.09.0012. Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte. Data de Julgamento: 06/04/2016. 3ª Turma. Data de Publicação: DEJT 15/04/2016) (Negrito nosso.)
RECURSO DE REVISTA – EXECUÇÃO – BEM DE FAMÍLIA DE ELEVADO VALOR – IMPENHORABILIDADE – MORADIA PERMANENTE. De acordo com o art. 1º da Lei nº 8.009/90, o imóvel próprio da entidade familiar é impenhorável, salvo nas hipóteses previstas no art. 5º da citada lei, que não mitigam o comando legal em decorrência do elevado valor do bem. Assim, reconhecendo a Corte de origem tratar-se de bem de família, mas determinando a subsistência da penhora, resta violado o art. 6º da Magna Carta, que elege a moradia como um direito social. Precedente deste Colegiado. Recurso de revista conhecido e provido.
(RR – 52100-79.2003.5.15.0099. Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Data de Julgamento: 02/06/2015. 7ª Turma. Data de Publicação: DEJT 05/06/2015) (Negrito nosso.)
Como se vê, o Tribunal Superior do Trabalho entende que as hipóteses de exceção da impenhorabilidade do bem de família estão taxativamente previstas em lei, não podendo ser o rol ampliado sem previsão legal. Analisando a lei, há previsão de exceções na lei do bem de família, mas não está indicado o bem luxuoso ou suntuoso dentre elas:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – revogado.
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Assim, partindo dessa premissa e considerando o direito à moradia assegurado no art. 6º da Constituição Federal, o TST não tem admitido a penhora de residências que sejam bem de família pelo fato de possuir valor extremamente alto.
Aliás, apenas para visualizar que a posição do Tribunal Superior do Trabalho caminha no mesmo sentido de outros Tribunais, segue o julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece essa impenhorabilidade:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE PENHORA. IMÓVEL DE LUXO. IRRELEVÂNCIA. ACÓRDÃO QUE CONCLUIU NÃO SE TRATAR DE IMÓVEL SUNTUOSO. AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO PARA AFASTAR SUA IMPENHORABILIDADE. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 7 E 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A respeito da impenhorabilidade de bem imóvel de luxo, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que “a Lei nº 8.009/90 não estabelece qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família no que toca a seu valor nem prevê regimes jurídicos diversos em relação à impenhorabilidade, descabendo ao intérprete fazer distinção onde a lei não o fez” (AgRg no REsp 1.397.552/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma, julgado em 20/11/2014, DJe 27/11/2014).
(…)
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 907.573/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 30/09/2016)
José Gervásio – Ex-Procurador do Estado do Goiás. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Juiz do Trabalho. Ministra as matérias de Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Administrativo.
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