Carta Rogatória e Auxílio Direto: Uma importante decisão do STJ sobre Cooperação Jurídica Internacional em matéria penal.

Fala pessoal, tudo certo?

Avatar


05 de fevereiro2 min. de leitura

Vocês já devem ter reparado que vários editais de certames públicos têm trazido, dentro de direito penal, processual penal ou internacional, o tema de cooperação jurídica internacional, certo?

Essa é uma realidade teórica e prática em face da qual não se pode fugir, mormente em um mundo tão globalizado e de práticas criminosas que envolvem mais de um país. Nesse contexto, o mútuo esforço de cooperação na persecução penal é uma realidade inafastável.

Nesse contexto, é preciso dominar determinados institutos relacionados – direta ou lateralmente – com a cooperação internacional, especialmente quando objeto de precedentes das Cortes Superiores brasileiras.

Justamente por isso, vamos comentar um importante precedente do Superior Tribunal de Justiça, que culminou com a declaração de nulidade de medida de busca e apreensão realizada a partir de ordem emanada do Poder Judiciário francês.

Consoante observado pelo STJ, o cumprimento da referida decisão não fora antecedida de exequatur, ou seja, não foi objeto de prévia autorização do próprio STJ para cumprimento de Carta Rogatória, conforme previsão do art. 105, I, “i” da CF/88.

No caso específico, o Promotor da República de Paris denunciou e
solicitou ao Judiciário francês o processamento da investigação, e o
Juiz de instrução julgou necessárias as providências referentes à
colheita de prova “para a manifestação da verdade”. Assim, o Juízo
estrangeiro, ao deferir a produção da prova requerida pelo
Ministério Público, emitiu pronunciamento jurisdicional. Quer dizer, houve um juízo de valor realizado pelo Judiciário alienígena sobre
a necessidade e adequação da colheita de prova. A decisão judicial
estrangeira, portanto, deveria ser submetida ao juízo delibatório do
Superior Tribunal de Justiça, assegurando-se às Partes as garantias
do devido processo legal, sem, contudo, adentrar-se no mérito da
decisão proveniente do País rogante, o que não se verificou.

No caso específico, o pedido do juízo francês foi autorizado pela 9ª Vara Federal do RJ com base no acordo de cooperação existente entre os dois países (Dec. 3324/99). No entanto, a Ministra Laurita Vaz apontou a necessidade de se realizar uma cuidadosa avaliação e distinção entre Carta Rogatória e Auxílio Direto.

Na primeira, há decisão do juízo rogante que precisa ser executada em outro Estado (rogado) que, no caso do Brasil, demanda concessão de exequatur pelo STJ, a fim de se avaliar a legalidade FORMAL do pedido (não há análise meritória). Já no auxílio direto, há um pedido de assistência diretamente ao Estado rogado para que este preste informações ou requeira à Justiça para analisar a providência requerida (por exemplo, uma busca e apreensão), com base no Acordo de Cooperação.

EIS O PULO DO GATO! No caso em tela, tivemos uma medida deferida pelo Tribunal francês, ou seja, um ato de caráter decisório. Não houve pedido de auxílio direto, não se tratando de mero encaminhamento de pedido de cooperação. Seria imprescindível que essa decisão fosse submetida ao crivo da checagem de legalidade, justamente através do exequatur.

Segundo o STJ, “não se trata de mero ato judicial formal de encaminhamento de pedido de cooperação, mas de ato com caráter decisório proferido pelo Poder Judiciário francês no exercício típico da função jurisdicional. A concessão do exequatur é imprescindível na hipótese, pois, existente decisão judicial estrangeira a ser submetida ao crivo desta Corte, o caso concreto amolda-se à definição de carta rogatória, sendo de rigor a anulação dos procedimentos já realizados. Não respeitada a competência adequada para o processamento da cooperação internacional em território nacional, nos termos do art. 105, inciso III, alínea i, da Constituição da República, impõe-se a anulação do feito desde o seu início. O ato de delegação da condução e direção de produção de prova oral à Autoridade estrangeira, a fim de que esta proceda diretamente à inquirição da testemunha ou do investigado, não encontra qualquer tipo de respaldo constitucional, legal ou jurisprudencial. (…). Além disso, a nulidade decorrente do reconhecimento da necessidade de exequatur, abrange também a realização do aludido ato[1].

Daí porque houve a nulidade! Outros vícios foram apontados, como a deliberada delegação do protagonismo para autoridades estrangeiras, já que o membro do MPF se ausentou da sala no início da oitiva do investigado, deixando-o com os franceses.

Enfim, tema muitíssimo importante! Você sabia da diferença entre Carta Rogatória e Auxílio Direto? Agora já sabe! Anota aí e vamos em frente, porque isso vai cair na sua prova!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

[1] RHC 102.322/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020.

Avatar


05 de fevereiro2 min. de leitura