Complicações trans e pós-operatórias em cirurgia bucal

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29 de março5 min. de leitura

INTRODUÇÃO

                As complicações em cirurgia bucal, apesar de pouco frequentes, são ocorrências que muitas vezes prejudicam uma boa evolução na cicatrização do paciente. E dentro da Cirurgia Bucal, diversos procedimentos podem evoluir com complicações, as quais exigirão uma conduta adequada do cirurgião-dentista, visando o tratamento e bem-estar do mesmo.

Neste artigo de hoje, iremos discutir individualmente algumas das principais complicações que podem ocorrer na prática da cirurgia bucal: alveolite, infecção pós-operatória, sangramento/hemorragia trans e/ou pós-operatório e fístula bucosinusal.

 

ALVEOLITE (OU OSTEÍTE ALVEOLAR)

                A alveolite é uma complicação pós-exodontia definida como a perda, lise ou colapso de um coágulo sanguíneo antes do seu amadurecimento para tecido de granulação, o que resulta principalmente em dor intensa (de 3 a 5 dias após a exodontia) e mau cheiro. Importante notar que essa dor intensa normalmente não responde favoravelmente à administração de analgésicos simples, como a dipirona ou o paracetamol.

Dentre os fatores de risco, pode-se destacar o uso de anticoncepcionais, tabagismo, aumento da idade, histórico de pericoronarite, tempo de cirurgia e trauma cirúrgico aumentados.

Além do relato clínico do paciente (queixa principal), que é muito característico de alveolite, o exame clínico evidencia a formação de um coágulo cinza-amarronzado (parcialmente desintegrado) ou a ausência total de qualquer coágulo dentro do alvéolo dentário.

Como forma de prevenção, alguns autores acreditam que a aplicação de uma boa técnica cirúrgica com trauma mínimo, irrigação copiosa e uso de enxágues de clorexidina ou antibióticos tópicos podem reduzir a incidência da osteíte alveolar. Por outro lado, deve-se destacar que o uso de antibióticos sistêmicos NÃO apresenta comprovação científica quando se fala em prevenção da complicação.

Dentro do tratamento, a principal medida é o alívio da dor. Como dito anteriormente, uma característica da alveolite é a não responsividade ao uso de analgésicos simples, como dipirona ou paracetamol. Nesse caso, pode ser necessário melhorar a analgesia do paciente com analgésicos mais fortes, como o tramadol ou a codeína. Uma outra medida adotada nesse momento inicial é a irrigação suave com soro fisiológico ou clorexidina 0,12% com ou sem desbridamento mecânico, mas SEM curetagem do alvéolo, visto que essa manobra acaba aumentando a exposição do osso alveolar.

Por fim, se essas medidas não apresentarem sucesso terapêutico, deve-se utilizar inserir uma medicação  dentro do alvéolo dentário. Essa medicação é composta por eugenol, benzocaína e um veículo carreador (p.ex.: bálsamo do Peru), que deve ser trocada todos os dias por 3-6 dias, dependendo da gravidade da dor.

 

INFECÇÃO PÓS-OPERATÓRIA

A infecção pós-operatória é uma complicação que, se não tratada adequadamente, pode evoluir para um quadro de bastante gravidade para o paciente, inclusive com risco de morte.

Os fatores de risco estão associados a cirurgia de terceiros molares, trauma cirúrgico e tempo de cirurgia aumentados, presença de doença periodontal e aumento da idade. Os sinais e sintomas mais comuns são edema e eritema localizado, ponto de flutuação (abscesso), trismo e manifestações sistêmicas (febre, desidratação, etc).

Quanto ao uso de antibióticos de forma profilática, esta conduta ainda é bastante controversa. Diversos trabalhos afirmam que o uso de antibióticos preventivamente não diminui o risco de desenvolvimento de uma infecção pós-operatória, sendo mais importante a adoção de medidas de adequação bucal e minimização do trauma cirúrgico e do tempo de cirurgia.

Por outro lado, ocorrida a infecção, o tratamento se baseia na drenagem e na prescrição de antibióticos, sendo os mais utilizados a amoxicilina 500mg, de 8 em 8 horas, o metronidazol 250mg, de 8 em 8 horas e, para pacientes alérgicos à amoxicilina, a clindamicina 300mg, também de 8 em 8 horas.

Mas ATENÇÃO! Mesmo em um caso de infecção, nem sempre estará indicado a prescrição de antibióticos (olhar o quadro abaixo).

SANGRAMENTO/HEMORRAGIA

                Para as hemorragias trans ou pós-operatórias, a melhor forma de “tratar” é prevenir. Isso porque, na maioria das vezes, esta complicação ocorre devido à não observância de algum ponto importante da anamnese. Deve-se, previamente a cirurgia, investigar a ocorrência de histórico de hemorragia, presença de discrasias sanguíneas, como a Doença de Von Willebrand ou a hemofilia, e uso de medicamentos anticoagulantes, como a warfarina, clopidogrel, AAS, etc.

Quanto ao uso de medicamentos anticoagulantes, é importante observar que, de forma geral, a literatura NÃO recomenda a suspensão desses medicamentos antes de cirurgias menores, principalmente se não foi algo discutido com o médico assistente do paciente. Nesses casos, o mais importante é solicitar exames pré-operatórios, como o coagulograma, para avaliar o estado de coagulação do paciente.

Outras medidas preventivas também muito importantes são a utilização de técnicas atraumáticas, obtenção de uma boa hemostasia trans-operatória e a realização de boas instruções para paciente no pós-operatório.

Entretanto, ainda assim, se ocorrer uma hemorragia, a manobra inicial a ser realizada, e que muitas vezes irá resolver a situação, é a compressão firme e contínua por 30 minutos com gaze. Se não houver sucesso, deve-se explorar e desbridar a ferida sob anestesia local, colocando, em seguida, algum material hemostático dentro do alvéolo. Dentre as opções, pode-se citar esponja gelatinosa reabsorvível, celulosa oxidada regenerada (para sangramentos mais persistentes), esponja gelatinosa + líquido preparado de trombina e colágeno microfibrilar.

 

FÍSTULA BUCOSINUSAL (OU BUCOANTRAL)

                De forma geral, a fístula bucosinusal evolui de uma comunicação bucosinusal não cicatrizada, ou tratada de modo impróprio. Dentre os fatores de risco, pode-se citar proximidade dos dentes superiores com o seio maxilar, infecção periapical, extração traumática.

Quando da ocorrência de uma comunicação bucosinusal subsequente à uma extração, deve-se tomar alguns cuidados para minimizar o risco de desenvolvimento de uma fístula bucosinusal. Os cuidados incluem a eliminação de qualquer infecção crônica ou aguda dentro do seio maxilar, irrigação frequente da fístula e do seio maxilar e utilização de antibióticos e descongestionantes nasais.

Em relação ao tratamento para fechamento de fístulas bucosinusais, as principais técnicas utilizadas são avanço de retalho bucal, avanço de retalho palatino e retalho de avanço facial e palatino sobre uma membrana de material aloplástico.

 

REFERÊNCIAS PARA ESTUDO

Hupp JR et al. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015

Miloro et al. Principios De Cirurgia Bucomaxilofacial Peterson. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016

 

Agora vamos discutir como esse assunto pode ser abordado nas provas de residências e concursos em Odontologia.

 

QUESTÕES DE CONCURSO E RESIDÊNCIA

  1. (VUNESP – 2020 – EBSERH – Cirurgião Dentista) Paciente de 40 anos, gênero feminino, foi submetida à cirurgia de exodontia do dente 47 há 4 dias. Queixa-se de dor intensa, irradiada ipsilateralmente do alvéolo para ouvido, região temporal e olho. Clinicamente, observam-se odor fétido e alvéolo ósseo vazio.

O diagnóstico provável e a respectiva alternativa de procedimento clínico de urgência indicado para o caso clínico são:

A. alveolite úmida; anestesia, curetagem do alvéolo para estimular o sangramento, medicação intra-alveolar e sutura.

B. alveolite purulenta; curetagem do alvéolo para remoção de tecido inflamado, medicação intra-alveolar e sutura.

C. osteíte alveolar; irrigação com solução salina estéril.

D. osteomielite; curetagem do alvéolo para remoção do coágulo putrefeito, irrigação com solução salina estéril, medicação intra-alveolar e sutura.

E. alveolite fibrinolítica; curetagem vigorosa das paredes do alvéolo, irrigação com solução salina estéril, medicação intra- alveolar (pomada de iodofórmio com eugenol) e sutura.

Comentários:

O enunciado da questão trás características bem específicas de um caso de alveolite (também chamada de osteíte alveolar): 1) histórico de realização de cirurgia de exodontia; 2) ocorrência da dor entre 3-5 dias; 3) dor intensa, que pode irradiar; 4) aspecto clínico de alvéolo vazio e odor fétido. Quanto ao tratamento, consiste basicamente no alívio da dor, com prescrição de analgésicos mais potentes, e irrigação intra-alveolar com soro fisiológico (solução salina) ou clorexidina 0,12%.

Resposta: C.

 

        2. (Secretaria de Saúde da Bahia – 2014 – Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial) Sobre o quadro hemorrágico em odontologia, é correto afirmar:

        A. O tempo de protrombina investiga, globalmente, os fatores de coagulação da via intrínseca de coagulação.

        B. A doença de Von Willebrand se deve a uma anormalidade quantitativa e qualitativa do fator Von Willebrand e é a mais frequente das doenças de hemostasia.

        C. Hemorragias tardias são as mais comuns e se apresentam sob sangramento abundante no quinto ou sexto dia após o procedimento cirúrgico.

       D. Entre os agentes terapêuticos disponíveis para manejo dos distúrbios hemorrágicos, destacam-se: vitamina K, sulfato de protamina, vasopressina e heparina.

       E. No atendimento ao paciente com quadro hemorrágico, deve-se fazer anestesia local sem vasoconstritor para um procedimento eficaz.

 

Comentários:

Alternativa A: O tempo de protrombina investiga os fatores de coagulação da via EXTRÍNSECA. O tempo de tromboplastina parcial investiga os fatores intrínsecos.

                Alternativa B: CORRETA.            

Alternativa C: As hemorragias tardias são pouco comuns e normalmente se apresentam no mesmo dia do procedimento cirúrgico, cerca de 6 a 8 horas após a cirurgia.

Alternativa D: a heparina é uma medicação anticoagulante, ou seja, de forma alguma pode ser utilizada para manejo de um sangramento.

Alternativa E: no atendimento de um paciente com hemorragia, a anestesia local deve ser feita COM vasoconstritor, exatamente para provocar uma vasoconstrição local, diminuindo o fluxo sanguíneo na região.

 

Pessoal, para complementar o conhecimento sobre esse tema, acessem a aula no Youtube do GranSaúde: https://www.youtube.com/watch?v=e15zFLkhUDU&t=38s . Sintam-se à vontade para questionar, sugerir temas, tirar dúvidas… Estarei nas plataformas do GranCursosOnline e no meu Instagram.

Um abraço e bons estudos!

 

Prof. Daniel Miranda

@danielmirandabucomaxilo

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