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Por Fernando Salzer e Silva
Em dezembro de 2014, através da lei Federal 13.058, que, entre outras disposições, deu nova redação ao parágrafo 2º, do artigo 1.584, do CC, foi efetuada relevante alteração no regramento do direito de família brasileiro, passando o regime da guarda compartilhada de exceção à regra no ordenamento jurídico nacional.
A Guarda compartilhada, atualmente regulada pelos artigos 1.583 a 1.584, incisos e parágrafos1, do CC, é, na sua essência, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, quando ambos se revelarem aptos a exercer tal poder e se mostrarem, ao mesmo tempo, interessados em deter a guarda dos menores. Em tal tipo de guarda, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre pai e mãe, sempre tendo em vista as condições fáticas e, primordialmente, os interesses dos filhos.
Importante ressaltar que a distribuição equilibrada do tempo de convívio na guarda compartilhada não pode ser confundida com convivência livre, uma vez que os períodos de convivência, no intuito de atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, deverão ser expressamente fixados e delimitados na decisão ou no acordo judicial. De igual modo, tal convívio equilibrado dos pais com os filhos na guarda compartilhada não deve ser confundido com a imposição de divisão de tempo matematicamente igualitário entre os genitores, conforme previsto no tipo de guarda denominado alternada, espécie de guarda esta que não encontra previsão legal e amparo constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, além de exigir a divisão matemática do tempo de permanência dos filhos com cada um dos pais, alternância da custódia física, também acarreta o exercício exclusivo da maior parte do poder familiar pelo genitor que estiver momentaneamente com o filho em sua companhia, cabendo ao guardião da ocasião decidir à sua maneira, por iniciativa própria e independentemente da opinião e concordância do outro genitor, o que entende que será melhor para o filho durante o período que estiver de posse da custódia física do menor.
O compartilhamento da guarda, regra hoje prevista na legislação, é, sem sombra de dúvidas, o melhor instrumento legal para dar efetividade às normas constitucionais, como será demonstrado abaixo.
A atual redação dos parágrafos 1º e 2º, do art. 1.583, do CC, ao prever a responsabilização e o exercício conjunto dos direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, bem como que o tempo de convívio com estes deve ser dividido de forma equilibrada entre os genitores, sempre tendo em vista, primordialmente, os interesses dos rebentos, dá plena eficácia às disposições constitucionais constantes nos parágrafos 3º, 4º e 5º, do artigo 2262, tal qual no parágrafo 6º, do artigo 2273, protegendo e efetivando o direito de todos os filhos e respectivos genitores à convivência familiar, não importando a situação conjugal, estado civil, vínculos afetivos e de amizade existentes ou não entre os genitores, bem como se estes habitam ou não juntos.
Além disso, o presente texto constante do parágrafo 2º, do artigo 1.584, do CC, quando determina que na falta de consenso entre os genitores será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos pais declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor, dá total validade à norma constitucional inserta no inciso I, do artigo 5º, que reza que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, bem como, ao mesmo tempo, se revela em consonância com o objetivo estampado no artigo 3º, inciso IV4, da mesma Carta Constitucional, qual seja, o de promover o bem estar de todos, sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação.
Outro fato que não pode passar desapercebido é que quando o CC afasta a exigência de consenso entre os genitores para instituição da guarda compartilhada, mais do que dar efetividade às já mencionadas normas constitucionais, tal dispositivo está também expressamente reconhecendo a criança e o adolescente como sujeitos de direito, pessoas em desenvolvimento que necessitam ter seus interesses e direitos amparados e protegidos integralmente, devendo tais interesses e direitos, conforme previsto no caput do artigo 227 da Constituição, se sobreporem às paixões condenáveis e às conveniências egoísticas de seus genitores, ambas decorrentes do termino da sociedade conjugal ou do fim do relacionamento amoroso ou eventual.
A assertiva acima foi objeto de magistral decisão proferida pelo STF, cuja ementa se reproduz abaixo:
“A família, a sociedade e ao Estado, a Carta de 1988 impõe o dever de assegurar, com prioridade, a criança e ao adolescente, o direito à vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária, e de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão – artigo 227. As paixões condenáveis dos genitores, decorrentes do termino litigioso da sociedade conjugal, não podem envolver os filhos menores, com prejuízo dos valores que lhes são assegurados constitucionalmente. Em idade viabilizadora de razoável compreensão dos conturbados caminhos da vida, assiste-lhes o direito de serem ouvidos e de terem as opiniões consideradas quanto a permanência nesta ou naquela localidade, neste ou naquele meio familiar, alfim e, por consequência, de permanecerem na companhia deste ou daquele ascendente, uma vez inexistam motivos morais que afastem a razoabilidade da definição. Configura constrangimento ilegal a determinação no sentido de, peremptoriamente, como se coisas fossem, voltarem a determinada localidade, objetivando a permanência sob a guarda de um dos pais. O direito a esta não se sobrepõe ao dever que o próprio titular tem de preservar a formação do menor, que a letra do artigo 227 da CF tem como alvo prioritário. Concede-se a ordem para emprestar a manifestação de vontade dos menores – de permanecerem na residência dos avós maternos e na companhia destes e da própria mãe – eficácia maior, sobrepujando a definição da guarda que sempre tem color relativo e, por isso mesmo, possível de ser modificada tão logo as circunstancias reinantes reclamem.” (STF. HC69303. Órgão Julgador: Segunda Turma. Rel. Min. Néri da Silveira. Rel. p/acórdão. Min. Marco Aurélio. Data do Julgamento: 30/0/1992).
Assim, pelo exposto, fica evidente que, ao contrário do entendimento de uma minoria isolada da doutrina, as disposições legais que regem e definem os contornos, hipóteses, requisitos, condições e forma de aplicação da guarda compartilhada dos filhos não padecem de nenhuma inconstitucionalidade, se revelando como importante instrumento para dar efetividade a várias disposições constitucionais, em especial a do artigo 227, caput, que prevê que deve ser dada absoluta primazia e prioridade aos interesse dos menores.
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1 CC. Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
4o (VETADO).
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe
§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
2 CRFB/88. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
3 CRFB/88. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
4 CRFB/88. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(…)
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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Fonte: migalhas.com.br
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