A constituição definitiva do crédito tributário e o termo inicial do prazo prescricional: a posição do STJ no REsp 1.320.825

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stj_logoquad cópiaRecentemente foi publicado acórdão no qual o STJ consolidou entendimento, em recurso repetitivo (REsp 1.320.825), no seguinte sentido:

“A notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.”

Como se percebe, a decisão proferida pela E. Corte trata de dois temas distintos: (i) quando se considerada definitivamente constituído o crédito tributário; e (ii) qual o termo inicial do prazo prescricional para a sua cobrança.

No que diz respeito ao momento da constituição do crédito, esta decisão é importante porque há divergências no próprio STJ quanto a esta matéria. Vejamos um exemplo.

O STF, no que foi acompanhado pelo STJ,1 ao decidir sobre o momento em que se considera possível a instauração de ação penal, relativamente aos crimes contra a ordem tributária, decidiu que essas modalidades de ilícito só se consumam após a constituição definitiva do crédito tributário. Essa posição, inclusive, foi objeto da Súmula Vinculante nº 24.2

Ao examinar os precedentes que precederam a edição desta súmula, bem como os posteriores,3 verifica-se claramente que, no entender destas Cortes, a constituição definitiva do crédito somente ocorreria com o encerramento da discussão na esfera administrativa. O mesmo se observa nos debates entre os Ministros do STF quando aprovaram a redação da súmula mencionada.

Percebe-se, assim, que ao examinar as condições para a tipificação dos crimes contra a ordem tributária, os Tribunais Superiores entenderam que a constituição definitiva do crédito tributário não ocorreria com a notificação, mas sim com o encerramento da discussão na esfera administrativa.

Parece-nos, porém, que tal posição está equivocada. O processo administrativo, longe de constituir uma etapa de constituição do crédito tributário, nada mais é do que um mecanismo que permite seja paralisado, momentaneamente, o processo de cobrança do crédito tributário regularmente constituído enquanto não for analisada a impugnação do contribuinte.

De fato, o art. 151 do Código Tributário Nacional é expresso ao dispor que “as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo” são causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Ou seja, impedem que o agente administrativo exerça sua competência para cobrar o crédito já devidamente constituído pelo lançamento.4

É indispensável, portanto, que o crédito seja constituído, estando apto a ser exigido pelo Fisco, para que então seja possível a suspensão da sua exigibilidade. Em outros termos: não teria sentido prever essa causa de suspensão se o lançamento já não estivesse perfeito e acabado.

É, portanto, tecnicamente mais acertada a posição adotada pelo STJ no recurso repetitivo citado, a qual se refere à notificação do contribuinte como termo da constituição definitiva do crédito tributário.

Isso, porém, não quer dizer que está equivocada a posição dos Tribunais Superiores ao condicionarem a propositura das ações penais ao término do processo administrativo. Apenas entendemos que o fundamento para tanto é diverso.

Ao examinar a redação do art. 1º da lei 8.137/90 (que é objeto da Súmula Vinculante nº 24), fica claro que, para a configuração do tipo penal, é indispensável que a conduta do sujeito passivo implique redução ou supressão de tributo. Ou seja, para que tal conduta seja considerada crime contra a ordem tributária, nos termos do dispositivo citado, é indispensável que tenha resultado no não recolhimento de tributo devido. É, portanto, necessário que sejam dirimidas quaisquer dúvidas quanto à existência ou não de tributo não recolhido.

Neste contexto, e tendo em vista que o processo administrativo é instrumento mediante o qual a própria Administração Pública revisa os seus atos, verificando sua regularidade face ao que dispõe a legislação, parece-nos razoável que a propositura de ação penal esteja condicionada ao seu término.

Por fim, no que diz respeito ao início do prazo prescricional para cobrança do crédito tributário, entendemos ser correto o posicionamento adotado pelo STJ no REsp 1.320.825, tendo em vista o que prescreve a legislação. Vejamos.

O Código Tributário Nacional, ao disciplinar referido prazo, prescreve que “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva” (art. 174).

Como se percebe, o termo inicial para a contagem deste prazo é a data em que o crédito é definitivamente constituído. Portanto, uma vez notificado o sujeito passivo, começaria a transcorrer o prazo prescricional mencionado.

No entanto, como bem pontuou o ministro Gurgel de Faria, relator do REsp 1.320.825, “a pretensão executória da Fazenda Pública (actio nata) somente surge no dia seguinte à data estipulada para o vencimento do tributo”, de modo que antes disso não se pode falar em transcurso do prazo prescricional.

Com efeito, tratando-se de prazo para a cobrança do crédito tributário, não se pode admitir seu transcurso quanto: (i) ainda não surgiu o direito de exigi-lo; ou (ii) quando tal direito não pode ser exercido. Esta, aliás, é a razão pela qual na vigência de causas suspensivas de exigibilidade não se admite a fluência deste prazo.5

Há, ainda, uma última questão, igualmente polêmica, mas que não era objeto da tese objeto do recurso repetitivo citado: quais os mecanismos legítimos para a notificação do contribuinte e, como consequência, para a constituição definitiva do IPVA.

O STJ, em outro recurso repetitivo (REsp 1.114.780), fixou posicionamento no sentido de que o mero envio da guia de cobrança do IPTU é suficiente para que se considere o contribuinte notificado do lançamento. Admite, assim, a notificação presumida do sujeito passivo do tributo.

Esse posicionamento, por sua vez, foi reproduzido no caso sob análise, apesar de este tratar de IPVA, com um acréscimo: admitiu-se a notificação do contribuinte mediante divulgação, pelo ente competente, do calendário de pagamento, com instruções para os contribuintes procederem ao recolhimento.

Trata-se, evidentemente, de posição sujeita a inúmeros questionamentos e, por isso, será examinada em outra oportunidade.

_______________

1 Cf. HC 269.546 (6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 12/05/2016); HC 212.931 (6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 27/10/2015); HC 343.771 (6ª Turma, Rel. Des. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 07/04/2016).

2 Súmula Vinculante nº 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

3 Cf. HC 96055 (1ª Turma, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 06/05/2010)

4 A depender do momento do processo de positivação em que se verificarem uma das causas de suspensão de exigibilidade, diferentes serão os seus efeitos. Por exemplo: uma tutela antecipada concedida no bojo de Ação Anulatória proposta após o término do processo administrativo obsta a inscrição em dívida; em contrapartida, se a tutela antecipada for concedida após a inscrição, obstará apenas a propositura de execução fiscal. No caso das reclamações e recursos administrativos, contudo, por se tratarem de causas que se verificam imediatamente após a constituição do crédito pelo lançamento, seu efeito será sempre impedir a inscrição em dívida e a consequente propositura de execução fiscal. Não impedirá, contudo, a própria constituição do crédito, já que a suspensão do crédito pressupõe que ele seja constituído.

5 “Notificado o contribuinte para pagar os valores faltantes ou se defender, dá-se a constituição do crédito tributário, o que inaugura o prazo prescricional para a sua cobrança (art. 174 do CTN), salvo em ocorrendo quaisquer das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN) ou interrupção do lustro prescricional (art. 174, parágrafo único, do CTN).” (AgRg no AREsp 631.237/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 03/03/2015)

Fonte: www.migalhas.com.br

 

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