Rege o art. 63 do CDC:
Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa.
- 1º Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
- 2º Se o crime é culposo:
Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.
Verbo-núcleo
Omitir no tipo em apreço significa não dizer algo.
Elementos Normativos do Tipo
Periculosidade significa possibilidade de algo vir a ser perigoso. Já nocividade significa possibilidade de vir a causar o dano.
Sujeito Ativo e Passivo
O sujeito ativo do crime é o fornecedor. Trata-se de crime próprio, uma vez que exige uma especial qualidade do sujeito passivo, que é ser fornecedor.
No art. 3º do CDC, está o conceito legal de fornecedor:
“É toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”
Para Cretella Júnior ([s.d], p. 37):
“Essas atividades, assim indicadas no Código, são: produção (atividade que conduz ao produto qualquer bem imóvel, material ou imaterial); montagem (a combinação de peças que, no conjunto, vão formar o produto); criação (desenvolvimento da atividade espiritual ou física do homem que constitui novidade); construção (com ou sem criatividade); transformação (mudança ou alteração de estrutura ou forma de produto já existente em outro); importação e exportação (aquisição de produtos do exterior e venda de produtos para o exterior); distribuição (ato de concretizar a traditio da res); comercialização (prática habitual de atos de comercial); prestação de serviços (aquele que presta serviços a outras entidades).”
Fornecedor é quem habitualmente pratica uma das condutas mencionadas.
Todos que participam da cadeia produtiva, excluindo o destinatário final, são fornecedores. Segundo João Andrades Carvalho (2000):
“Não importa a tarefa assumida pelo fornecedor nesse universo. É totalmente irrelevante o papel que ele desempenha, quando se trata da afirmação dos direitos do consumidor. Tanto poderá ser criador, como o simples distribuidor do bem, ou do serviço. Tanto poderá ser o comerciante no varejo como no atacado. Tanto poderá ser o Estado como indivíduo. Tanto poderá ser pessoa física ou jurídica.”
O sujeito passivo é o consumidor – pessoa física ou jurídica –, que adquire ou utiliza um produto ou um serviço como destinatário final.
O que é o destinatário final?
É quem adquire o produto ou utiliza o serviço para satisfazer uma necessidade ou utilidade pessoal. É importante ressaltar que não há ânimo de renegociar. Sobre o tema, o STJ entende:
Recurso Especial. Código de Defesa do Consumidor. Prestação de serviços. Destinatário final. Juízo competente. Foro de eleição. Domicílio do autor.
– Insere-se no conceito de “destinatário final” a empresa que se utiliza dos serviços prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais serviços em benefício próprio, não os transformando para prosseguir na sua cadeia produtiva. – Estando a relação jurídica sujeita ao CDC, deve ser afastada a cláusula que prevê o foro de eleição diverso do domicílio do consumidor. – Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp. nº 488.274, Rel. Nancy Andrigui, 3ª T. 22/5/2003, p. DJ 23/6/2003). (Negritamos)
Há duas correntes para defini-lo:
1 – Teoria Finalista: é todo aquele que retira produto ou serviço do mercado de consumo para uso próprio ou de sua família. O consumidor será o destinatário final econômico do produto ou serviço, sem visar lucro. É a corrente a que o STJ se filia de maneira flexibilizada.
Será consumidor aquele que comprar o bem sem ter a intenção de extrair proveito econômico.
2 – Teoria Maximalista: é todo aquele que retira produto ou serviço do mercado de consumo. Pouco importa o destino final do produto. Para os adeptos de tal corrente, basta que o produto não tenha sido adquirido para revenda.
O art. 2º, caput, do CDC dispõe que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
O Código de Defesa do Consumidor não adota em sua pureza nenhuma das duas, pois ambas podem causar injustiças.
A pessoa jurídica, em várias circunstâncias, é destinatária final econômica.
Consumidor por Equiparação
Equiparam-se ao consumidor todas as vítimas do evento lesivo. O CDC estende as regras da responsabilidade civil a todas as vítimas do acidente de consumo. Para fins de reparação do dano, não se usam as regras do direito privado. Acerca do tema, o STJ decidiu:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACIDENTE AÉREO. TRANSPORTE DE MALOTES. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. VÍTIMA DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR. ART. 17 DO CDC.
I – Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma vez que o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção, definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei, “… toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Abrandamento do rigor técnico do critério finalista.
II – Em decorrência, pela aplicação conjugada com o art. 17 do mesmo diploma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor. Recurso especial provido. (STJ, Resp. nº 540.235/TO, Relator Ministro Castro Filho, 3ª Turma, DJ 6/3/2006)
a) Coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Há necessidade da participação na relação de consumo. Aqui há a legitimidade para tutela coletiva dos consumidores.
Felipe Peixoto Braga Neto (2009, p. 88) professa:
“Assim, quem quer que intervenha, ainda que de modo indeterminado, nas relações de consumo, é equiparado a consumidor, recebendo a proteção a este dispensada. Se um sujeito compra pasta de dentes que é usada por vários estudantes, moradores de uma mesma república, e tal pasta causa séria inflamação nas gengivas dos usuários, todos os que a usaram são consumidores, ainda que não haja contrato de consumo.”
b) Todas as vítimas do evento danoso, ou seja, as pessoas expostas às práticas comerciais ou contratuais, ainda que indetermináveis. Não há necessidade de relação específica, bastando a mera exposição. Outra não é a redação do art. 17 do CDC: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. Entende o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLOSÃO DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. VÍTIMAS DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDORES.
I – Procuradoria de assistência judiciária tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando indenização por danos materiais e morais decorrentes de explosão de estabelecimento que explorava o comércio de fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do art. 82 e incisos do CDC, bem assim do art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
II – Em consonância com o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tendo participado diretamente da relação de consumo, vêm a sofrer as consequências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto o do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp. nº 181.580, Relator Ministro Castro Filho, 3ª T., j. 9/12/2003, DJ 22/3/2004).
c) Equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou contratuais. De acordo com o entendimento de Felipe Peixoto Braga Neto (2009, p. 90):
“Assim, quem quer que seja exposto à publicidade abusiva, mesmo sem adquirir o produto ou usado o serviço, pode, amparado no art. 29 do CDC, reivindicar a proteção peculiar do consumidor.”
Cumpre ressaltar que o próprio Estado pode ser considerado consumidor.
Assim, a coletividade é vítima de tal crime.
Elemento Subjetivo
É o dolo. No § 2º do artigo em tela, está prevista a forma culposa.
Consumação e Tentativa
O crime se consuma quando o fornecedor deixa, conscientemente, de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. Por ser um crime omissivo, não é admissível a tentativa. O mesmo vale para a modalidade culposa.
QUESTÃO DE PROVA
1. (CESPE/PC-RN/AGENTE DE POLÍCIA CIVIL SUBSTITUTO/2009/QUESTÃO 95) Acerca das disposições criminais da Lei nº 8.078/1990 – CDC –, assinale a opção correta.
a) A pena pecuniária para as infrações penais praticadas contra as relações de consumo será fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao crime.
b) Não é cabível ação penal subsidiária na hipótese de crime definido no CDC, pois há expressa vedação legal nesse sentido, cabendo exclusivamente ao MP dar início à persecução criminal.
c) Nas infrações penais de que trata o CDC, o valor da fiança, se assim recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, poderá ser reduzido até a metade ou aumentado pelo juiz em até cem vezes.
d) As penas de interdição temporária de direitos e prestação de serviços à comunidade no âmbito do CDC não poderão ser aplicadas cumulativamente com as penas privativas de liberdade.
e) Aquele que utiliza, na cobrança de dívidas, procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo, não comete crime, mas mera infração administrativa sujeita à pena de multa.
Gabarito: a
Comentário: A alternativa a está correta, pois está de acordo com o disposto no art. 77 do Código de Defesa do Consumidor:
“A pena pecuniária prevista nesta Seção será fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao crime. Na individualização desta multa, o juiz observará o disposto no art. 60, § 1° do Código Penal.” (Grifo nosso.)
É possível o ajuizamento de ação penal privada subsidiária da pública, caso haja inércia do Órgão Ministerial. Assim, a alternativa b está equivocada, pois contraria o disposto no art. 80 do CDC:
“No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, incisos III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.”
A alternativa c está errada, pois contraria o disposto no parágrafo único do art. 79 do CDC:
“O valor da fiança, nas infrações de que trata este código, será fixado pelo juiz, ou pela autoridade que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou índice equivalente que venha a substituí-lo”.
“Parágrafo único. Se assim recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, a fiança poderá ser:
- a) reduzida até a metade do seu valor mínimo;
- b) aumentada pelo juiz até vinte vezes.” (Grifo nosso.)
A alternativa d está errada, pois contraria o disposto no caput do art. 78 do CDC:
“Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal:
I – a interdição temporária de direitos;
II – a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação;
III – a prestação de serviços à comunidade.” (Grifo nosso)
A alternativa e está errada, pois a conduta em tela é crime previsto no art. 71 do CDC:
“Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena – detenção de três meses a um ano e multa.”
O verbo-núcleo do crime em estudo é utilizar, que, no contexto, significa servir-se de algo. O sujeito ativo do crime é o fornecedor, portanto trata-se de crime próprio. A vítima do crime em comento é o consumidor.
O elemento subjetivo é o dolo, não existindo forma culposa. O crime se consuma com a cobrança da dívida com ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor ao ridículo ou interfira no seu trabalho, descanso ou lazer.
Como é possível o fracionamento do iter criminis, é admissível a tentativa.
Sérgio Bautzer
Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal. Bacharel em Direito, Professor de Legislação Especial e Direito Processual Penal, Professor de cursos preparatórios, graduação e pós-graduação.
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