Crimes tributários praticados Contra a previdência e extinção da punibilidade

(uma revisão sobre o tema)

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3 de Março de 2021

Olá, queridos alunos e alunas do Gran!

Hoje trago para o nosso estudo um pouco sobre uma parte de Direito Previdenciário que, geralmente, fica para o final do nosso aprendizado. Mas se trata de tema também cobrado em provas de concurso, especialmente para a carreira de Delegado de Polícia. Refiro-me aos crimes contra a seguridade social e, no caso do nosso artigo de hoje, sobre a extinção da punibilidade do agente em relação aos crimes TRIBUTÁRIOS contra a previdência social.

Vamos aprender um pouco sobre isso?

Pois bem, a respeito da extinção e da suspensão da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, existem DOIS TÓPICOS PRINCIPAIS DE DISCUSSÃO:

 

a) os efeitos do pagamento do débito tributário pelo agente;

b) os efeitos do parcelamento do débito tributário pelo agente.

 

Vamos analisar cada um desses tópicos.

Antes, quero destacar que os crimes contra a ordem tributária os quais podem atingir também a previdência social são aqueles previstos nos artigos 168-A e 337-A, ambos do Código Penal. São os tipos penais, respectivamente, denominados “apropriação indébita previdenciária” e “sonegação de contribuição previdenciária”. Esses tipos penais foram criados pela Lei 9.983/00, que fez inserir os dispositivos referidos no Código Penal.

O objetivo do artigo não é examinar a fundo cada um desses tipos penais, mas apenas discorrer a respeito dos efeitos penais decorrentes do ato de pagar o tributo devido ou parcelar o respectivo débito junto ao fisco.

A consequência jurídica do pagamento do débito tributário no âmbito dos crimes tributários já foi tema de grande relevância na doutrina e na jurisprudência. É que diversas leis trataram do assunto, inserindo normas relativas à satisfação do débito tributário e, dessa maneira, apontando quais seriam os seus efeitos na esfera penal.

Antes da introdução, no Código Penal, dos crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária – o que foi feito, como vimos acima, pela Lei 9.983/00 – o tema da extinção da punibilidade chegou a ser tratado pela Lei 9.249/95. Então, veja bem: cinco anos depois da publicação da Lei 9.249/95 vieram ao mundo jurídico os tipos penais descritos nos artigos 168-A e 337-A, do Código Penal. Nesses tipos penais o legislador incluiu também hipóteses de extinção da punibilidade do agente em virtude de atos relacionados ao pagamento do tributo apropriado ou suprimido. A ideia, portanto, era a de seguir na mesma linha do instituto descriminalizante que já era previsto no art. 34, da Lei 9.249/95.

Mas, vamos analisar melhor o art. 34, da Lei 9.249/95.

O art. 34, da Lei 9.249/95, era voltado expressamente aos crimes previstos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, ou seja, ele não incluía os tipos penais descritos nos artigos 168-A e 337-A, do Código Penal. Bom, isso é uma constatação óbvia. Não poderia mesmo o art. 34, da Lei 9.249/95, incluir expressamente aqueles tipos penais em sua regra da extinção de punibilidade, já que os crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, tal como são hoje, foram criados cinco aos mais tarde.

Transcrevo o art. 34, da Lei 9.249/95:

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Pois bem, à vista dessa posterior criação legislativa dos crimes previstos no art. 168-A e 337-A, do Código Penal, acabou sendo criado para eles um regramento próprio quanto à possibilidade de extinção da punibilidade do agente em virtude da prática de atos relacionados ao pagamento do tributo. Esse regramento próprio se encontra previsto no §2º, do art. 168-A e §1º, do art. 337-A, do Código Penal.  Vejamos. O art. 168-A, §2º, do Código Penal, tratou da extinção da punibilidade no caso do crime de apropriação indébita previdenciárias:

Art. 168-A. (…)

 

(…)

 

  • 2 o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Já quanto ao crime de sonegação de contribuição previdenciária, é o §¹o, do art. 337-A, que define a questão:

Art. 337-A. (…)

 

  • 1 o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Sobre o §1º, do art. 337-A, do Código Penal, chama à atenção o fato de que não consta a necessidade expressa de pagamento como etapa final, bastando aparentemente que o infrator apenas DECLARE e CONFESSE o débito junto à SRFB. A doutrina de BALTAZAR[1] também percebe isso e menciona:

A Lei 9.983/00 introduziu, no § 1º do art. 337-A, em relação ao crime de que se cuida, forma específica de extinção da punibilidade, na qual, estranhamente, não é exigido o pagamento, sendo suficiente a mera declaração, o que contraria, parece, o próprio objetivo das regras de extinção da punibilidade pelo pagamento em crimes tributários, que é o incremento da arrecadação. De todo modo, o dispositivo, que não se aplica ao art. 168-A, somente tem aplicação quando a declaração se der antes do início da ação fiscal (TRF2, SER 20065101532512-0/RJ, Guilherme Calmon [Conv.], 1ª TE, u., 24.10.07; TRF3, HC 20050300028211-6/SP, Nabarrete, 5ª T., u., 15.8.05), ou seja, antes da formalização do ato de fiscalização com a lavratura do auto respectivo. O termo mencionado não guarda relação com o início da ação de execução fiscal. O dispositivo se aproxima da denúncia espontânea do direito tributário (CTN, art. 138).

A doutrina de ADEL EL TASSE[2] registra, sobre isso, que persiste “a regra especial do artigo 337-A, em que não se exige pagamento para extinguir a punibilidade, desde que haja espontânea confissão e prestação de todas as informações pelo contribuinte antes do início da ação fiscal”. Pela estranheza do dispositivo, cabe registrar, ainda, o estudo de NUCCI[3] a respeito:

O § 1.º menciona, simplesmente, que o agente deve declarar e confessar o que deve, bem como prestar as informações devidas à previdência. Pagar, não precisa. Logo, caberia extinção da punibilidade ao sujeito que admite o débito, confessa a sonegação e informa os dados necessários, mas nada paga, obrigando o Fisco a ingressar com a ação cabível. Vemos evidente falha na redação do dispositivo, embora não se possa corrigi-lo por meio da interpretação. Ainda que se admita a interpretação extensiva em Direito Penal, não é o caso. Trata-se de verdadeira lacuna, uma vez que absolutamente nada se falou a respeito do pagamento. Então, a única maneira de sanar o equívoco seria aplicando a analogia com o disposto no § 2.º do art. 168-A, o que é indevido, já que a analogia in malam partem é vedada. Portanto, beneficiado foi o sonegador que se livra da ação penal única e tão somente pela sua declaração de dívida e admissão de culpa.

Já o art. 168-A, do Código Penal, em seu §2º, exige o PAGAMENTO, senão vejamos:

  • 2 o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o PAGAMENTO das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

A norma acima assinala que o agente deve declarar, confessar e pagar as contribuições devidas.

Nada obstante, em ambos os tipos penais, a extinção da punibilidade somente ocorre quando os procedimentos de “declarar, confessar e pagar” (esse somente quanto à apropriação indébita previdenciária) ocorre ANTES do início da ação fiscal. Isso quer dizer que, se forem iniciados procedimentos de fiscalização tributária pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não haveria mais a chance de o agente obter a extinção da punibilidade pelo pagamento. O agente deve, então, pagar o tributo objeto de sua ação criminosa antes de ser “descoberto” por alguma ação fiscal. Ele deve efetivamente se antecipar. Caso contrário, pelas regras dos §§2º e 1º, dos artigos 168-A e 337-A, CP, ele não conseguirá obter a extinção da punibilidade prevista.

Esse, assim, é o primeiro detalhe importante desse regramento próprio da extinção da punibilidade em tais crimes.

O segundo detalhe é que as normas do Código Penal, relativamente, aos tipos penais em estudo, não incluem, cabe perceber, o PARCELAMENTO como opção para a SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE, indicando apenas o PAGAMENTO para que ocorra a EXTINÇÃO do poder punitivo estatal.

Visto isso, e percebendo que o regramento próprio da extinção da punibilidade pelo pagamento nesses crimes previdenciários era mais gravoso do que o regramento do art. 34, da Lei 9.249/95, esse dispositivo começou a ser considerado analogicamente. É que no dispositivo do art. 34, da referida lei, o marco temporal para o pagamento era mais flexível, exigindo-se que isso fosse feito “antes do recebimento da DENÚNCIA”, enquanto que a redação do §2º, do art. 168-A, e do §1º, do art. 337-A, CP, exige que o pagamento seja feito “antes do início da AÇÃO FISCAL”.

A doutrina de BALTAZAR[4] assinala, nesse ponto, que:

“o inciso II do § 3º do art. 168-A do CP trouxe uma nova disciplina para a extinção da punibilidade em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária, estabelecendo o início da ação fiscal como limite para a obtenção do efeito da extinção da punibilidade mediante pagamento. O dispositivo ainda tornava difícil sustentar a interpretação ampliativa que entendia abrangido o parcelamento no efeito do pagamento, sustentada na vigência do art. 34 da Lei 9.249/95, pois a redação previa a extinção para os casos em que o agente declara, confessa e efetua o pagamento. A regra em questão foi, porém, ignorada pela jurisprudência, que perseverou na aplicação do art. 34 da Lei 9.249/95”.

Sendo assim, como visto, passou-se a desconsiderar as regras previstas no próprios tipos penais mencionados, buscando-se o regramento analógico do art. 34, da Lei 9.249/95 para que o agente pudesse se beneficiar da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. A jurisprudência, a seu turno, também passou a entender dessa maneira. Vejamos antiga decisão do STF nesse sentido:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”, NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS. PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 34 DA LEI 9.249/95. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. “HABEAS CORPUS”: CONCESSÃO DE OFICIO. LEIS 8.137/90, 8.212/91, 8.383/91 e 9.249/95.

 

I. – Aplicação do art. 34 da Lei 9.249/95, que determina a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137/90, quando o agente promover o pagamento do débito antes do recebimento da denuncia.

 

II. – H.C. concedido de oficio.

 

(HC 73418, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 05/03/1996, DJ 26-04-1996 PP-13116  EMENT  VOL-01825-02 PP-00387)

 

Posteriormente, contudo, na caminhada de evolução legislativa no sentido de se consolidar o instituto do pagamento como causa para a extinção da punibilidade nos crimes tributários em geral, passou-se a considerar o art. 34, da Lei 9.249/95, como revogado tacitamente pelo art. 9º, §2º, da Lei 10.684/03, o qual tem maior espectro benéfico ao infrator.

Tempos depois, ainda, foi inserido em nosso ordenamento jurídico o disposto nos artigos 68 e 69, da Lei 11.941/09, que também continuaram na mesma sistemática normativa de consolidação da hipótese de pagamento, bem como do parcelamento, como institutos de extinção e suspensão da punibilidade estatal quanto aos crimes tributários. Já a Lei 12.382/11 veio ao mundo para alterar o art. 83, da Lei 9.430/96. O art. 83, caput, cuidava da representação fiscal para a apuração de crimes contra a ordem tributária relacionados às contribuições para a seguridade social, mas antes da Lei 12.382/11 não previa hipóteses de pagamento ou parcelamento como causas de extinção e suspensão da punibilidade. Somente com a Lei 12.382/11 é que foram inseridos os §§1º ao 5º no referido dispositivo, permitindo-se expressamente que houvesse a extinção ou suspensão da punibilidade naquelas hipóteses.

Cabe notar que o §2º, inserido no art. 83, da Lei 9.430/96, implicou gravosidade ao infrator, na medida em que passou a determinar que o parcelamento somente suspenderia a punibilidade se fosse formalizado ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Todavia, essa exigência não era prevista no art. art. 9º, §2º, da Lei 10.684/03, tampouco nos artigos 68 e 69, da Lei 11.941/09. Desse modo, embora a Lei 12.382/11 tenha neste particular surgido como lex gravior nas hipóteses de suspensão da pretensão punitiva estatal decorrente de parcelamento do débito oriundo do crime fiscal (art. 83, §2o, da Lei 9.430/96, acrescentado pela Lei 12.382/11), restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal aquela lei nova deve conviver com o disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03, que não exige que o parcelamento seja formalizado antes do recebimento da denúncia e, quanto ao pagamento, tampouco faz exigências temporais.

De todo modo, em meio a tantas leis prevendo disposições semelhantes, e em tendo existido controvérsia sobre qual deveria ser aplicada com vistas à extinção da punibilidade do agente, prevaleceu o entendimento de que o art. 9o, §2o, da Lei 10.684/03 continuou a vigorar como NORMA GERAL para os casos de pagamento do tributo, promovendo a extinção da punibilidade do agente infrator e, bem assim, para os casos de parcelamento, promovendo a suspensão da punibilidade.

Muito bem, queridos leitores e aluno(as) do Gran! Espero ter ajudado no entendimento desse tema. Continuo à disposição para quaisquer dúvidas. Vamos seguindo em frente! Com força, determinação e muita disciplina (a “mãe” de todas as virtudes).

Fraternal abraço,

Frederico Martins.

Juiz Federal

Professor do Gran Cursos

@prof.fred_martins

 

 

 

 

 

 

[1] Op. Cit., pg. 168.

[2] Adel El Tasse. “Crimes tributários: extinção da punibilidade pelo parcelamento e pelo pagamento”, extraído de: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121919709/crimes-tributarios-extincao-da-punibilidade-pelo-parcelamento-e-pelo-pagamento , em 30/01/2021, às 15:26.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora GEN, 17ª edição, revista, atualizada e ampliada, 2017. Pg. 889.

[4] Op. citada, 40.

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3 de Março de 2021