Crises, fundo público e política social

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Em meio a mais uma crise, países do mundo todo se mobilizam para organizar a economia e enfrentar os impactos da pandemia do Covid 19. Nesse cenário, novamente o fundo público se apresenta como solução para evitar uma catástrofe social. Por isso, vamos discorrer neste texto sobre o fundo público e suas funcionalidades no capitalismo.

O fundo público pode ser definido como a capacidade do Estado em arrecadar recursos, por meio de tributos, impostos, taxas e contribuições (sociais e econômicas), dividendos, empréstimos, emissão de títulos e emissão de moeda, para alocação de recursos em políticas públicas, investimentos, custeio e pagamento de juros e amortizações, entre outras. (SALVADOR, 2010). Veja assim que a produção social, isto é, os recursos da sociedade, são transferidos para o Estado como ente responsável pela organização das finanças públicas, as quais serão distribuídas entre as várias instituições e agentes econômicos, que são entrecortadas por relações de classes.

A conquista e a efetiva concretização dos direitos sociais se assentam na vigência e crescimento da alocação dos recursos do fundo público em prol da melhoria das condições de vida de todos(as) as pessoas.

A aliança interclassista existente no pós-guerra viabilizou a distribuição de parte da rentabilidade capitalista para o financiamento da Seguridade Social, no que Salvador (2010) vai nomear de “compromisso histórico”. Dizemos com isso que há necessidade de compensação de dividas humanitárias, reiteradas por legislações, políticas e recursos alocados de forma injusta. Para tanto, o fundo público deve ser conhecido pela população, apropriado pela participação política constante e socializado de acordo com demandas históricas e necessidades humanas prementes.

A configuração do modo de produção capitalista contemporâneo trouxe os ciclos de crise econômica, em função dos prejuízos gerados pela ciranda financeira que impactaram diretamente os trabalhadores e na repartição do fundo público dos Estados, considerando a estratégia político econômica de sobrevalorização das finanças e da oferta de crédito em relação aos direitos e as condições de vida da população.

Na atualidade, a financeirização da riqueza está entranhada na vida social contemporânea, conforme Salvador (2010). O ônus da financeirização acelerada da economia recai essencialmente na classe que vive do trabalho, nos termos de Antunes (2005), porquanto o cidadão paga impostos e financia o fundo público, entretanto não aufere da qualidade de vida correspondente ao volume de trabalho dispendido. Ademais, as multinacionais afetadas pelas crises financeiras, usualmente, reduzem seus custos demitindo funcionários, achatando salários e rompendo com garantias históricas dos trabalhadores. O fato é que grande parcela dos recursos do fundo público destina-se ao financiamento e pagamento dos juros dos investimentos, sem alterar a lógica geradora de desigualdades.

Neste sentido, a questão social tende a se acirrar nesta conjuntura, pois o Estado que deveria investir nas políticas sociais acaba por se comprometer com o pagamento dos juros da dívida pública.

Ademais, vale destacar que, ainda de acordo com Salvador (2010), que a democracia permitiu a constituição de uma arena de disputas pela partição do fundo público, na luta por fatias do orçamento público no processo legislativo e na fase da execução orçamentaria. Essa análise revela a centralidade do fundo público na reprodução da economia capitalista e para a classe trabalhadora, como assevera Oliveira (1998). Esta visão do fundo público segmentado pelos interesses em jogo na arena política valida a tese das lutas contemporâneas por direitos fragmentadas pela sua condição ocupacional dentro da divisão do trabalho e de posse de propriedade.

Assim, a direção de gastos governamentais para amortizações dos juros da dívida favorece um segmento da população, detentora de propriedade, renda e direitos. Ademais, a política de juros altos, para atrair investidores favorece os grupos de status social legal detentores de títulos públicos e ações. Sendo assim, ao privilegiar a amortização da dívida pública pode-se preterir a alocação de recursos para o reajuste do salário mínimo ou para a alguma garantia previdenciária destinada a inclusão de trabalhadores informais, ou trabalhadores autônomos, por exemplo, em prol de investidores. Ademais, na disputa pelo fundo público observamos que determinado setor, como o da indústria automobilística, pode estar sendo beneficiado pela isenção fiscal, mas pode estar extraindo recursos que seriam alocados na agricultura familiar.

Em razão disso, neste contexto de pandemia do Covid 19 o Estado brasileiro lançou um pacto econômico e de medidas de politica social emergenciais. Uma delas foi a criação do auxilio emergencial de R$ 600, 00 a R$ 1.200, 00 direcionado a trabalhadores informais, microempreendedores individuais e beneficiários do Bolsa Família. Ademais, crédito será oferecido as empresas para pagamento de salários, entre outras medidas de antecipação de benefícios como o auxilio doença.

Depreende-se disso, que o fundo público se apresenta novamente como  mecanismo de regulação socioeconômica. Contudo, na arena de disputa do fundo público, presente nas democracias liberais capitalista contemporânea, observa-se forte tendência de direcionamento do fundo público, especialmente no caso brasileiro,  voltada para suprir as demandas do capital rentista.

 

 

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho: ensaio sobre as metamorfoses do trabalho e  a centralidade do mundo do trabalho. 10ª edição. São Paulo: Cortez, 2005

 

GRANEMANN, Sara. Para uma interpretação marxista da ‘previdência privada”. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. Tese (Doutorado) Orientador: José Paulo Netto – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social/Programa de Pós-graduação em Serviço Social, 2006.

 

SALVADOR, Evilásio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.

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