Depois do Choro, a Caneta

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Laíse Serra cruzou o corredor da distribuidora abraçada a uma caixa de papelão como quem carrega o próprio fim. Nela repousavam quinze anos condensados em crachás, jalecos e cadernos de controle; lá fora, ainda reverberavam as últimas palavras do chefe — um elogio burocrático seguido da sentença que fere o orgulho: “Seu custo não cabe mais no nosso orçamento.” Ela desceu os quatro andares como quem despenca num poço sem corda. Quando a porta de vidro se fechou às suas costas, o choro represado verteu denso e quente, ensopando o volante do carro.

Em casa, ainda com o rosto lavado em lágrimas, ouviu do marido uma sentença que soou absurda e, ao mesmo tempo, salvadora: “Hoje tu choras; amanhã, começas o Enem dos concursos.” Durante segundos, Laíse acreditou que ele não entendia o tamanho do vazio que se abria; depois percebeu que a frase estendia uma ponte sobre o abismo. À noite, ainda mascarando soluços, abriu o notebook e digitou “Concurso Nacional Unificado”. O edital, labiríntico, parecia escrito em outra língua. Ela decidiu traduzir linha por linha — porque traduzir já fora a sua arte na faculdade, onde transformara dores em anticorpos de perseverança.

Havia revirado o destino antes. Aos dezenove, descobriu a gravidez uma semana antes do vestibular. Entre náuseas de medo, prestou a prova, passou, e prometeu que a filha não herdaria limitações. Para custear o curso integral, vendia trufas no corredor, montava bijuterias à noite e, com o pai, ergueu um pequeno império de água mineral: de dez garrafões por dia até duzentos, com a bebê amarrada na cargueira em meio aos botijões. A faculdade foi concluída a suor e sono quebrado, mas o diploma não blindou contra a inconstância da iniciativa privada: duas falências de patrões, anos de assédios empilhados, crises de ansiedade anestesiadas em diazepínicos.

Ao se ver de novo sem salário, decidiu que não voltaria ao “mercado” – palavra que, para ela, já cheirava a correria, humilhação e porta giratória. O concurso seria a saída. No primeiro dia, estudou quatro horas e dormiu exausta; no segundo, seis; no terceiro, oito. Cortou redes sociais a ponto de manter só um perfil no Instagram com professores, resumos e simulados. Quando a solidão pesava, ela se concedia trinta minutos cronometrados de choro — a mesma precisão com que, no hospital, administrava antibióticos durante as crises de pânico. Depois, com o café ainda fumegante nas mãos, voltava à plataforma do Gran e à rotina de quem se recusa a afundar.

Outubro, novembro, dezembro passaram em sequência de videoaulas da plataforma do Gran — às vezes vinte num dia, às vezes trinta (em modo acelerado ,é claro), até que o corpo implorasse trégua. Veio janeiro com o edital oficial e suas curvas inesperadas, eliminando matérias óbvias e enfiando blocos temáticos indecifráveis. Onde muitos viram caos, Laíse enxergou oportunidade: “Se todo mundo recomeça, ninguém está na dianteira.” Escolheu o IBGE porque desejava trabalhar nos bastidores das políticas que tocam vidas invisíveis como a dela. Depenou o edital, listou quinze cargos possíveis, construiu planilha que cruzava salário, lotação, probabilidade de corte, e fixou o instituto no topo da prioridade.

Após três meses de estudos solitários, arrumou um emprego de quatro horas para pagar as contas; depois outro turno, formando uma gangorra diária de trabalho e resumos. Levava lancheira com post-its dentro, revisava leis no trajeto de ônibus, recitava fórmulas em voz baixa na fila da farmácia. Quando enchentes no Sul adiaram a prova, uma nuvem de desalento turvou a mente, mas ela inscreveu-se no concurso do Tribunal de Contas do Pará, decidida a manter o motor girando. O foco permaneceu o CNU; o TCE-PA virou apenas pista de treino.

A redação a apavorava: não escrevia um texto dissertativo desde o vestibular. Um mês antes da prova, contratou aulas particulares, duas redações por semana, cada rascunho corrigido em vermelho cirúrgico. Na primeira folha, a mão tremia tanto que a tinta falhou; na última, o traço já corria firme. Ela simulava o dia do exame: cronometrava leitura, planejamento, desenvolvimento, revisão – como quem ensaia uma coreografia até o corpo dançar sozinho.

Chegou o domingo decisivo. Vestiu a camiseta branca que usara no parto da filha — superstição de renascimento — e entrou na sala distribuindo sorrisos que eram armaduras. Durante a manhã, encarou a redação e vinte questões; passou para a tarde leve, como se a caneta pesasse gramas. Saiu antes do tempo máximo, cumprimentou o fiscal e, no estacionamento, sentiu que um cascalho inteiro se desprendia dos ombros: dever cumprido. À noite, corrigiu o gabarito extraoficial; cada acerto foi gol de Copa narrado em grito abafado para não acordar as crianças. Chorou de felicidade pela primeira vez em muitos anos.

Semanas depois, o Diário Oficial confirmou: aprovada, analista do IBGE, salário dobrado em relação ao seu melhor contracheque privado, mas sem o risco de ser demitida a qualquer momento. Às seis da manhã, correu para contar à mãe — a mesma mãe que vendia pão amanhecido em saquinhos para comprar cadernos na infância dela. A filha, agora adolescente, abraçou a mãe como se entendesse de súbito todas as ausências noturnas de estudo. Amigas pediram roteiros de preparação; ela respondeu com planilhas coloridas e a advertência: “Disciplina dói, mas a desordem sangra.”

Hoje Laíse está radiante, tomou posse na semana passada e entrou em exercício nos últimos dias. Agora, escreve outra lista: cinema de domingo, pipoca com a filha, visita à irmã para plantar a semente do recomeço. Não planeja parar: mantém cadernos abertos para futuros editais, porque entende que estabilidade não é ponto final, é vírgula longa.

Se você, leitor, está com o coração retalhado pela demissão, pela conta vencida ou pela culpa de uma reviravolta que não planejou, lembre-se desta farmacêutica que cronometrou o próprio lamento para caber no intervalo de um parágrafo. Chore hoje o que for preciso — mas amanhã, abra o edital, escolha um bloco, sublinhe a primeira linha. Depois do choro, a caneta pesa menos, e cada palavra escrita devolve um centímetro de chão. E quando a lista oficial enfim estampar seu nome, você entenderá que o que realmente muda a paisagem não é a nomeação, mas o caminho — tijolo sobre tijolo, lágrima medida, esperança em estado de rascunho — que você escolheu construir na direção da própria luz.

Laíse foi aluna do Gran e ilustra como, aqui, aprovamos gente real, com histórias reais e das mais diversas origens. Tenha certeza: o próximo nomeado pode ser você. O edital do CNU 2025 acabou de sair, então aproveite e estude com quem vivencia de verdade, todos os dias, o lema em que acredita: todo mundo pode.

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Laíse no seu primeiro dia de trabalho após entrar em exercício.


Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha de perto o universo dos concursos desde muito cedo. Ingressou nele, profissionalmente, aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanalmente para o blog do Gran. Formou-se em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Em 2021, foi incluído na prestigiada lista da Forbes Under 30. Autor de 4 livros que figuraram entre os best-seller da Amazon Kindle.

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