Dos Sistemas de Reconhecimento de Nulidades e das Consequências das Nulidades no Processo Penal Pátrio

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24 de Novembro de 2017

Com o escopo de arredar o desatendimento às fórmulas legais pelas quais se desenvolve o Processo, o ordenamento jurídico pátrio estabeleceu uma consequência jurídica para a inobservância da tipicidade das formas, que é a possibilidade de invalidação do ato processual imperfeito, sanção essa que recebe a denominação de nulidade. É preciso, então, para fins de concurso público, saber identificar os sistemas de reconhecimento de nulidades e as consequências das nulidades na relação processual penal.
Conforme os ensinamentos do Professor Norberto AVENA[1]:
No tocante à definição da nulidade processual (lato sensu), a doutrina nacional diverge. Para Fernando Capez, por exemplo, a nulidade conceitua-se como um vício processual decorrente da inobservância de exigências legais, sendo capaz de invalidar o processo no todo ou em parte.  Por sua vez, José Frederico Marques refere-se à nulidade como uma “sanção que, no processo penal, atinge a instância ou o ato processual que não estejam de acordo com as condições de validade impostas pelo Direito objetivo“.  Já Mirabete adota posição eclética, aduzindo que a nulidade é, sob um aspecto, vício, e, sob outro, sanção, podendo ser definida como a inobservância das exigências legais ou como uma falha ou imperfeição que invalida ou pode invalidar o ato processual ou todo o processo. (Grifei)
Neste sentido, a nulidade pode alcançar todo o processo in juditio, parte dele ou apenas determinado ato. Mas sempre ascenderá na esteira da inobservância do modelo legal quando já instaurada a ação penal. Isso pois as eventuais irregularidades ocorridas na fase processual do Inquérito Policial (IPL) não fulminam o processo. Por óbvio, estes vícios em sede de IPL atingem atos de Polícia Judiciária como a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, podendo implicar inclusive sanções ao Delegado de Polícia que dolosamente inobserva mandamento legal expresso em prol da formalização desta prisão cautelar, mas não têm fôlego para avançar sobre a fase judicial do processo penal.
Em prol do reconhecimento das nulidades, a doutrina reconhece três sistemas que devem ser conhecidos. Vamos também nos valer do escólio do Professor Norberto AVENA[2] para este mister:
Três são os sistemas utilizados no direito comparado para o reconhecimento de um ato como viciado: Sistema formalista: há a predominância do meio sobre o fim.  Por este sistema, toda vez que o ato não for praticado da forma determinada em lei. estará irremediavelmente viciado, não importando se alcançou ou não seu objetivo. Sistema legalista: nulos são apenas os atos que assim considerar a lei, expressamente. Sistema instrumental (instrumentalidade das formas): o fim do ato deve prevalecer sobre a forma como ele é praticado. É o sistema adotado no direito brasileiro, consoante se vê dos arts. 563 e 566 do CPP. Destarte, se o ato, ainda que desobediente à forma legal, alcançar seu objetivo, poderá ser validado. (Grifei)
O Sistema Instrumental, da instrumentalidade das formas, observa o Princípio do pas de nullité sans grief (o que em francês seria: não há nulidade sem prejuízo), que exige a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, podendo ser tanto a de nulidade absoluta quanto a relativa, pois não se declara nulidade por mera presunção. Vejamos a lustral lição do Mestre Fernando da Costa TOURINHO FILHO[3]:
Em matéria de nulidade, e para simplificar o rigorismo formal, foi adotado o princípio do pas de nullité sans grief. Não há nulidade sem prejuízo. Para que o ato seja declarado nulo é preciso haja, entre a sua imperfeição ou atipicidade e o prejuízo às partes, um nexo efetivo e concreto. Se, a despeito de imperfeito, o ato atingiu o seu fim, sem acarretar-lhes prejuízo, não há cuidar-se de nulidade.
O próprio CPP contempla de forma explícita e lapidar este princípio. Vide o que ordena o art. 563 do CPP:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Outrossim, em face do grau de desconformidade do ato com o modelo legal e com a repercussão do defeito para o processo, a nulidade no processo penal pátrio pode implicar:
1) Inexistência do ato processual;
2) Nulidade Absoluta;
3) Nulidade Relativa; ou
4) Mera Irregularidade.
Vamos estudar cada uma destas hipóteses em seus aspectos mais relevantes aos seus estudos em prol da sua aprovação em concurso público!
Haverá inexistência do ato processual nos casos em que tamanha é a desconformidade com o modelo legal que o ato deve ser desconsiderado pelo ordenamento jurídico. Nessas hipóteses há, sob o ponto de vista processual, um não ato, pois está ausente um elemento que o direito considera essencial para que ele tenha validade. O desfazimento do ato inexistente não depende de pronunciamento judicial, na medida em que basta desconsiderar o ato que apenas aparenta existir.
De outro lado, como não se pode cogitar de convalidação do ato inexistente, a falta de arguição oportuna não gera nenhum efeito preclusivo. É o que acontece, por exemplo, com a sentença sem dispositivo, a audiência presidida por membro do MP, sentenças proferidas e assinadas por serventuário da justiça.
De outra margem, há incidência de Nulidade Absoluta quando a atipicidade do ato viola norma constitucional ou legal garantidora de interesse público. Nesta situação a gravidade do ato viciado é manifesta e, em regra, é flagrante o prejuízo que sua permanência acarreta para a efetividade da prestação jurisdicional. Assim, o vício absoluto não se convalida. Com efeito, a possibilidade de arguição não é atingida pela preclusão, de modo que a nulidade poderá ser decretada a qualquer tempo e grau de jurisdição e, em caso de sentença condenatória, até mesmo depois do trânsito em julgado.
A nulidade absoluta pode ser decretada (1) de ofício pelo juízo ad quo ou (2) pelo juízo ad quem, com observância das regras de hierarquia e mediante a utilização dos instrumentos processuais adequados. O próprio juiz, outrossim, poderá decretar a invalidade de ato processual absolutamente nulo, desde que o faça antes da prolação da sentença. São hipóteses que ensejam a nulidade absoluta, por exemplo, a realização de audiência de instrução sem a presença de defensor e a tramitação do processo por juízo incompetente em razão da matéria.
Se, após a prolação da sentença, a Corte constatar a existência de vício que favorece a acusação, que, todavia, não foi arguido pelo acusador em seu recurso, a nulidade não poderá ser reconhecida de ofício. Este é, inclusive, o entendimento consolidado pela Suprema Corte em sede de sumular:
Súmula 160 STF
É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.
Outro entendimento sumular do Pretório Excelso, que é exemplo eloquente de Nulidade absoluta, também vem da Súmula 523 STF:
Súmula 523 STF
No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
Noutro giro, a Nulidade Relativa compreende hipóteses de desrespeito à exigência estabelecida pela lei (norma infraconstitucional) no interesse das partes (interesse de ordem privada) e, tal como ocorre em relação à nulidade absoluta, depende de ato judicial que declare sua ocorrência. Para que seja reconhecida, é imprescindível que haja arguição oportuna pelo interessado, pois, em regra, não é passível de ser decretada de ofício pelo juiz, além do que se convalida se a parte prejudicada não se desincumbir do ônus de comprovar o prejuízo a ela acarretado pelo ato alegadamente nulo. São exemplos de nulidade relativa: falta de intimação da expedição de precatória para a inquirição de testemunha e falta de intimação do acusado para audiência de inquirição de testemunhas, quando nela esteve presente o advogado constituído.
Já a mera Irregularidade é a designação do vício que decorre da desobediência ao modelo legal que, no entanto, não tem nenhuma repercussão para o desenvolvimento do processo e, por isso mesmo, não enseja a ineficácia do ato. Trata-se de situação de desatendimento de exigência formal sem relevância para os fins do processo, por exemplo, com a prolação da sentença em prazo superior ao previsto em lei, hipótese em que o juiz estará sujeito a sanções administrativas. Constituem mera irregularidade, por exemplo, a falta de compromisso da testemunha antes da inquirição e a apresentação de razões de apelação fora do prazo.
Para termos uma visão global das consequências das nulidades no processo penal pátrio, trago a lume o seguinte quadro resumo:
 

Atos inexistentes Atos absolutamente nulos Atos relativamente nulos Atos Irregulares
Sua ineficácia não depende de reconhecimento judicial. Produzem efeitos até que haja reconhecimento judicial de sua ineficácia.
 
Produzem efeitos até que haja reconhecimento judicial de sua ineficácia. Embora imperfeitos, não são passíveis de invalidação.
 
O vício pode ser reconhecido de ofício. Sua invalidade pode ser reconhecida de ofício.
 
Sua invalidade não pode ser reconhecida de ofício.
Jamais se convalidam. Não se convalidam pela falta de arguição.
 
A falta de arguição oportuna acarreta a sua convalidação.
 

 
Este assunto das Nulidades no processo penal vem sendo cobrado em sede de concurso público da seguinte forma:

  1. (2016/VUNESP/TJ-RJ – JUIZ DE DIREITO[4])

Acerca das nulidades processuais e dos vícios procedimentais, assinale a alternativa correta.

  1. a) As nulidades processuais penais sofrem influência da instrumentalidade do processo, não se declarando qualquer tipo de nulidade se não verificado o prejuízo.
  2. b) Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a inversão da ordem das perguntas (art. 212, CPP) não gera nulidade, não implicando afronta ao princípio do contraditório.
  3. c) As nulidades são divididas conforme a gravidade dos vícios, em relativas e absolutas, sendo a nulidade de ordem absoluta reconhecida ainda que não haja prejuízo.
  4. d) A inépcia da acusação só pode ser apreciada na fase do artigo 396, do Código de Processo Penal, não podendo tal análise ser refeita na fase do artigo 397, do Código de Processo Penal, após a resposta à acusação.
  5. e) A coisa julgada sana todas as hipóteses de nulidades processuais penais.

 

  1. (2014/FUNCAB/PC-RO/DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL[5])

No estudo das nulidades, a doutrina converge no sentido de reconhecer a aplicabilidade do princípio da instrumentalidade das formas, a viabilizar o não reconhecimento da nulidade pelo juízo quando, em uma análise prévia, verifica a incidência de medidas sanatórias (ou de convalidação), possibilitando a preservação do ato viciado (praticado em desconformidade com o modelo legal) como válido. Qual é a medida sanatória que supre a irregularidade da citação?

  1. a) O suprimento
  2. b) O comparecimento
  3. c) A ratificação
  4. d) A preclusão
  5. e) A retificação

 

  1. (2013/CESPE/AGU/PROCURADOR FEDERAL[6])

Segundo o entendimento dos tribunais superiores, julgue os próximos itens, a respeito da prisão e das provas no processo penal. Alegações genéricas de nulidade processual, desprovidas de demonstração da existência de concreto prejuízo para a parte, não podem dar ensejo à invalidação da ação penal. Trata-se, no caso, do princípio pas de nullité sans grief.
(    ) Certo     (    ) Errado
 

  1. (2009/FUNIVERSA/PC-DF/DELEGADO DE POLÍCIA[7])

A tarefa de aplicar o direito às situações concretas não é realizada aleatoriamente pelos órgãos estatais; ao contrário, a atividade processual também é regulada pelo ordenamento jurídico, por meio de formas que devem ser obedecidas pelos que nela intervêm. Nesse contexto, a regulamentação das formas processuais, longe de representar um mal, constitui para as partes a garantia de uma efetiva participação na série de atos necessários à formação do convencimento judicial e, para o próprio juiz, instrumento útil para alcançar a verdade acerca dos fatos que deve decidir. Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho. As nulidades no processo penal (com adaptações).
Considerando o texto acima, assinale a alternativa correta acerca das nulidades.

  1. a) O Código de Processo Penal, para a apreciação das nulidades, adotou o critério formalista.
  2. b) As irregularidades eventualmente detectadas no inquérito policial contaminam o processo, ensejando a sua anulação.
  3. c) Considerando que a citação do acusado para se ver processar é indispensável, o comparecimento do réu a juízo não sana a falta ou defeito do ato.
  4. d) É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.
  5. e) É nulo o auto de prisão em flagrante lavrado por uma autoridade policial em área diversa da sua zona de atuação.

 
[1]                     AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2015.
[2]                     Idem.
[3]                     TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2014.
[4]                     Letra A.
[5]                     Letra B.
[6]                     Certo.
[7]                     Letra D


Adriano Barbosa – Processo Penal e LESP – Delegado de Polícia Federal
Delegado de Polícia Federal, Master of Science pela Naval Postgraduate School (NPS), CA, EUA, em Relações Internacionais, título acadêmico revalidado pela Universidade de Brasília (UnB), Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal para Cursos Preparatórios para Concursos Públicos, Professor convidado do Núcleo de Estudos sobre Violência (NEVIS) da Universidade de Brasília (UnB) no Curso de Pós-graduação em Gestão da Segurança Pública para a Disciplina Inteligência Policial, Professor voluntário da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de Brasília (UnB) no Curso de Graduação em Direito para a Disciplina Polícia Judiciária e Investigação Criminal, Professor titular da Escola Superior de Polícia da Polícia Federal para os Cursos de Pós-graduação em Ciências Policiais para as Disciplinas Gestão de Investigação Criminal e Terrorismo Internacional, Escritor, Articulista e membro da Comissão Editorial da Revista Brasileira de Ciências Policiais, ISSN 2178-0013 e da Revista de Segurança Pública e Cidadania, ISSN 1983-1927.



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