Por Fernando Malheiros Filho
Sumário: 1. Breves noções introdutórias ao exame da questão; 2. Cânon primeiro: deve o advogado de família conhecer profundamente a natureza humana; 3. Cânon segundo: o advogado de família não pode deixar se envolver pela passionalidade comum ao ser humano que o contrata; 4. Cânon terceiro: o advogado de família deve sempre duvidar previamente de suas decisões, aprendendo a distinguir o interesse próprio do interesse do constituinte observando onde colidem; 5. Cânon quarto: o advogado de família deve construir com cuidado sua estratégia.
1. Breves noções introdutórias ao exame da questão.
A ética nasce quando o primeiro ser humano se põe a pensar acerca de sua interação com os demais. As descobertas acerca da natureza humana, alcançadas no último século e meio, não mais permitem imaginar que os primeiro hominídeos tenham se posto a pensar apenas por bonomia, para questionar os comportamentos selvagens, estes originários na atávica pulsão pela sobrevivência.
Desde sempre o pensamento ético − e assim também o moral − está calcado na conveniência humana, na rasteira constatação de que o mal causado ao próximo reverterá contra o próprio causador. Trata-se da relação de causa e efeito. Melhor, então, conter os impulsos, estabelecer regras, ainda que não escritas, que serviram de escudo abstrato e inoculado na cultura contra os abusos que a todos ferem.
Não que a fórmula seja exata, não permita múltiplas variações de interpretação e mesmo constantes transgressões, até as mais grosseiras. Mas fosse diferente, jamais seria possível o surgimento da civilização, da organização social, e da imensa sinergia que ela representa.
Quando os gregos formularam a ideia do éthos que forma a raiz etimológica do vocábulo “ética”, fazia milênios os seres humanos já se punham a pensar sobre como fazer melhor, distinguir o bem do mal, mesmo que o consenso nunca se tenha alcançado com facilidade, senão pela ação da maioria, berço do que hoje conhecemos por democracia.
Para os romanos a dificuldade não era outra no encadeamento desse tão longo quanto penoso processo reflexivo, mas foram um pouco além do sentido etimológico grego, pois é deles que herdamos a raiz mos ou mores no plural, semente latina da palavra “moral” em português.
A distinção é sutil, levando a habitual utilização simultânea das expressões (ética e moral), como se significassem sinônimos absolutos ou o mesmíssimo fenômeno. A diferença reside no plano mental de atuação de um e de outro dos eventos antropológicos. Enquanto a ética está relacionada com a natureza, o caráter do indivíduo, chegando a ser conhecida como a “casa da alma”, a moral é prática, pragmática, envolvendo as regras consuetudinárias, normalmente não escritas, que regulam o comportamento humano em comunidade.
O debate pode ir muito mais adiante, mas no quanto interessa a essas linhas, é que a ética do advogado, ou de qualquer outro profissional, pertence a uma derivação muito mais atual, cunhada com o vocábulo “deontologia” (deonto- + -logia ‘ciência ou estudo dos deveres’), aqui o conjunto de normas morais escritas, produto da prévia especulação ética, às quais deve se submeter a atuação profissional.
Mas esse regime especulativo, próprio à ética, não poderia encontrar campo mais pantanoso do que na figura do advogado, submetido a eternos conflitos internos, entre a obediência à lei e à verdade, e a lealdade ao constituinte, com o temperamento da consciência, conhecida categoria plástica cuja forma muda – embora teoricamente não devesse – ao sabor das circunstâncias, dos interesses e do objetivo a ser perseguido.
Não bastasse a atuação do advogado, em geral, ser tão vulnerável a esses conflitos teóricos, mais ainda porosa é a situação do advogado de família, que agrega ao seu arsenal de preocupações a natureza humana, matéria prima e fundamental de seu ofício, argamassa biológica, mas abstrata, que deverá aprender a manipular para dar forma à sua atuação. Desde já, em gesto de duvidosa eticidade, apiedo-me de todos.
2. Cânon primeiro: deve o advogado de família conhecer profundamente a natureza humana
No âmbito do exercício advocatício da família deve o advogado, além de cumprir as normas de comportamento social e civilizado, que sobre todos incidem, também dar cumprimento às regras específicas, oriundas do regramento ético profissional, embora umas e outras possam merecer variegada interpretação.
O advogado é profissional relevante no processo civilizatório, com insubstituível atuação institucional, ajudando a prevenir e dirimir conflitos, atuando no sentido amplo da observação da Justiça.
Para tanto, deve exercer sua profissão com o manejo dos valores que lhe foram introjetados ao longo do processo educacional, pela família, aplicando, por fim, os conhecimentos jurídicos que a formação de nível superior lhe outorgou e mais aqueles naturalmente acumulados pela experiência.
Na área de família, entretanto, a situação ganha dimensões e magnitude que nas demais áreas não se acha presente.
No sistema jurídico, em geral, a solução dos problemas propostos tem raízes técnicas, através da aplicação da lei na sua interpretação mais adequada e admitida. Por isso o advogado deve mesmo ser especialista em direito, mormente no direito de sua especialidade. Deve predominantemente conhecer as leis e o entendimento dos tribunais sobre a matéria. Não poderá exercer sua profissão com proficiência e adequação senão através da utilização predominante e majoritária desses conhecimentos.
Para o advogado de família a situação é um tanto diversa. Sem jamais desdenhar do conhecimento técnico, em tudo fundamental, muitas vezes não será ele o principal elemento, o fundamental instrumento de atuação profissional.
Ao contrário do advogado em geral onde a predominância técnica-jurídica é essencial, antes de aplicar a lei, de saber das orientações, da doutrina e da jurisprudência, o familista deverá debruçar-se sobre a natureza de seu constituinte e sua história, algo absolutamente incomum em vários ramos da advocacia, onde o advogado, frequentemente, nem sequer conhece a quem serve.
Então, dentro do princípio do aperfeiçoamento profissional, devidamente contemplado pelo Código de Ética profissional (art. 2º, parágrafo único, inc. IV), cabe ao advogado de família conhecer com profundidade os aspectos mais obscuros da natureza humana. Passa a ser obrigado a uma abordagem multidisciplinar.
E não se trata daquele conhecimento intuitivo oriundo da experiência, dos anos de manejo, da convivência com seres humanos com dificuldades emocionais, mas efetivamente conhecer aqueles avanços do conhecimento científico que acessam esses estamentos internos e tão obscuros da alma humana.
Não somente a psiquiatria, a psicanálise, a psicologia, a antropologia e a sociologia, mas também a filosofia e a literatura, devem estar necessariamente presentes na bagagem cultural do advogado de família, que por isso deve manter-se constantemente atualizado sobre as pesquisas e descobertas.
Desconhecer esses elementos significa prestar mau serviço àquele que o constituiu, orientando na direção de soluções que não são necessariamente as melhores, agravando desnecessariamente o sofrimento daqueles para os quais o padecimento já parece insuportável.
A consulta à literatura técnica dos vários ramos científicos, é claro, produz resultados de excelente qualidade, mas mesmo a leitura de periódicos, revistas, sites em geral, pode ser de grande utilidade, quando essas publicações vão escrutinadas pelo olhar preparado do profissional que deseja encontrar informações específicas, autênticas joias do conhecimento encobertas pelo húmus do esquecimento.
São constantes as publicações sobre descobertas e pesquisas, mas sem o alarde das grandes manchetes, que trazem valiosas informações sobre o comportamento humano, sem as quais o advogado de família não poderá exercer sua profissão. Aos poucos, sem o ranço do moralismo religioso ou do sectarismo ideológico, a ciência vai explicando as razões pelas quais nos comportamos de determinadas maneiras, frequentemente e em proporções estatisticamente majoritárias, contrariando aquilo que é desejável ou o que convencionamos ser o esperado.
A ciência vem descobrindo, com a gélida certeza dos números, os motivos pelos quais desenvolvemos traços de caráter, valores, visões de mundo, religiosidade; porque casamos, temos tal número de filhos e nos separamos; porque desenvolvemos relações extraconjugais, a lascívia; porque o sexo perde o sabor com o tempo; o que acontece no mundo anímico quando envelhecemos; as mutações nas perspectivas, nas expectativas. Sem essas informações constantemente colhidas e processadas por estudos rigorosos, é certo que o advogado de família não estará atendendo ao seu dever ético de dar verdadeiro apoio a quem o procura.
Próprio ao advogado de família, mercê dessas informações colhidas ao longo do tempo, pelo estudo, pela leitura, mas também pela experiência, deverá manter sua sensibilidade disponível às dificuldades daquele que se acha envolvido em um grave problema familiar, em geral emocionalmente doente e que, com frequência, exige tratamento adequado.
E essa gravidade, a intensidade dos sintomas, das sequelas, normalmente passa despercebida, subposta às reações que se entendem naturais e até justificáveis, quando nada mais são do que peçonha inoculada na corrente sanguínea do paciente/cliente, que habitualmente apenas será percebida quando já é tarde demais, e disseminou-se de tal maneira nos compartimentos internos de quem padece que as consequências já se mostrarão irreversíveis.
Já aqui é possível perceber a relevância e grandeza do encargo. Trata-se de estar atento e com conhecimentos específicos para saber que o comportamento de quem procura o advogado de família pode apresentar sinais patológicos, fazendo ver o cliente que, no mínimo, ele deverá mudar suas perspectivas, seu modo de proceder, talvez a visão de mundo, os nortes filosóficos, desdenhando os outros que o levaram àquele abismo de dor e desilusão.
O estudo das ciências, mas em particular da filosofia e da literatura, nessa seara parecem fundamentais. O conhecimento intuitivo, em geral, é útil ao próprio portador, mas mostrar-se-á imprestável na tentativa de ser transmitido a terceiros, sem o devido tratamento lógico e linguístico, sem preocupação metodológica, sem uma escorreita e inteligível formulação.
O advogado, antes de dar à causa sua solução técnica, deve contemplar a pessoa que o procurou e jamais poderá explicar-lhe os valores, as questões, os riscos, interpretar as circunstâncias e mesmo a formulação do problema se não dominar antecipadamente as premissas culturais, bebidas nos textos filosóficos e na literatura, clássica e atual.
Séculos de pensamento estão disponíveis a todos pelas letras, em geral solenemente desdenhado pela maioria, mas o advogado de família não poderá sê-lo efetivamente sem seu domínio ainda que parcial. Como explicar a culpa sem a leitura de Eça de Queiroz em o “Primo Basílio”, como entender o horror da dúvida sem a figura machadiana de Capitu em “Dom Casmurro”, como compreender o impulso pelo parricídio sem Dostoievski nos “Irmãos Karamazov”? Como o advogado de família poderá exercer sua profissão sem leitura?
A qualquer ser humano a leitura tem benefícios essenciais, mas para a maioria deles não representa necessariamente um requisito ao exercício da profissão. Além da leitura técnica, essencial ao desempenho de qualquer área do direito, o advogado de família deverá conhecer literatura, ler filosofia, consultar as ciências, sorvê-las em grandes quantidades, pantagruélicas, a altura de seu tão nobre quanto terrível desafio.
3. Cânon segundo: o advogado de família não pode deixar se envolver pela passionalidade comum ao ser humano que o contrata
Esses elementos, até aqui cogitados, são essenciais à distância crítica necessária ao estudo da causa e, antes, do ser humano nela envolvido. Além de ter responsabilidade no equilíbrio de seu constituinte, ao produzir o exame da questão, da causa no sentido amplo que vai lhe sendo submetida, o advogado de família jamais pode se deixar envolver pela passionalidade, tão própria a essas relações vulcânicas, onde se manifestam paixões extremas, seminais e singulares, no amor único entre pais e filhos, na amálgama multicolorida e polimórfica da família, na convivência entre o amor e o ódio, no poder da sexualidade, nos ecos de um passado distante, terrivelmente presente nas espiraladas estruturas do DNA humano.
O advogado de família desavisado será facilmente enleado no torvelinho da paixão alheia. Procurando agradar seu constituinte, poderá ampliar os tectônicos sentimentos despertados pela ruptura, pelas dores inaparentes e incompreensíveis, multiplicando os efeitos do sismo pessoal que a maior parte dos clientes apresentam, quando, ao contrário, cabe-lhe o trabalho de remoção dos escombros, socorro à vítima do próprio mal e reconstrução daquela existência trucidada pelo destino e pelas forças que o conduzem. Mas como evitar a paixão sem intenso treinamento?
Aqui o norte, o autoexame, a reflexão profunda, a evitação do agir por impulso, a submissão das conclusões e das providências sugeridas ao que de mais rico o advogado tem a fornecer: a entrega a serviço daquele que o procura, na filtragem pelos sedimentos da experiência com o fermento da posição reflexita, daquele manancial magmático que é propulsionado pela erupção da vida familiar consumida pelo horror da ruptura.
4. Cânon terceiro: o advogado de família deve sempre duvidar previamente de suas decisões, aprendendo a distinguir o interesse próprio do interesse do constituinte, observando onde colidem, encontrando o ponto onde se sintonizam
Efetivamente, é quase trágica a função do advogado nessas tórridas questões. Estando o constituinte inteiramente passionalisado, como sói acontecer em circunstâncias tais, não haverá conseguir avaliar por seu próprio intelecto a gravidade e extensão do problema, e menos ainda sua melhor solução. Facilmente tornar-se-á vítima do entusiasmo do advogado incauto, este já apaixonado pelo ardor do cliente sofrido e reativo.
Essa combinação traiçoeira frequentemente não traz bons frutos. A causa, o processo, o extenso trabalho profissional representam o interesse do advogado pela remuneração que poderá advir, legítimo por certo, mas que não necessariamente alcançará àquele que contratou os serviços a melhor solução, o alívio, o verdadeiro conforto por vezes escondido nos escaninhos das emoções, imperceptível ao olhar apressado.
Ergue-se, aqui, dever fundamental ao advogado de família: de duvidar da solução que ele próprio está propondo, quando litigiosas. Considerando as consequências que delas advirão, nos múltiplos aspectos das vidas envolvidas no conflito, é melhor, mais até, fundamental, que o advogado repasse com seu representado todos os aspectos, passos e riscos de uma demanda judiciária, sopesando detidamente todos os custos, financeiros, emocionais e jurídicos que o empreendimento significa.
É possível até que essa conversação não possa se dar no limiar do relacionamento profissional, mas depois que o advogado se deteve ante os papéis, a narrativa e os desejos de seu constituinte, pondo a seu serviço a experiência acumulada, a jurisprudência das causas anteriores, os precedentes, para que ambos atinjam o sereno consenso em torno da inevitabilidade da medida a ser proposta, que então justificará seu risco, minimizando-se as consequências do eventual malogro, parcial ou total, ainda que exclusivamente psicológico, na pessoa que tiver sua causa ajuizada.
E não se tratará de fazê-lo exclusivamente em nome dos bons serviços a serem prestados, em proteção à figura do constituinte que o advogado obrigou-se a defender, apoiar e amparar ao fazer-se destinatário da outorga do mandato, mas também providência de resguardo ao próprio causídico, imunizando-o da ira da parte, comuníssima nesse universo de acerbas emoções, que anos depois, cansado com o desgaste da refrega, com os custos; acachapado com a ausência da grande solução que almejou e existente apenas em suas oníricas expectativas, incapaz de olhar para si mesmo e encontrar a raiz de todos os males, mirará o mais próximo, apontando-lhe o indicador acusatório, ainda que mediante a simples mas constrangedora revogação do mandato.
5. Cânon quarto: o advogado de família deve construir com cuidado sua estratégia
Se a todo o objetivo relevante deve antes corresponder uma prévia estratégia, cabe ao advogado de família concebê-la. E sendo a estratégia uma construção intelectiva que depende de grandes conhecimentos, são estes que previamente o advogado deve dispor de modo a poder consultá-los.
Mas a estratégia não se resume à disposição de conhecimentos que, anarquicamente dispostos, quase nenhuma utilidade poderão ter. Ao estratego cabe desenhar com a maior precisão possível os cenários futuros que deverá enfrentar. A partir desse proscênio imaginário deverá trabalhar, construir, edificar, projetar o porvindouro, ou pelo menos suas amplas possibilidades. A tarefa é menos difícil se seu exame depende exclusivamente de elementos técnicos, mas ganha em complexidade quando características humanas se sobrepõem e matizam a cena com suas infinitas possibilidades. Quais as melhores alternativas? Qual melhor resultado? Como alcançá-lo? A essas interrogações deverá responder o advogado de família, sempre mentalizando que seres humanos podem se comportar de maneira um tanto imprevisível e sua previsibilidade está diretamente relacionada com o conhecimento dos quadros apresentados.
Melhor compor ou melhor acionar? Duração de um processo, consequências? Vencida a hipocrisia de que o pior acordo é sempre melhor do que o melhor processo – segundo a qual não existiriam processos, e menos ainda os de família –, o advogado especializado deverá avaliar todas as alternativas, levando em conta a condição de seu constituinte, jurídica, emocional e financeira.
E como fazê-lo? Dificílima a resposta, muito grande a chance de erro, maior ou menor, mas é obrigação do advogado desenvolver todas as cogitações, não se deixando levar pelas simplificações passionais do constituinte, e muito menos pelas próprias que a essa altura, no profissional em pleno domínio de sua profissão, deverão estar completamente erradicadas. Deverá sopesar os valores postos em discussão, habitualmente da maior relevância, mas desafortunamente em conflito. Cumpre-lhe encontrar a resposta para o caso, por mais dolorosa que possa parecer, dentre aquelas igualmente sentidas e presentes no arsenal disponível de alternativas.
O advogado de família deverá estar preparado para situações que a consciência não enfrenta com facilidade quando alcança solução imediata. Deverá estar apto ao sofrimento da dúvida, construindo sua estratégia nos limites que a dura realidade lhe impõe, matizada muito menos pela racionalidade do que pela paixão. Deverá decidir por uma das dores, e não necessariamente a menos intensa naquele momento, tornando ainda mais complexa e penosa a tarefa de decidir. Deverá avaliar com profundidade todos os elementos condicionantes e refletir até os limites de suas forças sobre o caminho a seguir, e não porque poderá encontrá-lo como lúdica panaceia e sim porque deverá trilhá-lo ao lado do constituinte, acompanhando-o no tormento, maior ou menor, do porvir.
Melhor o acerto ruinoso ou a guerra de desgaste? Melhor manter os filhos a salvo do conflito, submetendo-os ao destino implacável reservado pela ignorância, ou envolvê-los até a medula para que logo aprendam sua catarse? O devedor de alimentos, na certeza de que não poderá pagar seu débito e ser submetido à privação de liberdade, deverá pagá-lo em parte, nos limites de suas forças, ou recusá-lo ante a inevitabilidade do destino, forçando uma composição mais adequada? A parte em conflito deverá se manter fiel à verdade, mesmo que esta consagre a solução injusta? Onde a Justiça? Até onde o investigado na ação de paternidade está eticamente autorizado à defesa com argumentos jurídicos de inegável liceidade, mas que resultarão apenas no retardamento do processo? Até onde a verdade prevalece e quando merece ser omitida, se outros valores éticos realmente existirem, capazes de obscurecê-la?
Sabedor do mundo que o cerca, estudioso da alma e da história humana, o advogado de família não haverá de alimentar expectativas redentoras; não está eticamente autorizado a tanto otimismo. Sua ferramenta é a força da verdade e do conhecimento, que fornecem horizontes poucos alvissareiros.
Ao propor sua estratégia, o advogado de família não deve estar preparado para a vitória inconteste e consagradora. Ao fim da guerra não há vitoriosos, apenas os que não pereceram, de ambos os lados. Deve saber que essa guerra espiritual, que avança nas lisuras das mesas de reuniões e no cenário asséptico dos tribunais, não pode motivar a euforia, mas a contrição, a preparação para os momentos difíceis que por certo sobrevirão.
O advogado de família deverá estar constantemente preparado para as situações difíceis, aquelas que diariamente se põe à sua frente e surgem aparentemente no éter, mas que a todos engolfam, diariamente, mesmo que o êxito na causa anterior fosse definitivo e incontestável, mas que poderá toldar a capacidade do profissional para reagir aos novos desafios que diariamente se oferecem, na área de especialidade que decidiu escolher.
Então a estratégia a ser desenvolvida apresenta, no mínimo, dois planos distintos: na perspectiva da causa para a qual foi concebida e para o próprio profissional que não se pode deixar trair por si mesmo, quando decidiu exercer sua profissão em área tão pantanosa.
E que dúvidas deverá o profissional decidir, que interrogações deverá enfrentar, sempre com a consciência de que, em seu território de atuação, uma miríade de caminhos levam ao mesmo desenlace. E como escolhê-los sem certeza, sem exatidão científica, sem a desejável precisão cirúrgica? Com os instrumentos éticos disponíveis, a sinceridade de propósitos, a generosidade e compaixão; com a convicção inabalável de que examinou a questão em todos os seus detalhes, mesmo seus minúsculos pormenores, e decidiu sem paixão, por aquilo que, no momento da especulação, pareceu-lhe o melhor. E o advogado, soberano que é no exercício de sua profissão, resolvendo enveredar para a atuação no direito de família e no direito das sucessões, deverá sabê-lo que ásperos serão os caminhos, justamente por que imensa é a responsabilidade que assume.
Fonte: Blog Direito de Família
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